Acórdão nº 524/03.8TAPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelSOARES RAMOS
Data da Resolução09 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - Ao deter imprevistamente o veículo que conduzia numa via com boa fluidez de trânsito, em prolongada recta, sem ter assinalado essa manobra [ilícita], fazendo-o a distância reduzida da viatura que seguia atrás de si e por forma a ocupar, até, com a sua saída do interior do veículo, parte da própria faixa de rodagem – pelo menos a equivalente à da “… largura do seu corpo, encostado à esquerda no seu carro e virado de frente para os veículos que seguiam no seu sentido de marcha” –, quando poderia ter entrado algo mais na própria berma, foi a vítima quem desencadeou o acidente, surpreendendo o condutor da viatura que circulava atrás de si.

II - Este transitava a 70 km/h, num local em que a velocidade máxima permitida era de 100 Km/h, mas a sua condução é também passível de censura por não ter mantido a distância lateral entre veículos na mesma faixa de rodagem e uma trajectória menos rasante da viatura irregularmente estacionada.

III -Assim, fixa-se a repartição de culpas em 70% para a vítima mortal e de 30% para o condutor da viatura ligeira [alterando-se a decisão do Tribunal da Relação que a estabelecera em 40% e 60%, respectivamente].

IV-É excessivo, por referência a uma expectável rentabilização fundada na disposição antecipada dos rendimentos futuros, o abatimento de 25% sobre a totalidade do capital indiciariamente gizado, devendo antes situar-se em cerca de 1/3 ou ¼ desse referencial, considerada, em particular, a fragilidade do sistema financeiro, proporcionando taxas de juro muito mais limitadas do que antes.

V - Os arts. 1.º e 2.º do DL 59/89, de 22-02, consagram um regime especial de “…sub-rogação legal, no confronto do que prescreve o art. 592.º n.º 1 do Código Civil, segundo o qual o terceiro que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor se tiver garantido o cumprimento ou haja outra causa do seu interesse directo na satisfação do direito de crédito” – cf. Ac. do STJ de 23-10-2003, Proc. n.º 3075/03.

VI -Trata-se, verdadeiramente, de um alargado direito de sub-rogação das instituições de segurança social, assim particularmente instituído por força da especial natureza das prestações em causa, de cunho marcadamente social, no desenvolvimento da assunção de um papel subsidiário e provisório em face da obrigação de indemnização de que venha a ser sujeito passivo, uma vez definida com trânsito em julgado a responsabilidade de um terceiro que tenha dado causa ao evento danoso.

VII - No caso das pensões de sobrevivência, subsequente a acontecimento criminalmente imputado a terceira pessoa – por isso igualmente responsável pela respectiva satisfação –, é patente a natureza provisória da obrigação, a funcionar desde o início do seu processamento como um típico e mero adiantamento da prestação pecuniária reembolsável.

Decisão Texto Integral: AA, nascido em 22/01/1966, tendo sido submetido a julgamento em processo comum singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio por negligência, p.p. pelo art.º 137.º n.º 1 do CP, por referência a sinistro rodoviário ocorrido em 12/10/2003, absolvido na 1.ª instância, a 09/02/1999, veio a ser condenado, consoante o aqui recorrido acórdão da Relação de Lisboa, de 15/12/2009 ___ só na parte penal transitado em julgado ___, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução logo se declarou suspensa por igual período de tempo.

Nesse mesmo processo, BB, enquanto lesada, por si e em representação do seu filho menor CC, uma vez constituída assistente, deduzira, em 05/02/2007, pedido de indemnização civil contra “Companhia de Seguros ........, SA”, bem assim contra o dito arguido e sua mulher, DD, pedindo a condenação de tais demandados, com acréscimo de juros, no pagamento da quantia global de € 979.000,00 (novecentos e setenta e nove mil euros), correspondente à adição das quantias parcelares de: - € 759.500,00 (setecentos e cinquenta e nove mil e quinhentos euros), a título de lucros cessantes; - € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) pelo dano da morte; - € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais da vítima, causados pela dor e percepção da morte; - € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria assistente; e - € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), ainda, pelos danos da mesma natureza, sofridos pelo filho menor; tudo em consequência da conduta criminal do arguido, especificando a demandante que a responsabilidade civil dos demandados pessoas singulares seria convocada apenas quanto ao valor do pedido que excede o limite máximo do seguro obrigatório, até ao qual responde a companhia de seguros.

Restringindo-se o objecto do recurso, agora, no STJ, à matéria de natureza cível, interposto tão só pela demandada, deverá atentar-se na circunstância de, na 1.ª instância, se haver julgado, em 09/02/2009, parcialmente procedente, por parcialmente provado, o dito pedido, em consequência do que se ajuizou condenar a seguradora ___ sem ponderar repartição alguma de culpas, tanto que aí se absolveu o arguido do imputado crime ___ a pagar aos demandantes as seguintes quantias parcelares: - a de € 75.984,50 (setenta e cinco mil novecentos e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por lucros cessantes; - a de € 15.000,00 (quinze mil euros) pelo dano da morte; - a de € 3.000,00 ( três mil euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima; - a de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a favor de BB, pelos danos não patrimoniais próprios; - a de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a favor de BB, em representação do filho CC, pelos danos não patrimoniais próprios deste; - tudo no montante global de € 108.984,50 (cento e oito mil, novecentos e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), só por manifesto lapso aí se referindo ter-se atingido a soma de € 120.984,50 (cento e vinte mil, novecentos e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).

Mais se ajuizou condenar tal seguradora “…a pagar aos demandantes os juros de mora vencidos e vincendos, às taxas de juros civis indicadas nas portarias a que alude o artigo 559.º do CC, contados desde a citação até integral pagamento, no caso da indemnização por lucros cessantes, e desde a data da sentença até integral pagamento, no tocante às compensações por danos não patrimoniais.” Tendo-se absolvido os demandados pessoas singulares da instância, julgada que foi a excepção dilatória da sua ilegitimidade processual.

Necessariamente se atentará, de seguida ___ só isso sim nos importando, já ___, no que se decidiu a respeito das referidas pretensões ressarcitórias, na 2.ª instância, para a qual e a respeito de que havia um recorrido tanto a assistente como a demandada seguradora.

Ora, assim mesmo se estabeleceram, nessa instância, as seguintes parcelas indemnizatórias, na base, já, de explanado entendimento de direito filiado em resenha factual a que se decidiu conferir novo e bem diferente enunciado, que se irá reproduzir nessa final versão, conducente, agora, por isso mesmo, à ideia de uma confluência de culpas pela produção de sinistro, logo fixada na proporção de 40% (quanto à responsabilidade da própria vítima mortal) e de 60% (para o arguido/demandado, por cuja responsabilidade civil responde, em primeira linha, a seguradora): - € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), a título de lucros cessantes, assim reduzida, já, nesta parcela, como nas restantes, a sua expressão absoluta, nos indicados termos percentuais; - € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de “…direito à vida”; - € 6.000,00 (seis mil euros), a título de “…danos morais da própria vítima”; - € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de “…danos morais da viúva”; - € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de “…danos morais do filho”.

No total, pois, sempre já ponderada, em cada uma de tais parcelas, a dita repartição de culpas, estabeleceu a Relação de Lisboa, no recorrido acórdão de 15/12/2009, a “…indem-nização final de € 186.000,00 (cento e oitenta e seis mil euros), e bem assim os juros contados às taxas legais desde a citação até integral pagamento, no caso das verbas atinentes a indemnização por danos materiais, e desde a presente decisão, no tocante às que representam compensações por danos patrimoniais”.

Contra o assim decidido se insurge, agora, no recurso interposto para o STJ, como já se apontou, apenas demandada seguradora.

* Eis, pois, a recomposta resenha factual dita positiva ((com a bem diferente redacção final daquela forma conferida aos pontos de facto n.ºs 10, 21, 22 e 24 e com as adições constantes dos pontos de facto que se designarão sob os (novos) n.ºs 24-A e 24-B)): «1. No dia 12 de Outubro de 2003, cerca das 16:00 horas, EE circulava ao volante do veículo Ford Fiesta, ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-00, na via rápida Lagoa/Ponta Delgada, no sentido nascente/poente.

  1. No veículo LD seguiam, como passageiros, BB e CC, respectivamente, mulher e filho de EE.

  2. A dada altura, CC, de 5 anos de idade, que era transportado no banco traseiro do lado esquerdo, abriu a janela traseira do lado esquerdo do veículo e ali colocou o guarda-chuva, que ficou em quase todo o seu comprimento no exterior da viatura.

  3. Após o guarda-chuva ter sido retirado das mãos do CC e colocado junto dos bancos traseiros do automóvel pela mãe – que seguia no banco do passageiro da frente – por recear que a criança voltasse a esticar o guarda-chuva através da janela ou a projectá-lo para fora da mesma com o veículo em movimento, colocando em perigo outros eventuais condutores, EE abrandou a velocidade do veículo, que imobilizou na berma direita da via rápida, a cerca de 125 metros da placa de sinalização que indica a saída da via rápida para a Ribeira Grande e o estádio de futebol.

  4. Após, EE retirou o cinto de segurança, abriu a porta, saíu da viatura e dirigiu-se, através da hemi-faixa direita, junto da respectiva berma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
  • Acórdão nº 1023/19.1T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-10-24
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Évora
    • 24 October 2023
    ...gradual dos valores indemnizatórios devidos, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/09/2010 (SOARES RAMOS), proc. n.º 524/03.8TAPDL.L1.S1, “(…) da proteção da vítima (…) e da tutela cada vez mais intensa dos direitos de personalidade e ainda porque a filosofia da vida, aceit......
  • Acórdão nº 1023/19.1T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023
    • Portugal
    • 24 October 2023
    ...gradual dos valores indemnizatórios devidos, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/09/2010 (SOARES RAMOS), proc. n.º 524/03.8TAPDL.L1.S1, “(…) da proteção da vítima (…) e da tutela cada vez mais intensa dos direitos de personalidade e ainda porque a filosofia da vida, aceit......
2 sentencias
  • Acórdão nº 1023/19.1T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-10-24
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Évora
    • 24 October 2023
    ...gradual dos valores indemnizatórios devidos, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/09/2010 (SOARES RAMOS), proc. n.º 524/03.8TAPDL.L1.S1, “(…) da proteção da vítima (…) e da tutela cada vez mais intensa dos direitos de personalidade e ainda porque a filosofia da vida, aceit......
  • Acórdão nº 1023/19.1T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023
    • Portugal
    • 24 October 2023
    ...gradual dos valores indemnizatórios devidos, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/09/2010 (SOARES RAMOS), proc. n.º 524/03.8TAPDL.L1.S1, “(…) da proteção da vítima (…) e da tutela cada vez mais intensa dos direitos de personalidade e ainda porque a filosofia da vida, aceit......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT