Acórdão nº 0389/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução07 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – A…, S.A., interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso de anulação da deliberação aprovada pela ALTA AUTORIDADE PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL em 26-8-2002.

Aquele Tribunal julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, considerando competente o Tribunal Central Administrativo, na sequência do que o processo lhe foi remetido.

B…, S.A., foi habilitada como sucessora da Recorrente A…, S.A. [alínea f) da matéria de facto fixada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-10-2006, a fls. 209-212].

Neste mesmo acórdão, o Tribunal Central Administrativo Sul julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, entendendo ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

A Recorrente requereu a resolução pelo Supremo Tribunal Administrativo do conflito gerado com as decisões referidas, mas o Excelentíssimo Relator no Tribunal Central Administrativo Sul, apesar de o processo ter sido instaurado em 2002, entendeu ser aplicável o disposto no art. 5.º, n.º 2, do ETAF de 2002 (fls. 233 e v).

Tendo o processo baixado ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, foi ordenada a citação da Autoridade Recorrida, tendo apresentando resposta a ERC – ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL, que sucedeu na competência da ALTA AUTORIDADE PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL, nos termos do art. 1.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro.

Por sentença de 30-12-2009, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou o recurso improcedente.

Inconformada, a Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: A. A decisão da AACS é nula por ter um conteúdo indeterminado e indeterminável.

  1. Ordenar a republicação do direito de resposta "de acordo com os requisitos legais" é... não ordenar ou determinar nada, até porque o … já havia publicado o direito de resposta, e estava convencido de o ter feito "de acordo com os requisitos legais".

  2. Os requisitos legais referidos não passam de conceitos vagos e indeterminados que têm de ser concretizados pelo intérprete.

  3. Na edição de 14/06/2002 fazia-se uma chamada de capa com breve destaque a respeito de uma notícia cujo desenvolvimento, e na sua íntegra, se encontrava no interior do jornal, e na edição de 12/07/2002, em que foi publicado o direito de resposta, anunciava-se na primeira página, com nota de chamada, o exercício de resposta do requerente, com direito, ainda, na pág. 9 (página ímpar e, logo, de maior destaque) ao mesmo título que servira à primeira edição e fotografia da mesma artista.

  4. Determinar a republicação na primeira página, ou o seu início na primeira página se tal não se verificar possível e "em condições de notoriedade aceitáveis", é um conjunto de incertezas quanto ao comando do acto.

  5. O acto, para estar determinado, para ter um conteúdo certo e inteligível, teria que especificar em concreto, em que ponto do texto é que começava a publicação, onde é que parava, que formato devia assumir, o que é que era considerado aceitável, etc..

  6. Vê-se, pois, violado o art. 123°, n.º 1, al. e) e n9 2 do CPA, dado que, ao abrigo desta norma, os efeitos do acto hão-de estar "inequivocamente" determinados. Só assim o objecto é certo. Enquanto houver espaço e lugar a equívocos, como no caso havia, a lei não está a ser cumprida e o acto é indeterminado.

  7. O acto recorrido atenta contra o art. 1332, n2 2, al. c) do CPA, já que se tratava de um acto ininteligível, em que o conteúdo é indeterminado ou indeterminável, dado que omite uma concretização inequívoca do caso sobre o qual pretendia versar.

    1. Não obstante a densidade e extensão da resposta à notícia de 14.06.2002, aquela foi publicada na íntegra, sem interrupções, tempestiva e gratuitamente, e com o relevo mais adequado ao tipo e forma que revestia.

  8. Ocupou página ímpar inteira, e foi inserida uma nota de chamada na primeira página, anunciando a publicação da mesma, seu autor e respectiva página, conferindo-lhe destaque justo, inequívoco e de idêntica natureza ao da notícia que lhe dera causa, conforme prescreve a lei.

  9. O art. 382 da CRP consagra de forma inequívoca a liberdade de imprensa no capítulo dos direitos e garantias fundamentais.

    L. Este direito visa em especial garantir o direito de informar sem impedimentos, discriminações ou censuras de qualquer tipo ou sob qualquer forma, bem como, e fundamentalmente, a necessária e decorrente liberdade de expressão e criação.

  10. Ao pretender exercer o direito de resposta nos moldes em que se o fez, e ao abrigo deliberatório da AACS, afronta-se directa e inapelavelmente tais princípios constitucionais, na medida em que se está já a ingerir (não se diga que não) no campo da autonomia editorial do jornal, a qual deverá sempre permanecer salvaguardada.

  11. Quem pode negar que a primeira página de um jornal ou revista não pode servir para uma "não notícia", um direito de resposta? O. Publicar o texto de resposta (que é uma carta de um leitor) na primeira página era ofender directamente os direitos morais do jornal da Recorrente que se via refém, na edição em que o fizesse, da deliberação recorrida.

  12. A revista "…" publicou, dois anos depois, a mesmíssima história do …, com inserção na capa de uma fotografia de Amália Rodrigues de cima abaixo, não tendo havido qualquer reacção conhecida à publicação da reportagem.

  13. Não é tolerável que qualquer entidade administrativa, ou não, pretenda direccionar a linha editorial de um jornal.

  14. O direito de resposta não é um direito absoluto, devendo ser perspectivado na realidade em que se insere, nomeadamente, de um periódico.

  15. A decisão da AACS ofende o bom senso e a normal realidade das coisas, pois está errada esta concepção que considera que o direito de resposta terá que sobrepor-se ao próprio jornal.

  16. Não parece legítimo impor-se que, com sacrifício total dos direitos da Recorrente, designadamente o de liberdade editorial, o direito de resposta se transforme no jornal em si, apoderando-se da sua integridade redactorial, nem foi isso que quis o legislador.

  17. Uma decisão formulada nos termos supra sofre do vício de nulidade, porquanto ofende directa e imediatamente o conteúdo de um direito fundamental inequivocamente consagrado na CRP (art. 133°, n2 2, al. d) do CPA).

    V. Excede os limites do direito um entendimento que signifique a amputação do conteúdo noticioso de um jornal em virtude de uma carta de um leitor.

  18. O direito de resposta, os números 3 e 4 do artigo 262 da Lei de Imprensa visam garantir a notoriedade da resposta a texto ou imagem publicados na primeira página, texto ou imagem que o autor da resposta considera poder afectar a sua reputação e boa fama.

    X. Trata-se de garantir ao autor da resposta o direito a informar, e, simultaneamente, de assegurar ao leitor o direito a ser informado, objectivo que foi cumprido quando o texto de resposta foi publicado.

  19. A deliberação em apreço constitui uma clara violação dos arts. 12, 22, n2 1, al. a) da Lei de Imprensa, uma vez que, por via dela, o direito de informar (garantia conferida pela liberdade de imprensa), resulta(ria) prejudicado.

  20. Nem a Lei, nem a Constituição hierarquizam qualquer dos direitos em confronto, ambos tendo igual dignidade constitucional.

    AA. NUNCA, nos anos que a Democracia leva neste país e nem no tempo da ditadura, algum jornal foi condenado a publicar sequer uma sentença de um tribunal na primeira página. Quanto mais um direito de resposta! AB. O que nos diz o Tribunal é que é lícito à AACS ser mera boca da lei e, por via desta, o próprio Tribunal.

    AC. Que na sua missão de regulador não pode antever os efeitos que uma sua decisão pôde ter na esfera jurídica de um terceiro e, em consonância, aplicar a lei em função do resultado final.

    AD. No caso, a interpretação feita é uma interpretação extensiva, já que a lei (art. 26°, n.º 4 da L. Imprensa) não prevê o resultado da deliberação, no sentido de o jornal estar vinculado a publicar o direito de resposta na primeira página.

    AE. A AACS pegou numa norma que diz que se uma resposta se referir a um texto ocupando menos de metade da superfície da primeira página é publicado no interior para outra premissa, ie, que quando o texto ou imagem a que se responde ocupe mais de metade da superfície da primeira página, então é publicado todo o direito de resposta na primeira página.

    AF. A interpretação feita vai para além daquilo que a lei prevê.

    AG. A quantidade de texto publicada na primeira página é muito pequena e não ocupa mais de metade da 1ª página.

    AH. Atendo-nos ao horizonte percentual e numérico da AACS, vemos que tudo o que foi publicado, com a excepção da fotografia de AR (esta não admite um direito de resposta) não ultrapassa mais de metade da primeira página.

    AI. O resultado pretendido é desproporcionado, nomeadamente, porque, como aliás refere o Cons. Veiga Pereira, na sua declaração de voto, «nem o Código Penal admite sanção tão gravosa para assegurar o conhecimento público adequado de sentenças por calúnia, ofensa à memória de pessoa falecida ou ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço.» AJ. Há claro abuso de direito, já que está em causa o exercício de um direito por forma anormal, quanto à sua intensidade, ou à sua execução de modo a comprometer o gozo de direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm que suportar.

    AK. Deve, portanto, considerar-se violado o disposto no art. 3372 do Código Civil, e, como tal, deverá a sentença proferida ser substituída por outra que conclua por forma a reconhecer esta violação, bem como os direitos da Recorrente em resistir a uma deliberação injusta, ilegal e inconstitucional.

    Termos em que, e nos melhores de direito que sempre serão doutamente supridos, deve o...

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