Acórdão nº 1618/04.8TBLLE,E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução14 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I – A simples ocupação de um prédio, por virtude da celebração de um contrato-promessa não é, de per se, suficiente para se possa falar numa situação de verdadeira posse, a menos que, entretanto, tenha havido inversão do título de posse, facto que acarreta, a favor do promitente-comprador, o início da contagem do prazo necessário para a verificação da usucapião.

II – Para que se possa falar, com legitimidade, em inversão do título de posse, há-de o detentor tornar directamente conhecida, junto da pessoa em cujo nome possui, a sua intenção de actuar como titular do direito.

III – Ilidida a presunção do registo de aquisição inscrito a favor da promitente-vendedora, por prova dos requisitos legais conducentes a usucapião, a parte promitente compradora torna-se efectiva proprietária da fracção reivindicada, com efeitos retroactivos, podendo, assim, inscrevê-la no registo.

IV – Tendo a parte promitente-vendedora, mau grado o decurso do prazo da usucapião a favor da parte promitente-compradora, vendido a terceiros o prédio em causa, não pode deixar de se considerar tal negócio como uma venda de bem alheio e, como tal, nula, à luz do preceituado no artigo 892º do Código Civil.

V – Tal nulidade, porém, é atípica: terceiros carecem de legitimidade para a invocarem e, por outro lado, não pode ser apreciada oficiosamente.

VI – A venda da fracção ajuizada, feita pela promitente-vendedora a terceiros, é ineficaz em relação aos AA., seus promitentes-compradores.

VII – A ineficácia de tal venda a terceiros, em relação aos AA., torna irrelevante a invocação do disposto no artigo 291º do Código Civil e no artigo 17º, nº 2, do Código de Registo Predial.

VIII – A invocação da usucapião sobrepõe-se sempre à eficácia presuntiva de qualquer registo: é que ela não presume o direito real, antes o atribui, ultrapassando todos os demais títulos aquisitivos, tornando-os, de todo, ineficazes.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório: AA, BB, CC e DD, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, a presente acção ordinária contra EE, FF e mulher, GG, e HH, com vista a obterem o reconhecimento da qualidade de proprietários da fracção “DS”, do prédio constituído em propriedade horizontal, designado por “Edifício Portugal”, na freguesia de Quarteira, Loulé, e bem assim dos móveis que a integram, com a consequente condenação na obrigação de restituição e anulação dos negócios jurídicos constantes do registo, por configurarem vendas de coisa alheia, e, ainda, a anulação dos registos prediais efectuados desde 1983.

Em síntese, invocaram a sua qualidade de herdeiros de II e de JJ, sendo que aquela primeira prometeu comprar a EE a referida fracção, em 3 de Agosto de 1982, tendo, inclusive, pago a totalidade do preço, passando a ocupá-la, desde tal data, como verdadeira dona, tendo, assim, já decorrido o prazo de usucapião.

Sucedeu, porém, que a 1ª R., promitente-vendedora, não tendo cumprido o prometido, acabou por vender a dita fracção aos 2º e 3º RR. que, posteriormente, a venderam ao 4º R..

Este último R. contestou, defendendo, a impropriedade do meio (a acção proposta, segundo ele, era de restituição de posse), razão pela qual, não tendo conhecimento do esbulho, defendeu a sua própria ilegitimidade e, ainda, impugnado parte da factualidade vertida na petição, acabando por pedir a improcedência da acção.

Os 2º e 3º RR. contestaram, de igual modo, a acção, defendendo que não se mostravam preenchidos todos os pressupostos da usucapião, salientando que a posse exercida pelos AA. foi interrompida aquando da venda feita pela R. EE. Mais salientaram que registaram, desde logo, a sua aquisição, pelo que beneficiam da presunção do registo. Impugnaram, outrossim, parte da factualidade alegada pelos AA., terminando, também, por pedir a improcedência da acção.

Por sua vez, a R. EE, apesar de pessoal e regularmente citada, não contestou nem constituiu mandatário judicial.

Os AA. replicaram, a contrariar a defesa excepcional apresentada pelos RR. contestantes.

Após o saneamento e a condensação, o processo seguiu a sua tramitação normal até julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

Irresignados, apelaram os AA. para o Tribunal da Relação de Évora que, revogando o julgado, deu inteira razão aos AA., declarando-os proprietários da fracção reivindicada e condenando os RR. na respectiva restituição, e, por fim, declarando nulos os negócios jurídicos aquisitivos da 1ª R. a favor dos 2º e 3º RR. e destes a favor do 4º R. “por consubstanciarem venda de bens alheios, com o cancelamento dos respectivos registos”.

Foi, então, a vez de os 2º, 3º e 4º RR. mostrarem o seu inconformismo, pedindo revista do acórdão prolatado, tendo, para o efeito, apresentado as respectivas minutas que fecharam com as seguintes conclusões: 1º Dos RR./Recorrentes FF e GG: – O acórdão ora recorrido é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão.

– O acórdão recorrido julgou improcedente, na fundamentação, o recurso acerca da matéria de facto; o pedido de rectificação de erros materiais da sentença de primeira instância e a arguição da nulidade da sentença.

– A decisão é omissa quanto às improcedências vertidas na fundamentação e simplesmente julga procedente a apelação e, por isso, encontra-se ferida de nulidade.

– A fixação das custas deve ser feita em função do decaimento de cada uma das partes, atenta a matéria vertida na fundamentação do acórdão.

– Decorre também que, na decisão quanto às custas, o acórdão de fls. é nulo.

– Devem ser fixadas custas na proporção de % para os AA. apelantes e de % para os RR apelados.

– A decisão quanto ao recurso de direito não colhe.

– Ao considerar que a usucapião do direito de propriedade ultrapassa qualquer tipo de aquisição por terceiro de boa fé, está a violar quer a tutela das legítimas expectativas do terceiro de boa fé e a colocar em causa toda a segurança do negócio jurídico.

– No raciocínio do acórdão, a tutela do terceiro de boa fé e a segurança do negócio jurídico ficam assim suspensas nos primeiros 3 anos de aquisição.

– Caso assim fosse, o registo de qualquer aquisição deveria ficar provisório por dúvidas durante três anos e não passar a definitivo.

– É manifesto que a Lei não quer a indeterminação das aquisições por três anos.

– Aliás, o registo provisório por dúvidas torna-se definitivo ao fim de uns meros seis meses.

– Não procede a tese do acórdão de fls.

– O artigo 291° do Código Civil cede a sua aplicação e eficácia ante a verificação das condicionantes do artigo 17° do Código do Registo Predial.

– A decisão recorrida violou assim o disposto no artigo 668°, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, e 17º, nº 2, do Código do Registo Predial.

  1. Do R./Recorrente HH: – Dos factos que resultaram como provados, na presente acção, II (e os Recorridos por sucessão) na qualidade de promitente-compradora, passou a ocupar a fracção autónoma em causa, por força de um contrato-promessa de compra e venda, em que, adicionalmente, foi convencionado um contrato de traditio.

– O contrato de traditio conferiu a II (e os Recorridos por sucessão) uma posse precária sobre a fracção autónoma, nos termos do disposto no artigo 1263º do Código Civil.

– Ou seja, trata-se de uma posse em nome de outrem, em que o detentor tem o corpus, mas falta-lhe o animus.

– Para que um possuidor precário adquira uma posse com corpus e animus (cfr. artigo 1251º do Código Civil) tem que, nos termos da alínea d) do artigo 1263º do Código Civil, inverter o título da posse.

– Ou seja, o possuidor precário (cfr. artigo 1265º do Código Civil) tem que praticar um acto de oposição directa contra aquele em cujo nome possuía.

– Não foi alegado pelos Recorridos (logo não poderia resultar provado) qualquer facto que consubstanciasse esse acto de oposição directa da promitente- compradora face à promitente-vendedora.

– Os factos que resultaram como provados preenchem os requisitos do corpus, mas são praticados perante terceiros e são actos que qualquer possuidor precário pode realizar, e que, normalmente, são praticados por estes.

– Ao ter sido dado como provado que os Recorridos, em 2003, notificaram a primeira R. para a celebração da escritura pública de aquisição do imóvel (contrato prometido), dissiparam-se quaisquer dúvidas sobre o tipo de posse que os Recorridos consideravam ter.

– Ou seja, com esta notificação, os Recorridos reconhecem que nunca inverteram o título da posse, e que se mantém como possuidores precários.

– Até porque, na tese dos Recorridos, em 2003, já teria decorrido o período de tempo necessário para que adquirissem o direito de propriedade por usucapião, logo, a primeira R. já não era detentora do direito de propriedade, pelo que não tinha legitimidade para celebrar a escritura pública.

– É pacífico, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, que o possuidor precário para adquirir uma posse (com animus e corpus) tem que inverter o título da posse, ou seja, ao possuidor precário estão vedadas as possibilidades de aquisição da posse previstas nas alíneas a) a c) do artigo 1263º do Código Civil.

– Daí que, enquanto se mantiver a posse precária, este só pode adquirir a posse através da inversão do título da posse.

– Exige a lei que aquele que possui em nome de outrem, para que possa possuir em nome próprio tenha que confrontar, directamente, aquele em nome de quem possuía, da alteração da situação, a fim de que este possa reagir a essa alteração da situação jurídica.

– Daí que, nos termos do disposto no artigo 1290º do Código Civil, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.

– É este mesmo preceito legal que esclarece que os detentores ou possuidores precários não podem adquirir, para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse.

– Conforme já explicado, em nenhum momento foi alegado, sequer, qualquer...

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