Acórdão nº 235/10 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução16 de Junho de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 235/10

Processo n.º 986/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

I - Relatório

  1. O Presidente da Relação da Guimarães decidiu, em 15 de Outubro de 2009, indeferir a reclamação apresentada por A. e manteve a rejeição do recurso decidida pela juiz de instrução do Tribunal Judicial de Barcelos, na parte em que indeferiu o pedido formulado no requerimento de abertura de instrução para que lhe fosse concedida a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º e 307.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

    No despacho do Presidente da Relação de Guimarães decidiu-se, essencialmente, que com a revisão do Código de Processo Penal, através da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, em vigor desde 15 de Setembro de 2007, o legislador quis pôr fim à controvérsia acerca da recorribilidade da decisão instrutória, proibindo o seu recurso. Ora, ainda que restrito à parte que rejeita a suspensão provisória do processo, o recurso não seria compatível com a simplificação e celeridade processual que foi pretendida. Por outro lado, dada a insindicabilidade da decisão instrutória, o recorrente achar-se-ia irreversivelmente pronunciado, pelo que a admissão do recurso se traduziria na prática de acto inútil.

    Diz a decisão:

    (…)

    O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos (…), imputando-lhes a prática de crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º, de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, nº 1 alínea a) e de fraude qualificada, p. e p. pelo art. 104º, nºs 1 e 2, todos da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT).

    Os aqui Reclamantes (…) apresentaram requerimento conjunto dirigido à Mma juiz de instrução, onde pedem, para além da abertura da instrução – alegando não ser punível criminalmente a factualidade referente ao 4º trimestre de 2004, por ser inferior a € 15.000,00 a indevida dedução de IVA – também a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto nos arts. 104º do RGIT e 281º, nº 1 do CPP.

    A Mma Juiz de Instrução proferiu decisão instrutória em que pronunciou todos os arguidos «pelos factos e enquadramento jurídico constantes da acusação de fls. 709 a 736», que deu como reproduzida, indeferindo, no mesmo despacho, o pedido formulado pelos Reclamantes no sentido da suspensão provisória do processo, por entender que «as circunstâncias concretas do caso, designadamente a ilicitude elevada, patenteada nos valores titulados pelas facturas e a culpa manifestada nos factos atenta a simulação da conduta, não permitir a cabal satisfação das exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama».

    (…)

    Nos termos do artigo 307º, nº 2 do mesmo Código (que versa sobre a decisão instrutória) é correspondentemente aplicável o disposto no art. 281.º, obtida a concordância do Ministério Público, ou seja, é admissível requerer a suspensão provisória do processo no próprio requerimento de abertura de instrução, doutrina aliás já firmada nos Acórdãos do STJ de 13.02.2008 (processo 07P7561 e do TRP de 18.02.2009 (processo 0847495), em www.dgsi.pt.

    Destes autos e nomeadamente da decisão instrutória, não consta, todavia, que o Ministério Público se tenha pronunciado favoravelmente (ou desfavoravelmente) pela suspensão provisória do processo, sendo pois de presumir, para os efeitos do nº 2 do art. 307º, que não foi obtida a sua concordância.

    (…)

    Na situação em apreço, nem o Ministério Público, nem a Juiz de Instrução, se mostraram favoráveis à suspensão provisória do processo, o que, naturalmente, não cabe aqui sindicar, muito embora não se possa deixar de compreender à luz dos factos constantes do libelo acusatório a que já se fez referência.

    O objecto da presente reclamação é apenas o de saber se cabe recurso, ou não, da decisão instrutória na parte em que recusou a requerida suspensão provisória do processo, uma vez rejeitado o recurso dela interposto, nessa parte, pelos arguidos ora reclamantes.

    Pretendem os arguidos reclamantes que não são incindíveis a decisão instrutória, por um lado, que pronunciou todos os arguidos pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, e a decisão que rejeitou a suspensão provisória do processo, por outro lado, afirmando não poder admitir-se que esta última fosse passível de recurso se proferida no decurso do inquérito e já o não seja em sede de instrução, ou melhor, de despacho de pronúncia.

    Com o Acórdão nº 6/2000, do Plenário das Secções Criminais, de 19.01.2000 (publicado no DR série I-A, nº 56, de 07.03.2000), fixou o Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência (ainda assim não obrigatória, conforme se estabelecia no art. 445.º, nº 3 do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/98, de 25.08) no sentido da recorribilidade do despacho de pronúncia, na parte em que conheça de nulidades, questões prévias ou incidentais, não obstante o legislador ter vincado, já no art. 2º, nº 2, alíneas 1, 2 e 53 da Lei de Autorização Legislativa nº 43/86, de 26.09 (cfr. ademais a pág. 11 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X), a sua intenção de promover a simplificação e celeridade processual, ao optar pela solução da irrecorribilidade do despacho de pronúncia.

    Efectivamente, que sentido faria a recorribilidade do despacho de pronúncia, designadamente na parte em que indefere a arguição de nulidades ou conhece de questões prévias ou incidentais, se essa matéria pode voltar a ser conhecida em sede de audiência de julgamento, de sentença final em 1.ª instância ou até no recurso que desta venha a ser interposto-

    A malha normativa do Código de Processo Penal português (CPP), com todo o seu indispensável, mas excessivamente complexo, conteúdo garantístico, não pode consentir numa solução que dê azo a uma constante e sucessiva reiteração de requerimentos e arguições, que acabam por prejudicar os próprios arguidos no que respeita às exigíveis celeridade, simplicidade, transparência e linearidade do processo penal, a não ser que o fim (inconfessável) em vista, por eles, seja a prescrição do procedimento criminal ou a ultrapassagem dos prazos de prisão preventiva, com os graves custos que tal acarreta para a boa imagem e eficiente funcionamento da Justiça e dos Tribunais.

    Conhecedor da controvérsia jurídica suscitada na sequência do Acórdão 6/2000 do STJ, veio o legislador mais uma vez (...), agora mais claramente e sem margem para tergiversões, aquando da Revisão do CPP pela Lei nº 48/2007, de 29.08, vigente desde 15.09.2007, consagrar a solução de que «a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias e incidentais», determinando a imediata remessa dos autos ao tribunal competente para o julgamento (actual art. 310º, nº 1 do CPP).

    Regressando ao caso concreto que importa decidir, tal como acontece no inquérito, onde o Ministério Público, que é o seu titular, tem o poder vinculado de optar pela dedução da acusação, havendo indícios suficientes da prática do crime, ou pela suspensão provisória do processo, carecendo, neste caso, da concordância do juiz de instrução (art. 281º, nº 1), também em sede de instrução o juiz, ou pronuncia os arguidos ou, verificados os respectivos pressupostos legais e obtida a concordância do Ministério Público, determina a suspensão provisória do processo (art. 307º, nº 2).

    Até pela inserção sistemática dos arts. 281º, 282º e 307º, situados imediatamente antes das normas que regulam a acusação (art. 283º) e o despacho de pronúncia (art. 308º), respectivamente, se pode perceber que o que não faria sentido seria o MP acusar, ou o juiz de instrução pronunciar, e só depois, subsequentemente, ainda que na mesma peça processual, determinar a suspensão provisória do processo, o que de modo algum contende com a possibilidade do arguido ou do assistente requererem essa suspensão, faculdade essa introduzida com a revisão operada pela Lei nº 59/98. Deverão é requerê-lo antes da dedução da acusação, ou então, subsequentemente, antes de ser proferido o despacho de pronúncia. Só por isso se justificará, aliás, o alargamento dessa possibilidade à fase da instrução e, já agora, ao próprio processo sumário (art. 384º).

    Daí que seja espúria a tese, defendida pelos Reclamantes, acerca da cindibilidade do despacho de pronúncia propriamente dito e da decisão que denega a suspensão provisória do processo, integrada materialmente naquele despacho.

    Decidindo-se o juiz de instrução pela pronúncia do arguido, nos precisos termos da acusação formulada pelo Ministério Público, como é aqui o caso, como compatibilizar essa realidade com a suspensão provisória do processo requerida pelos arguidos-

    Pronunciados os arguidos nesses termos e sendo essa decisão irrecorrível, mesmo na parte em que aprecia nulidades e outras prévias ou incidentais (art. 310.º, nº 1), como podem aqueles esbracejar ainda com o direito ao recurso na parte em que lhes é negada a suspensão provisória do processo... Será compatível com a estrutura e actual sistemática do processo penal português o recurso da decisão instrutória restrito à parte que rejeita aquela suspensão- E o que aconteceria então ao despacho de pronúncia propriamente dito que, não sendo passível de recurso, poderia ver-se contrariado por decisão posterior, eventualmente da Relação, que deferisse a suspensão do processo- Já basta o que basta. A resposta àquelas duas perguntas só pode ser indubitavelmente negativa.

    A resposta positiva levar-nos-ia necessariamente à estranha situação jurisprudencialmente criada, anterior à vigência da Lei nº 48/2007, traindo as amplamente sublinhadas (e reiteradas) intenções do legislador (vide Exposição de Motivos da proposta de Lei nº 109/X e art. 2º, nº 2, ais. 1, 2 e 53 da Lei de Autorização Legislativa nº 43/86, de 26.09) no sentido da promoção da simplificação e celeridade processuais (…).

    Não se...

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