Acórdão nº 493/09 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Jo
Data da Resolução29 de Setembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 493/2009

Processo n.º 783/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

(Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

  1. e outros intentaram, contra o Estado Português, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo, cada um deles, a condenação daquele no pagamento de quantias resultantes da diferença entre o valor atribuído pelo Governo às participações sociais dos Autores nas empresas nacionalizadas, pertencentes ao então denominado “Grupo Claras”, e o valor atribuído às mesmas participações pelas comissões arbitrais, bem como a sua condenação no pagamento do “saldo” entre os valores indicados no “quadro 5”, referenciado nos autos, actualizado à data do efectivo pagamento, a cada Autor, à taxa de juro implícita no coeficiente de correcção monetária estabelecido em portaria pelo Governo e os valores que, efectivamente, cada Autor tiver recebido e venha a receber do Estado, actualizados financeiramente à mesma taxa e com referência à mesma data, saldo ao qual se deduzirá ainda o valor resultante do primeiro pedido.

Por sentença da 2ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a acção foi julgada parcialmente procedente, decidindo-se absolver o Estado do primeiro pedido, e, julgando-se materialmente inconstitucionais os artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, condená-lo no pagamento, a cada um dos Autores, de quantias correspondentes à actualização do valor indemnizatório fixado, mediante a diferença entre os juros capitalizados e pagos e o que resulta da aplicação dos coeficientes de correcção monetária previstos no Portaria n.º 362/2008 (ou a que estiver em vigor à data do pagamento), desde a data da nacionalização até integral pagamento.

Desta sentença, os Autores recorreram directamente para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, recurso esse que foi objecto da decisão sumária de não conhecimento.

Da mesma sentença o Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro.

O recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:

Conforme entendimento jurisprudencial reiterado, não são inconstitucionais as normas constantes dos artigos 18.° e 19.° da Lei n.° 80/77, de 26 de Outubro, enquanto nelas se prevê — em concretização do artigo 83° da Constituição da República Portuguesa — que o direito à indemnização ao titular de bens produtivos nacionalizados se efectiva mediante entrega de títulos de dívida pública, de valor igual ao fixado, desdobrando-se em várias classes, em função do montante global, às quais correspondem — nos termos do quadro anexo — prazos de amortização e de diferimento diferenciados e taxas de juro decrescentes.

Na verdade, não pode extrair-se daquele preceito constitucional que a indemnização a arbitrar, como decorrência do acto político de nacionalização, tenha de ser fixado em montante pecuniário, correspondente ao valor efectivo dos bens, imediatamente disponível pelo respectivo titular — podendo a lei, de modo constitucionalmente legítimo, estabelecer critérios concretos de ressarcimento, referentes não apenas ao valor patrimonial, como também à forma e ao tempo do pagamento, justificados por relevantes ponderações de necessidade política, económica e social.

Não conduz a uma indemnização “irrisória” o critério normativo que não prevê nem institui a correcção monetária do valor dos títulos da dívida pública originariamente arbitrados ao titular dos bens nacionalizados, já que o risco de depreciação monetária, por ele suportado, é equivalente ao sofrido pelos titulares de outros títulos de dívida pública, de juro fixo, não se estando, no caso, no âmbito da atribuição de uma indemnização em dinheiro, enquadrável no regime civilístico do artigo 566.°, n.° 2, do Código Civil.

Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.»

Os recorridos contra-alegaram, concluindo o seguinte:

1. A Constituição garante, como um dos direitos fundamentais, o direito à propriedade privada (art.° 62.° da Constituição).

2. Trata-se indiscutivelmente, de um DIREITO FUNDAMENTAL, como resulta, desde logo, da inserção do art.° 62.° na parte I da CRP, sob o título “Direitos e Deveres Fundamentais”.

3. A distinção doutrinária entre os conceitos de “nacionalização” e “expropriação” não permite, sem mais, concluir por uma diferença de tratamento nos respectivos regimes de indemnização.

4. Em qualquer caso, na perspectiva do direito de propriedade, enquanto direito fundamental, por que motivo racional, compreensível, haveria que indemnizar-se diferentemente, consoante aquele direito fosse atingido por um acto de nacionalização ou de expropriação-

5. Uma tal distinção, além de incompreensível, traduzir-se-ia em discriminação intolerável dos cidadãos: perante actos de ofensa ao direito de propriedade, por transferência de bens para a titularidade do Estado, a indemnização correspondente resultaria da motivação que o Estado invocasse para os actos de transferência; se invocar motivos ideológico-políticos, a indemnização compensatória não terá sequer que ser aproximada ao valor dos bens, se invocar outros motivos de interesse público, já a indemnização terá de corresponder à reintegração plena do património do visado.

6. Por isso, salvo o devido respeito, a tese do R. acerca da distinção entre as indemnizações por expropriações e as indemnizações por nacionalizações, está irremediavelmente datada de uma época histórica ultrapassada e corresponde a uma visão constitucional repudiada pela simples ideia do Estado de Direito.

7. Assim, teremos de concluir que o princípio da justa indemnização consagrado no N.° 2 do art.° 62.° da CRP, como corolário da protecção do direito de propriedade garantido pelo N.° 1, se aplica à expropriação em sentido amplo, abrangendo tanto a expropriação stricto sensu, para utilizar a terminologia de Fausto de Quadros, como a nacionalização.

8. Esse reconhecimento foi feito pelo próprio Estado, logo em 1977, na Lei 80/77, em cujo art.° 1.° se dispôs que “do direito à propriedade privada, reconhecido pela Constituição, decorre que toda a nacionalização ... apenas poderá ser efectuada mediante justa indemnização”.

9. Mas mesmo que se admita que a indemnização por nacionalização pode ser distinta da devida por expropriação, em qualquer caso ela está subordinada a um imperativo de justiça decorrente de um conjunto de exigências constitucionais e do Estado-de-Direito, (art.° 2.° da C.R.P.) relativas à boa-fé, à protecção da confiança e da segurança, à proporcionalidade, ao princípio da igualdade e à garantia constitucional genérica dos direitos fundamentais (art.°s 17.° e 18.° da Constituição).

10. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros princípios do Direito Internacional acolhidos na nossa Constituição (art.°s 8.° N.° 1 e 16.° N.°s 1 e 2), conferem aos cidadãos dos Estados aderentes um autêntico direito à propriedade privada.

11. Também em Portugal, a doutrina é quase unânime no sentido de que a indemnização tem de ser justa, o que quer dizer proporcional ao valor dos bens nacionalizados; “ela tem de compensar o valor substancial que foi subtraído ao particular”

12. Embora o Tribunal Constitucional não tenha assumido integralmente a posição que aqui sustentamos, a verdade é que da sua jurisprudência resulta a inconstitucionalidade das normas em causa, face à matéria de facto apurada.

13. Segundo essa jurisprudência, a indemnização pode não ser plena, mas tem de ser razoável e não manifestamente desproporcionada.

14. Como resulta da matéria de facto apurada nos autos, o diferimento no tempo do pagamento da indemnização, os juros compensatórios fixados por esse diferimento, decorrentes da aplicação dos preceitos legais arguidos de inconstitucionalidade, conduziram a que as indemnizações efectivamente pagas sejam “manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados” (expressão do Tribunal Constitucional).

15. Na verdade, para que a indemnização não seja irrisória ou manifestamente desproporcionada, é indispensável que a sua forma de pagamento, quando temporalmente protelada (como foi o caso), beneficie de correcção monetária que assegure um mínimo de equivalência com o valor dos bens à data da nacionalização (vide Profs. Doutor Gomes Canotilho e outros, em trabalho de investigação por equipe de docentes da Fac. de Direito de Coimbra, de que está junta fotocópia ao processo).

16. A indemnização resultante dos diplomas legais que regularam o respectivo cálculo e forma de pagamento, “transmutou-se em indemnização irrisória.., em virtude da dilação temporal manifestamente excessiva com que foi paga” (Gomes Canotilho, no Estudo cit.).

17. Acresce que, tratando-se de dívidas do Estado, é o próprio devedor, através do Governo, a influenciar decisivamente a desvalorização da moeda, através da política monetária, política que, durante todo o período em que foram amortizados os títulos do Tesouro com que o Estado pagou as indemnizações que ele próprio fixou unilateralmente, foi conduzida pelo Governo.

18. Ou seja, em termos simples, foi a seguinte a actuação do Estado através do Governo:

1º atribuiu unilateralmente e arbitrariamente o valor dos bens nacionalizados para efeitos da ‘indemnização” a pagar aos expropriados;

2° decidiu pagar a “indemnização” através da entrega de Títulos do Tesouro amortizáveis a longo prazo;

3° fixou unilateralmente as taxas de juro da dívida titulada nas Obrigações do Tesouro, fazendo-o com taxas fixas extremamente baixas;

4° contribuiu decisivamente, através da política monetária, para uma inflação que ultrapassou em larga escala as taxas de juro das Obrigações, fazendo com que o valor a...

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