Acórdão nº 3572/01.9TBGMR-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA
Data da Resolução05 de Julho de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 2ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães * I – relatório 1. Foi o arguido João M.

condenado, por sentença de 17 de Julho de 2001 (já transitada em julgado), pelo cometimento de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos arts 107 nº1 e 105 nº1, ambos do Dec. Lei nº 15/01, de 5.06, com referência ao artº 30 nº2 e artº 79, ambos do C.Penal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por 3 anos, sob condição de, no prazo de 5 anos, efectuar o pagamento da quantia de 40.204.455$00.

  1. Em 27 de Março de 2009, o arguido veio apresentar um requerimento, em que suscita uma questão prévia, entendendo que, por ter sido condenado no proc. nº 369/03.5, em data posterior à dos presentes autos, pena essa que cumpriu, cumpre julgar os factos de ambos os processos como uma só conduta, em continuação criminosa e, consequentemente, julgar extinta a pena aplicada nestes autos.

  2. Por decisão proferida em 7 de Janeiro de 2010, veio tal pretensão a ser-lhe indeferida.

  3. Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso invocando, em síntese, que a decisão proferida era violadora do princípio ne bis in idem e pedindo, a final, que se determine o arquivamento dos presentes autos, por se entender que o arguido já cumpriu pena à ordem do supra citado processo nº 369/03.5.

  4. O MºPº pronunciou-se nos seguintes termos: “Os crimes pelos quais o arguido foi condenado nos presentes autos e no processo n° 369/03.5IDBRG, deste Juízo, são de diversa natureza.

    Contudo, foram cometidos no mesmo período histórico (1 1.1 1.99 e 11.5.2000) sem que no momento da respectiva prática tivesse havido condenação por qualquer deles. Ou seja, estão reunidos os pressupostos para a realização do cúmulo jurídico de penas, o qual deve ser realizado, desta forma se solucionando a questão suscitada pela defesa.” 6. O recurso foi admitido.

  5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

  6. Foi cumprido o disposto no artº 417 nº2 do C.P.Penal.

    -- \ -- II - fundamentação.

  7. O despacho ora alvo de recurso tem o seguinte teor: Proferida que foi a sentença destes autos no ido 17.07.2001 (cfr. fls. 565 e segs), confirmada pelo Tribunal da Relação (cfr. fls. 659) a que se seguiu a decisão do Tribunal Constitucional de não tomar conhecimento do objecto do recurso entretanto interposto (cfr. fls. 703), vem agora (rectius, em 26.03.2009 – cfr. fls. 1017 e segs) o arguido João M. suscitar "questão prévia" porquanto, entende, a pena em que foi aqui condenado "já foi cumprida à ordem do Proc. N° 369/03.5IDBRG sob pena de violação do princípio non bis in idem". Em conformidade, pugna pelo arquivamento dos autos.

    O Ministério Público e o assistente, ISS, pronunciaram-se a fls. 1180 e segs., no sentido da improcedência do pretendido.

    A fls. 1128 e segs. mostra-se junta certidão da sentença, transitada em 23.04.2007, no aludido processo n.° 369/03.5IDBRG.

    Apreciando.

    Recorde-se, então, que o ora requerente foi condenado nestes autos na pena de 18 meses de prisão, suspensa por 3 anos, sob a condição de, no prazo de 5 anos, o arguido demonstrar nos autos estar efectuado o pagamento da quantia de 40.204.455$00, acrescida de juros, à taxa legal, a contar, relativamente a cada uma das quantias supra descriminadas, do termo do respectivo prazo de pagamento voluntário, nos termos legais, até efectivo e integral pagamento." Tal condenação sancionou a prática "de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelos artigos 107°, n.° 1, e 105°, n.° 1, do DL n.° 15/2001, de 05.06, com referência ao artigo 30°, n.° 2, e 79° do Cód. Penal, por referência a factos ocorridos entre Junho de 1995 e Dezembro de 1998, conforme se alcança da sentença de fls. 567 e segs.

    Por sua vez, no âmbito do aludido processo n.° 369/03.5IDBRG, o aqui arguido foi condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 3,50, no total de €1050,00, (já extinta pelo cumprimento) "pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, p. e p. pelo artigo 105°, n.° 1, do RGIT, com referência ao artigo 30° e ao artigo 79°, ambos do Cód. Penal", por factos ocorridos entre Março de 2000 e Outubro de 2002, conforme tudo flui do teor da sentença certificada a fls. 1128 e segs.

    Da análise conjugada destas condenações, entende o arguido que "os factos julgados nos presentes autos e aqueles que foram julgados no âmbito do Proc. N° 369/03.5IDBRG constituem um só crime continuado", que têm na base da sua tipificação criminal a protecção do mesmo bem jurídico, que é a propriedade, tornando-se irrelevante, para efeitos de caso julgado, o facto de se tratarem de tributos distintos.

    Vejamos.

    De acordo com o disposto no art.° 30°, n.° 2 do C.P., "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.".

    Em causa, nos presentes autos, está a prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, ao passo que naqueloutro foi o arguido julgado e condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por referência a diferentes períodos temporais.

    Da circunstância de, num e noutro caso, estarmos perante crimes que a lei define como sendo de abuso de confiança, poderá dizer-se que protegem o mesmo bem jurídico? Antecipando razões, estamos em crer que não.

    A expressão "abuso de confiança" tem por referência a conduta: a retenção de coisas ou valores entregues por título não translativo da propriedade Se assim não fosse, teria o legislador sentido necessidade de, no mesmo diploma, em capítulos diferentes, separar os tipos de crime que têm na sua génese, condutas idênticas? Julgamos que não. Se o fez, separando, na parte III do RGIT ("Das infracções tributárias em especial), os crime fiscais e os crimes contra a segurança social, deu um sinal de que o bem jurídico protegido não é o mesmo. E o mesmo sucedia no RJIFNA.

    Nos crimes contra a segurança social, e em especial nos crimes de abuso de confiança em relação à segurança social, o bem jurídico protegido é de interesse e ordem pública, já que a incumbência atribuída ao Estado, pelo artigo 63°, n° 2, da CRP, é de...

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