Acórdão nº 337/07.8TBFUC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução07 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADO PROVIMENTO Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 2190º , 2194º, 2199º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 264º, 272º, 273º, 489º, 498º , 508º , 671º Jurisprudência Nacional: – ACÓRDÃO DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE 22 DE MAIO DE 2003 (PROC. Nº 03B1300).

Sumário : 1. A causa de pedir é um dos elementos essenciais da acção, relevando para a sua identificação e para a extensão do caso julgado; cabe ao autor o ónus de a alegar, só pode ser alterada na réplica, se o processo a admitir e salvo acordo das partes, e não pode ser modificada por via do convite ao aperfeiçoamento da alegação.

  1. Em recurso, não podem ser apreciadas causas de pedir não oportunamente alegadas em primeira instância.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 18 de Maio de 2007, AA propôs contra BB uma acção na qual pediu que fosse declarado nulo o testamento feito por seu tio CC, em 26 de Setembro de 2002.

    Como fundamento, alegou que CC “estava incapacitado de entender o sentido” das suas declarações quando fez o testamento, devido à anomalia psíquica de que sofria, vindo aliás a ser declarado interdito com esse fundamento; e que é nulo o testamento feito por incapaz (artigo 2190º do Código Civil). Disse ainda que o réu bem conhecia a situação de incapacidade e que praticou diversos actos tendentes a apoderar-se dos bens do falecido, em particular para o levar a instituí-lo seu herdeiro universal, em testamento.

    O réu contestou; e houve réplica, admitida apenas enquanto resposta aos documentos juntos com a contestação (despacho saneador, a fls. 75).

    Por sentença de fls. 272, a acção foi julgada improcedente, “por não ter ficado provado qualquer facto que indiciasse qualquer incapacidade de CC quando fez o testamento a favor do Réu”.

    E esclareceu-se que “os factos 2º a 10º da base instrutória eram fundamentais para a prova da incapacidade de CC, porém, todos eles obtiveram resposta negativa”.

    A sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 404, proferido em recurso interposto pelo autor, que impugnou a decisão sobre a matéria de facto e veio invocar, além da incapacidade acidental, erro e coação moral (artigo 2201º) e indisponibilidade relativa (por aplicação do disposto no artigo 2194º do Código Civil).

    Começando por esclarecer que “o fundamento da acção é a incapacidade acidental de que padeceria o testador CC na ocasião em que o testamento foi exarado” e que da sentença de interdição “não se extraem efeitos directos e imediatos em relação a factos anteriores à propositura da acção ou à sua publicitação”, a Relação observou que, tratando-se de um testamento público, de cujo texto “não transparece qualquer circunstância susceptível de interferir na liberdade de determinação do testador”, há que considerar “com especial atenção” as provas e os argumentos que o autor indica “no sentido de se reconhecer a incapacidade de determinação e de percepção da realidade”.

    E, apreciando a impugnação da matéria de facto, introduziu algumas alterações no respectivo julgamento em 1ª instância.

    No entanto, concluiu igualmente que “no caso concreto, a matéria de facto apurada não permite confirmar uma tal situação de incapacidade na ocasião em que o testamento foi outorgado”, sendo certo que o ónus da prova “dos factos susceptíveis de sustentar uma situação de incapacidade acidental relevantes para efeitos de anulabilidade” cabia ao autor.

    Referindo ainda a “anulabilidade por erro ou coacção moral” invocados no recurso, a Relação observou que “tal fundamento não encontra na matéria de facto provada qualquer sustentação”; e, no que toca à “nulidade do testamento em face do art. 2194º do CC", considerou que não procedia, desde logo por se tratar de norma de “natureza excepcional, não admitindo aplicação analógica. Contendo uma enunciação taxativa, não consente a extensão genérica a toda e qualquer pessoa que auxilie o testador.” 2. Inconformado, o autor recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: «A. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre a questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto contida no ponto 9° da Base Instrutória: o falecido, CC, «(...), não tinha a noção do valor do dinheiro, sendo visível o seu alheamento do mundo que o rodeava».

    1. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa enferma, por isso, de nulidade por omissão de pronúncia, prevista na primeira parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 716.° do mesmo diploma, devendo ser, em consequência, anulado e ordenada a baixa do processo àquele Tribunal, nos termos do n.° 2 do artigo 731.° do C.P.C, para que este aprecie e decida sobre a supra referida questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto contida no ponto 9º da Base Instrutória, constante das alegações e das conclusões apresentadas pelo Recorrente no seu recurso de apelação.

    2. Por outro lado, do ponto 3.° dos factos dados como provados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, consta que o falecido, CC, apresentava sinais de debilidade física e psíquica, que o levavam a esquecer-se de coisas, pessoas ou lugares, necessitando da ajuda de terceiros para gerir a sua pessoa e bens.

    3. O Recorrido foi, por isso, contratado para ajudar e cuidar de CC, sendo do seu conhecimento as debilidades físicas e psíquicas que o afectavam (cf. pontos 4. a 6. dos factos provados).

    4. Ficou, igualmente, provado que o falecido e o Recorrido se conheceram mutuamente no ano de 2002, ou seja logo antes da data em que o falecido, por testamento, revogou o testamento anteriormente feito e instituiu aquele como seu herdeiro universal, (cf. pontos 7. e 8. dos factos provados).

    5. Resulta, assim, da factualidade supra descrita que o Recorrido foi contratado para prestar cuidados ao falecido, CC, uma vez que este se encontrava física e psiquicamente debilitado, necessitando da ajuda de terceiros para gerir a sua pessoa e bens.

    6. O Recorrido era, por isso, mais do que um enfermeiro, prestando todo o tipo de cuidados ao testador e estando presente 24 horas ao dia.

    7. Por outro lado, o falecido instituiu o Recorrido como herdeiro universal logo após se terem conhecido e deste ter sido contratado para tratar e cuidar daquele.

    I. A este propósito reconheceu o acórdão sob recurso: 1. "O testamento data de Setembro de 2002, logo depois do início da ligação profissional estabelecida com o R.

  2. Isoladamente considerada, uma tal atitude dificilmente se ajusta a padrões de normalidade, tanto mais que implicou a revogação do anterior testamento que beneficiava o A. e um outro interessado, sem que se conheçam razões objectivas para uma tão drástica mudança de opinião do testador.

  3. Na mesma linha se inscreve o facto de o testador, em 24-10-02, ter constituído o R. seu procurador. Estranheza que mais se adensa quando se verifica que, em 7-1-03, outorgou uma escritura de doação de um imóvel a favor do R., depois de ter sido publicitada a instauração da acção para declaração de interdição em 16-11-02, nos termos do art. 945º do CPC, malgrado a anulabilidade especificamente cominada pelo art. 149º do CC.

  4. Enfim, não se encontra explicação segura para o facto de CC, de modo tão repentino, ter alterado o destino dos seus bens, em benefício de uma pessoa que não fazia parte do seu círculo familiar ou de amizade e que simplesmente acabara de ser contratado para o auxiliar normas tarefas domésticas e nos actos da sua vida corrente” (…).

    1. No estado de vulnerabilidade e de dependência em que o falecido se encontrava, tornou-se fácil para o Recorrido conseguir que aquele o instituísse herdeiro universal de todo o seu património! K. A ratio legis do art. 2194º do Código Civil é a de evitar que a pessoa que trata do testador na sua doença, actuando como enfermeiro, se sirva do ascendente natural que ganha sobre o testador e o leve a testar a seu favor; para tal, basta a verificação objectiva da feitura do testamento durante a doença do testador a favor da pessoa que o trata como enfermeiro e aquele venha a falecer da doença.

      L. Na verdade, o que realmente releva para efeitos de aplicação da norma constante do art. 2194º do Código Civil é a especificidade da actuação do beneficiário em relação ao testador.

    2. A razão determinante da norma em causa é a protecção do testador nos casos em que possa vir a ser induzido à deixa de bens, quando dependa de...

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