Acórdão nº 0755/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução22 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: EP – Estradas de Portugal, SA, interpôs o presente recurso da sentença do TAF de Lisboa que, julgando totalmente procedente a acção que lhe fora movida por C… e os seus pais, A… e B…, todos identificados nos autos, condenou a ré a pagar à primeira autora a quantia de 1.200.00,00 euros e aos outros autores a quantia de 252.521,00 euros, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo cumprimento.

O recorrente terminou a sua alegação enunciando as conclusões seguintes: A. A sentença do Tribunal a quo condenou a Ré, ora recorrente, na totalidade do pedido de indemnização formulado pelos autores, montante que ascende a E. 1.452.521,00, acrescendo, ainda, juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

  1. Sem prejuízo de toda a demais fundamentação do presente recurso, este número impressiona pela sua dimensão; resultando intuitivamente a convicção de excesso e desrazoabilidade, donde resulta, também, dúvida legítima sobre a justeza da sua aplicação, até porque o pedido da A. foi concedido na íntegra.

  2. O presente recurso tem por objecto duas questões fundamentais: a primeira consiste em determinar se há responsabilidade da Ré (ora recorrente); e a segunda (prejudicada se for negativa a resposta à primeira) consiste em determinar o montante da indemnização.

  3. Na verdade, são estes os dois pontos que delimitam o âmbito do presente recurso, decididos pelo Tribunal a quo, e com os quais se não conforma a recorrente, imputando à sentença os vícios de falta de fundamentação; incorrecta aplicação do Direito e demais fundamentos que se expõem de seguida.

  4. Fazendo-se Justiça, será a ré/recorrente totalmente absolvida do pedido, como aliás sustentou o Ministério Público em Douto Parecer. Ora, não é de menor importância que o Ministério Público pugne pela total improcedência da acção, pois que efectivamente são muitas, e fortes, as razões que se avolumam para absolver a ré. Ou, quando assim se não entenda — o que a recorrente não concede, mas apenas admite em argumentação subsidiária — que seja reduzido significativamente o montante indemnizatório, para um valor equitativo e razoável, não excessivo nem desconcertante com a linha orientadora jurisprudencial nesta matéria.

  5. Os AA./recorridos demandaram a ré/recorrente, com fundamento em responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito.

  6. A autora C… circulava num veículo automóvel, conduzido por outra pessoa, sofrendo um acidente de viação em resultado da queda de uma árvore.

  7. Da matéria provada, resulta que a árvore estava implantada a 3 metros do limite da faixa de rodagem, dentro de um terreno vedado, pertencente a um particular (D…).

    L. Recorde-se, ainda, da matéria provada, que a chuva e o vento provocaram a erosão do terreno onde a árvore se implantava, e que na noite em que ocorreu o sinistro o tempo apresentou-se chuvoso e com muito vento.

  8. Nos termos do nº 1 do artº 493.° do Código Civil, é o proprietário da árvore — que, no caso, é também o proprietário do terreno onde a árvore estava implantada —, quem tinha o dever de a vigiar.

  9. Assim tem entendido a Jurisprudência; veja-se, por todos, o Acórdão da Relação do Porto: “Aos danos causados pela queda de árvores é aplicável o art. 493, nº. 1, do Cód. Civil, o qual estabelece a presunção de culpa do proprietário que a pode afastar provando que exerceu a necessária vigilância ou tomou as precauções indispensáveis.” (Ac. RP, 14-7-1992).

    L. Vicia, pois, a sentença do Tribunal a quo uma incorrecta aplicação do Direito, por preterição do preceito legal constante do nº 1 do artº 493.° do Cód. Civil — aliás, em divergência com a citada jurisprudência dos Tribunais superiores —, que imputa a responsabilidade civil ao proprietário da árvore, e não à recorrente! M. Note-se que a sentença recorrida, na análise do Direito aplicável chega mesmo a considerar a aplicação do artº 493.° do Cód. Civil.

  10. Mas, depois de ter concluído, e bem, pela aplicação do artº 493.° do Cód. Civil, chega a sentença recorrida a conclusão contrária de tal modo que, a final, da absolvição passa para a condenação da ré/recorrente na totalidade do pedido.

  11. Acresce, na ponderação desses resultados, que a não condenação da ré/recorrente não quer dizer que ninguém seja responsabilizado pelo sinistro. Desde logo, a proprietária da árvore e do terreno - aliás, em acção declarativa de condenação que foi intentada pelos mesmos AA. contra a proprietária, e cuja sentença condena esta.

  12. Nestes termos, estando em causa a responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito — que constitui a fundamentação dos AA./recorridos e conformam a causa de pedir — era essa, e só essa, a questão que cumpria analisar, parecendo haver excesso de pronúncia em procurar outros fundamentos de responsabilidade, designadamente, em sede de responsabilidade objectiva.

  13. Quanto à responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, é pacifico que há determinados pressupostos - extraídos do artº 483.° do Código Civil - que importa conhecer, e só quando se verificam todos os pressupostos se gera a obrigação de indemnizar. Tais pressupostos são, para a generalidade da doutrina e da jurisprudência: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade.

  14. Pretende a sentença recorrida que o facto ilícito se consubstancia no não exercício pela ré/recorrente de “poderes de intervenção em relação a terceiros” que a lei lhe faculta, mas depois concluindo “rematando neste ponto pode afirmar-se, com a necessária segurança, que a queda da árvore que atingiu o veículo onde seguia a A. C… se traduz na comissão de um facto subjectivamente ilícito e culposo” (sic).

  15. Ora, com o devido respeito, peca por obscuridade (e consequente vício de falta de fundamentação) a teoria pela qual a queda duma árvore “se traduz na comissão de um facto suhjectivamente ilícito”.

  16. Não resulta, pois, demonstrado, na sentença recorrida, que facto concreto se considera praticado ou omitido, para efeitos de responsabilidade civil.

  17. Começa a sentença por uma referência genérica a “regras de trânsito e normas de segurança que visam a protecção do colectivo”, mas sem identificar nenhuma norma concreta, do Código da Estrada, ou outra, cuja violação impute à ré/recorrente.

    V. Depois, prossegue a sentença fazendo referência ao diploma legal que definia — à data dos factos — as atribuições do ICERR, e listando os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis, que os vários institutos (IEP, ICOR, ICERR) possuíam, verifica-se a completa falta de especificação no diploma legal de qualquer prerrogativa na qual se enquadre um suposto dever de arrancar a árvore, que depois aparece como um dado assente no raciocínio do Tribunal a quo, para se dizer não ter sido observado, constituindo, assim, facto ilícito.

  18. E continua a referência, agora, em particular, relativamente ao pessoal do ICERR (nº 4 do mesmo artigo), verificando-se, também, aqui, não se enquadrar na correcta interpretação da norma, qualquer disposição legal que especifique poderes especiais que a ré pudesse e devesse ter usado para entrar, pela via da força, por um terreno alheio, e abater uma árvore que não lhe pertence, especialmente quando não se provou nenhum facto que pudesse sequer fazer prever que a referida árvore constituísse um perigo para a circulação (não se provou sofrer a árvore de doença ou problema fitossanitário, e não se provou que a árvore estivesse muito inclinada sobre a estrada, ficando por conhecer aspecto essencial que era saber quanto inclinada estaria).

    X. Para tanto, refira-se que resulta da matéria provada que a árvore tinha 18 metros de altura, que se encontrava implantada num terreno particular, a 3 metros do limite da faixa de rodagem, e que se encontrava inclinada sobre a faixa de rodagem. Não cuidou o Tribunal a quo de apurar - facto de suma importância - qual o grau de inclinação da árvore sobre a via, nem a que altura estavam aqueles ramos que se debruçavam sobre a estrada. Pois que uma árvore com 18 metros de altura, implantada a 3 metros do limite da estrada, precisaria de uma verticalidade limpar, para que o seu topo não se desviasse da base do tronco. Porque se não determinou (e provou) na matéria de facto qual o grau se inclinação da árvore, não se sabe se era muito ou pouca tal inclinação, nem se tal inclinação, de per si, representava algum perigo para a circulação rodoviária. E seria indispensável, numa acção de responsabilidade civil, alegar e provar factos que permitissem concluir por essa perigosidade. Ora nada disso se provou.

  19. Visto isto, sempre caberia à sentença recorrida identificar a alínea ou alíneas exactas que considera fundamento, não se furtando a essa apreciação na conclusão geral a que chega. Apesar de reconhecer que “É claro que embora a lei não o refira expressamente, em tais poderes compreende-se o de ordenar o derrube de árvores que, pela sua dimensão, localização e estado de conservação, colocassem em risco essa mesma circulação em caso de queda sobre a via.”.

  20. Ora, o problema é que, da matéria provada nos autos, não resultam factos que demonstrem uma situação de perigosidade, que legitimasse a intervenção da ré/recorrente num terreno particular. Provou-se que a árvore se encontrava inclinada mas não quanto; também não se provou qualquer doença da árvore.

    AA. Provou-se que o terreno particular onde a árvore estava implantada era arenoso, mas também se provou que a acácia-mimosa “é uma árvore que se adapta a meios pouco exigentes e que tolera a secura, sendo, por isso, uma espécie introduzida com o objectivo de consolidar e estabilizar terrenos arenosos e dunas”.

    BB. Provou-se, também, que no dia do acidente “o tempo apresentou-se chuvoso e com muito vento” (facto provado nº 13), sendo essa uma das “causas da queda da árvore” (facto provado nº 17).

    CC. Ademais, no caso dos autos não se trata de uma árvore de “ninguém”...

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