Acórdão nº 77/07.8TAPTB.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA
Data da Resolução10 de Maio de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 2ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães * I – relatório 1. Por acórdão de 14 de Janeiro de 2010, foi o arguido JOSÉ L...

condenado como autor material de um crime de violação agravada, previsto e punível pelos artigos 164°, n° 1 e 177.° n° 4, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, 2. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, apresentando, em súmula, as seguintes razões de discórdia: a) Entende que toda a matéria de facto dada como assente deve ser dada como não provada, por ter ocorrido erro de julgamento; b) Considera ainda violado o princípio “in dubio pro reo”, c) Subsidiariamente, defende que a sua actuação apenas poderia configurar a prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 172° n° 2 do C. Penal na redacção à data da prática dos factos.

Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada e o arguido absolvido ou, subsidiariamente, que seja condenado por crime de abuso sexual de criança, em pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

  1. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.

  2. O recurso foi admitido.

  3. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

  4. Foi cumprido o disposto no artº 417 nº2 do C.P.Penal.

    -- \ -- II – questões a decidir.

    1. A matéria de facto constante na decisão proferida pelo tribunal “a quo” deve ser alterada, por ter ocorrido erro de julgamento? B. O arguido deve ser absolvido ou alterada a qualificação jurídica do ilícito pelo qual foi condenado? -- \ -- III – fundamentação.

    pontos prévios.

  5. No seu recurso, para além das duas grandes questões acima enunciadas, o recorrente refere ainda outros dois pontos, a saber: a) Insurge-se quanto à forma como decorreu o interrogatório da vítima, por a actuação do tribunal "a quo" durante a audiência de julgamento e, salvo o devido respeito, ter demonstrado alguma arbitrariedade, b) Considera que o tribunal “a quo” não cumpriu o anteriormente determinado pelo T. R. Guimarães pois, apesar dessa Douta Sentença ter sido alterada continua sem indicar qual o raciocínio seguido para concluir, sem qualquer dúvida razoável, que existiu penetração e desfloramento. O Tribunal "a quo" não esclareceu qual o raciocínio por ele seguido para concluir como concluiu permitindo ao Recorrente e ao Tribunal saber se esse raciocínio é ou não lógico e de acordo com as regras da experiência comum. Pelo que apesar de se levar em devida nota o reparo efectuado no Douto Acórdão dessa Relação impõem-se as mesmas conclusões.

    * 2. Convirá começar por esclarecer que foi inicialmente proferido acórdão pelo tribunal “a quo”, em 5 de Fevereiro de 2009, do qual foi interposto recurso.

    Por acórdão proferido por este T. R. Guimarães foi determinada a anulação de tal acórdão, “para que o tribunal reformule a decisão da matéria de facto, completando-a com a indicação clara da prova que lhe permitiu dar como provados os factos apontados e fazendo um completo e explícito exame crítico das provas ou, caso entenda necessário, a realização de novo julgamento”.

    É dentro deste enquadramento que é proferido o acórdão ora alvo de recurso, tendo o tribunal “a quo” entendido ser desnecessária a realização de novo julgamento e procedendo à reformulação do exame crítico das provas.

    * 3. Apreciemos então os dois pontos prévios acima enunciados.

    1. No que se reporta ao primeiro, cumprirá esclarecer que a questão que o recorrente agora suscita se mostra decidida pelo anterior acórdão do T.R.Guimarães, pois já então havia sido arguida a ocorrência da eventual violação do preceituado no artº 138 nº2 do C.Penal.

      Aí se diz (no acórdão do TRG), após audição do depoimento da menor, que se não mostra ocorrer violação de tal princípio, pois que o interrogatório realizado não distorceu a memória e a percepção dos factos.

      Ora, uma vez que não houve lugar a qualquer nova produção de prova – designadamente, a nova audição da mencionada testemunha – há que concluir que esta questão se mostra definitivamente decidida por tal aresto, face à força do caso julgado formal, razão pela qual não poderia ter sido de novo suscitada, no presente recurso e, consequentemente, sobre a mesma se não pode já este tribunal pronunciar, por se mostrar, nesta parte, exaurido o poder jurisdicional.

    2. No que se reporta à outra crítica acima indicada, que o recorrente aponta à decisão, caberá esclarecer que, embora à primeira vista, pareça estar a querer arguir a nulidade prevista no artº 379 nº1 al. a) do C.P.Penal, a verdade é que assim não é.

      De facto, embora o recorrente afirme que o tribunal “a quo” continua sem indicar qual o raciocínio seguido para concluir, sem qualquer dúvida razoável, que existiu penetração e desfloramento. O Tribunal "a quo" não esclareceu qual o raciocínio por ele seguido para concluir como concluiu permitindo ao Recorrente e ao Tribunal saber se esse raciocínio é ou não lógico e de acordo com as regras da experiência comum, as razões em que funda essa sua conclusão baseiam-se não na imperceptibilidade ou ausência de justificação fundamentória, mas sim na discórdia quanto às razões que o tribunal apresenta para concluir como conclui.

      Assim sendo, o que está aqui em questão não é, propriamente, a ocorrência de uma nulidade (note-se, aliás, que no recurso não é sequer enquadrada juridicamente tal questão com apelo ao vertido no artº 379 do C.P.Penal), mas sim o diverso entendimento do recorrente, face ao tribunal “a quo”, quanto à valoração probatória realizada.

      E se assim é, essa questão põe-se em sede do disposto no artº 412 nº3 do C.P.Penal, pelo que deverá ser apreciada no corpo do presente recurso.

      -- \ -- A. A matéria de facto constante na decisão proferida pelo tribunal “a quo” deve ser alterada, por ter ocorrido erro de julgamento? 1. É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo”: O arguido, embora resida habitualmente na região de Lisboa, desloca-se amiúde a Ponte da Barca, mais concretamente à freguesia de C..., lugar da T..., donde é natural e possui casa, e onde é apelidado de "Carlinhos".

      No dia 8 de Abril de 2007, domingo de Páscoa, e com o pretexto de lhe pretender oferecer uma bicicleta, o arguido chamou A... Sousa, nascida a 13 de Julho de 1994, ao interior de uma garagem de que é proprietário, a cerca de 200 m da sua casa.

      Uma vez lograda a presença da menor na garagem, o arguido fechou a porta desta, despiu a menor e deitou-a nos bancos (que baixou para o efeito) de uma viatura automóvel que aí se encontrava (um Fiat Panda branco, de matrícula 22-89-...), introduzindo-lhe em seguida o pénis erecto na vagina, efectuando movimentos típicos de cópula, de vai e vem, desflorando-a sexualmente.

      Para conseguir o silêncio da menor, e sabendo que esta era oriunda de uma família economicamente carenciada e ansiava pelos mesmos, o arguido presenteou-a com uma bicicleta, um telemóvel e, pelo menos duas vezes, carregamentos deste (de € 5,00 cada).

      O arguido sabia a idade de A... Sousa e, ao manter com ela relações de cópula completa, fê-lo com o intuito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, tendo perfeita consciência que, ao assim actuar, o fazia contra a vontade daquela.

      Mais sabia o arguido, ao fechar a menor consigo na garagem, despindo-a, e servindo-se do ascendente que mantinha sobre a mesma, pelo atraso cognitivo e imaturidade da menor e pela disparidade de idades entre os dois, para que não revelasse o sucedido, a constrangia, contra a sua vontade, a manter consigo relação de cópula.

      O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.

      O arguido aufere de reforma mensal € 609,00, e vive sozinho, em casa própria; não tem antecedentes criminais e é bem visto no seu meio social.

      A família da ofendida, nomeadamente a mãe e a avó, é conhecida do arguido há décadas. Antes da data dos factos, a mãe da ofendida perguntou a uma irmã do arguido quando vinha este, dizendo que ele tinha prometido dar uma bicicleta à menor A....

      O Tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes termos: Perante a negação do arguido, a convicção do tribunal assentou na análise crítica do conjunto dos depoimentos prestados em audiência de julgamento.

      Foi especialmente impressivo o da menor A... Sousa: apesar do seu défice cognitivo (corroborado pelo relatório de fls. 109 a 112 e pelo depoimento da psicóloga que o elaborou, B... Miquelino), foi absolutamente clara quanto ao episódio de 8 de Abril de 2007, descrevendo-o com o embaraço próprio da idade, da sua condição pessoal e de quem de facto o viveu, e credível nos termos empregues, adequados ao seu desenvolvimento e ao seu meio social. Quanto à existência de cópula, a menor referiu, nomeadamente, que tanto ela como o arguido se encontravam sem calças nem cuecas, que o arguido lhe meteu o pénis na vagina, que com ele fez movimentos "para cima e para baixo", que o arguido deitou pelo pénis algo parecido com água quente e que a menor sangrou após o acto; referiu ainda que "mais ninguém lhe tinha feito uma coisa destas".

      Foram ainda relevantes os depoimentos de Maria F... (mãe de acolhimento da menor desde Julho de 2007), Fátima C... (socióloga da Comissão de Protecção de Menores que acompanhou o caso desde o início, e a quem a menor, por ter vergonha de o dizer, escreveu, reportando-se à actuação do arguido, o verbo "pinar", termo popular que qualquer dicionário define como "praticar o coito"), da aludida psicóloga e da avó da menor, P... Araújo, com quem a A... vivia à data dos factos (e que referiu, no seu discurso simples mas coerente, que a neta "não sabia o que era o mundo"): todas realçaram a circunstância de a menor narrar o sucedido sempre da mesma forma, referindo os efeitos que nela teve a actuação do arguido. Acresce que a psicóloga B... Miquelino esclareceu que a narração feita pela menor no fim das primeiras consultas passou o seu crivo de credibilidade, em relação à forma como...

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