Acórdão nº 334/08.6GAVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução07 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 420 - FLS. 2 Área Temática: .

Sumário: I- Sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão na mais ampla acepção do termo e o direito à honra e consideração, a solução do caso concreto há-de ser encontrada através da “convivência democrática” desses mesmos direitos: consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou outro.

II- Situando-se as expressões reportadas, de forma pública, pelo Secretário da Junta de Freguesia ao Presidente da mesma Junta, no estrito terreno da luta política e correspectivo direito de discordância e de crítica, sem atingir seriamente o reduto mínimo de dignidade e bom nome do visado e sem que se revelem desproporcionadas do fim visado nem inadequadas ao fim perseguido – dizer, relato de matéria de interesse público para a comunidade -, não podem as mesmas deixar de se enquadrar na esfera da atipicidade, no âmbito do recuo da tutela da honra inerente à discussão político-partidária ou como enquadrando situação de exclusão de ilicitude, ou de causa de não punibilidade.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo 334/08.6GAVNF do 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão Relator - Ernesto Nascimento.

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. Finda a fase de instrução, requerida pelo arguido B…………, veio a ser proferida a seguinte decisão instrutória: ………………….

………………….

………………….

………………….

………………….

Em conformidade com o exposto, ao abrigo do artigo 308°/1, parte final, do C P Penal, o tribunal decide: não pronunciar o arguido B…………… pela prática dos factos e, segundo a qualificação jurídica efectuada, na acusação pública deduzida a fls. 136 a 139 e que o assistente C………….. acompanhou a fls. 148 a 150.

Fixa-se a taxa de justiça em 1 UC a cargo do assistente C………….. com taxa de justiça em 2 UC,s - cfr. o artigo 515°/1 alínea a) C P Penal, a compensar com o já pago.

Oportunamente arquivem-se os autos.

Notifique, comunicando-se ainda o teor da decisão proferida ao queixoso D……………”.

  1. 2. Inconformado, recorreu o assistente C…………, apresentando as seguintes conclusões: 1. o teor dos cartazes publicitados pelo arguido e a sua autoria não são matéria controversa mas sim assente; 2. tais dizeres contêm ofensa à honra dos visados, quis o arguido divulgar a terceiros um juízo insultuoso que tinha sobre os ofendidos, quis ainda achincalhar e desacreditar o bom nome dos ofendidos enquanto cidadãos e enquanto titulares do poder autárquico, fazendo-o usando um meio que facilitou a disseminação dos factos que divulgou, intentos que logrou a alcançar o resultado perseguido, que logrou alcançar; 3. um assunto do interesse da comunidade local, que se prende com a vida da Junta de Freguesia em apreço não faz só por si afastar a censurabilidade e culpa do arguido na prática dos factos, não faz a pessoa perder a sua intimidade (Veja-se José de Faria Costa, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p. 264); 4. daí resulta claro que a invocação feita aos filhos do Presidente da Junta vai para além do que é considerado interesse da comunidade; 5. aliás, nunca o arguido argumentou que praticou os factos pelo facto de ser um assunto de interesse da comunidade local, que o fez porque tão só estava em causa a vida politica ao nível da Junta de Freguesia em apreço; 6. muito menos a circunstância de os factos terem sido praticados no dia 1 de Abril retira a dimensão ofensiva dos mesmos não podendo tal dia ser interpretado como causa de exclusão da culpa, nem está previsto no Código Penal como causa de exclusão da culpa; 7. nem nunca referiu o arguido que se serviu do dia 1 de Abril para praticar tais factos; 8. existiu, assim, violação dos artigos 180° e 183°/1 alínea a), com referência aos artigos 184° e 132°/2 alínea j) C Penal.

  2. 3. Respondeu, tão só, o MP. pugnando pelo não provimento do recurso.

  3. Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido, igualmente, do não provimento do recurso.

    Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

  4. Fundamentação III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

    Assim, em função das enunciadas conclusões apresentadas pela recorrente, a questão, pertinente e subsistente que se coloca para apreciação prende-se com o facto de saber se foram ou não recolhidos, até ao encerramento da instrução, indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a imputação, ao arguido, de um crime de um crime de difamação, p. p. pelos artigos 180º e 183º/1 alínea a), com referência aos artigos 184º e 132º/2 alínea j) C Penal.

  5. 2. Passemos agora aos fundamentos do recurso.

    ………………….

    ………………….

    ………………….

    ………………….

    ………………….

  6. 2. 2. Vejamos.

    No processo supra identificado, foi o arguido acusado pelo MP, no que foi acompanhado pelo assistente, pela prática de factos que ambos consideraram, como susceptíveis de integrar, enquanto autor material, na forma consumada e em concurso real, em número de 2, previsão do tipo legal de crime de difamação agravada com publicidade, pp. e pp. pelos artigos 180º, 183º1 alínea a), 184° e 132º/2 alínea j) C Penal.

    Requerida a instrução pelo arguido veio a final a ser proferido despacho de não pronúncia, com o fundamento de que, “(…) se subjectivamente se aceita que os visados possam sentir-se ofendidos na sua honra, a verdade é que, admitindo-se que se esteja numa situação limite, cremos que não se pode considerar haver uma ofensa objectivamente valorável; na verdade, cremos ser ponto assente, face aos depoimentos recolhidos e elementos documentais juntos, a existência de um conflito envolvendo o assistente (este, em especial) e o co-queixoso por um lado e o arguido por outro, no âmbito das funções que os três exerciam na Junta de Freguesia em apreço; nesse contexto, pelo aqui assistente na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia, foi retirada a confiança política ao aqui arguido e praticamente esvaziado o mesmo das suas funções, de resto, tendo o Ministério Público no âmbito do processo administrativo concluído que deveriam ser-lhe atribuídas mais funções pelo assistente Presidente da Junta, bem como deveria o mesmo permitir ao arguido o acesso à sede da Junta, o acesso a certa documentação e a disponibilização, de uma mesa, uma secretária de trabalho; ou seja, no âmbito do processo dirigido pelo Ministério Público no Tribunal Administrativo reconheceu-se - como todos reconhecem, o conflito e reconheceu-se razão, pelo menos em parte ao arguido (conferindo alguma credibilidade aos dizeres do cartaz que afirmam que os aqui assistente e queixoso geriam sozinhos a Junta de Freguesia); quanto à questão da remuneração/compensação, nada se concluiu, nem num sentido, no outro.

    Se assim é, crê-se, por um lado, inequívoco, que o arguido actuou imbuído de um sentimento de injustiça, sendo que dez dias mais tarde (após a publicitação dos cartazes), recorreu ao Tribunal Administrativo, isto quando andava já a interpelar a Junta no sentido do por si sustentado, não lhe sendo dada resposta e/ou reconhecida razão, pretendendo o arguido, com a exibição dos cartazes, alertar a população local para a injustiça que se vivia no âmbito de um órgão da autarquia (Junta); mais: o arguido nada relatou de falso: alertou para a injustiça de que se sentia alvo e de forma satírica (algo exagerada, mas crê-se sem ultrapassar ainda assim os limites aceitáveis - sobretudo quando os factos foram praticados no dia 1 de Abril, conhecido pelo dia das partidas e mentiras) e nessa sátira refere uma descriminação sexual, brincando com as palavras, por referência à falta de pagamento da sua remuneração/compensação: é que por via de tal acto praticado pela Junta, designadamente na pessoa do aqui assistente C…………, na medida em que os filhos do assistente e do Tesoureiro aqui queixoso recebiam amêndoas pela Páscoa, já que os seus pais recebiam a remuneração/compensação a que teriam direito por via das suas funções na Junta; já o aqui arguido, como não lhe pagavam, se quisesse dar amêndoas às suas filhas, teria de pedir em tribunal que fosse reconhecido o direito à sua remuneração/compensação, como, de resto, foi pedir ao Ministério Público no Tribunal Administrativo, não lhe tendo sido reconhecido tal direito, mas também não tendo sido declarado o mesmo como inexistente, já que o Ministério Público apenas concluiu não ter legitimidade para decidir tal questão.

    Em conformidade com o exposto e porque no artigo 180°/2 C Penal se estabelece que “a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira", cremos ter aplicação legal este regime no caso dos autos.

    Efectivamente, retirada a sátira com a qual se adjectivou a imputação dos factos, constata-se que se está perante um assunto do interesse da comunidade local, já que se prende com a vida política ao nível da Junta de Freguesia em apreço, por referência à forma de gestão da mesma e da compensação paga ou não paga aos seus membros - ou paga a uns e não a outros; por outro lado, em parte, crê-se que foi efectuada prova da veracidade dos factos, designadamente no que respeita à circunstância de assistente e co-queixoso geriram sozinhos a Junta sem o aqui arguido e receberem a sua compensação, não a recebendo o arguido, que também fazia parte daquela Junta de Freguesia; questão diversa é a de saber se o arguido tem efectivamente direito a essa compensação ou não, mas nesse aspecto, não se tendo apurado que tinha, também não se apurou que não tinha direito a tal, pelo que o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT