Acórdão nº 100/06.3GAMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelNAZAR
Data da Resolução26 de Abril de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: Findo o respectivo inquérito (100/06.3GAMNC), o Ministério Público proferiu, para julgamento com intervenção do tribunal singular, acusação contra o arguido Acácio B..., imputando-lhe a prática de factos que, no seu entendimento, consubstanciam o cometimento pelo mesmo, em autoria material, de «um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137°, n° 1 do Código Penal, conjugado com o disposto na al. b) do n° 1, do art° 69° do mesmo diploma».

Os assistentes Lucinda B... e Lino B... aderiram à acusação pública.

*** Notificado da acusação, o arguido requereu a abertura da instrução, pretendendo a sua não pronúncia pela prática do indicado crime.

*** Encerrado o debate instrutório, a Exma Sra Juíza a quo proferiu despacho de não pronúncia, cujo teor se transcreve: "Os presentes autos tiveram o seu início com a participação feita pela GNR da ocorrência de acidente por atropelamento, ocorrido na área desta comarca.--- Findo o inquérito, pelo Ministério Público foi proferida acusação contra o arguido Acácio B..., imputando-lhe a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137. °, n.° 1 do Cód. Penal.--- Entretanto, a assistente constituída nos autos, Lucinda B..., acompanhou a acusação deduzida pelo Ministério Público.--- Ao abrigo do disposto no artigo 287°, n°1, alínea a), do C.P.P. veio o arguido requerer a abertura da instrução, com o objectivo de vir a ser proferido despacho de não pronúncia, alegando, para o efeito e em síntese, que fora a conduta da vítima, que iniciou o atravessamento da via de circulação/faixa de rodagem a cerca de 45 metros da passadeira para travessia de peões existente no local, que contribuíra para o acidente que causou a sua morte, sendo aliás que aquele mesmo sofria de graves problemas de visão e era pessoa idosa.-- Tendo sido admitido o RAI, realizaram-se as diligências instrutórias requeridas, possíveis e julgadas necessárias, após o que se procedeu à realização do competente debate instrutório com observância de todos os formalismos legais, no âmbito do qual o/a Digno/a Magistrado/a do Ministério Público, a Assistente e o arguido pronunciaram-se no sentido que antecede.--- II.

A instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento, de acordo com o disposto no art. 286. °, n.° 1 do Cód. Proc. Penal "visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Configura-se, assim, como uma fase, ou expediente, processual, sempre optativa, destinado a questionar o despacho de arquivamento ou a acusação deduzida — cfr. n.° 2 do mesmo dispositivo legal.--- Para tal é necessária uma apreciação crítica de toda a prova recolhida no inquérito e na instrução, terminando por uma decisão, sobre esta, no sentido da suficiência da mesma — a verificação dos indícios suficientes de que fala o Cód. Proc. Penal, no n.° 1 do art. 308.° — para envio do processo à fase de julgamento, ou não, porém, sendo certo, que para a pronúncia se exige prova indiciária de todo diferenciada daquela que se exige na fase de julgamento. Temos que, em sede de pronúncia, resume aqui, de um modo particular, o conjunto de indícios dos quais possa resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança, como decorre do teor do art. 283.°, n.° 2 do Cód. Proc. Penal.--- Há, assim, que atender à prova vista num carácter global, iso é, ao nível dos indícios(neste sentido, Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Processo Penal, pág. 284).--- Quanto à definição de indícios suficientes, dispõe aquele n.° 2 do art. 283.

°: "Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança."--- Embora a questão não seja líquida, tem-se entendido que os indícios suficientes são aqueles elementos de facto trazidos pelos meios probatórios ao processo, os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é atribuído.--- Com efeito, os indícios devem ser reputados como suficientes quando, das diligências efectuadas durante o inquérito, resultarem "(...) vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele." (cfr. Ac. Relação de Coimbra, de 26.06.1963, in J.R., 3, pág. 777; e, ainda, Acs. Relação de Coimbra, de 09.11.1983, in CJ, 1983, Tomo V, pág. 71 e segs., de 10.04.1985, in CJ, 1985, Tomo 11, pág. 81 e segs., e de 31.03.1993, in CJ, 1993, Tomo 11, pág. 65 e segs.).--- Aliás, os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes por forma a que logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado (cfr. Ac. Relação de Coimbra. de 31.01.1993, in CJ, 93, Tomo Il, pág. 66).--- A propósito, Castanheira Neves chegou a referir que "na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de "verdade" requerida pelo julgamento final"; dando conta que na suficiência de prova "não se trata de aceitar uma grau menor de comprovação, uma mera presunção ou probabilidade insegura ... antes se impõe também aqui uma comprovação acabada e objectiva" (veja-se Sumários de Processo Criminal [1968], p. 38/9).--- Por outro lado, deve atender-se, na interpretação das disposições legais adjectivas em referência, aos actuais princípios estruturantes do processual penal atinentes com as mesmas.--- Neste sentido se diz que a exegese destes preceitos legais deve-se ajustar tanto ao princípio "in dubio pro reo", enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (cfr. art. 32. °, n.° 2, C.R.P., art. 11. °, n.° 1 DUDH, de 10 Dezembro de 1948, art. 6. °, n.° 2 da CEDH, aprovada, para ratificação, pela Lei n.° 65/78, de 13.10), como ao dever de respeito pela dignidade da pessoa humana, enquanto vertente do Estado de Direito Democrático, o qual implica a preservação do bom nome e reputação (art. 26.°, n.° 1, C.R.P.), contra as intromissões abusivas e arbitrárias na respectiva esfera de direitos (arts. 12.° da DUDH e 8.° d CEDH).--- Ora e como se alude no Ac. STJ de 18.05.2005 (in www.dgsi.pt, relator Cons. Pereira Madeira), vem sendo entendido que "aquela "possibilidade razoável" de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa", em que "o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido" ou então que os indícios são suficientes quando haja ."uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição" — neste sentido e entre outros, Figueiredo Dias, no seu "Direito Processual Penal", 1 (1974), p. 133; Ac. da R.P. de 1990/Jan./10, 1993/Out./20, R.L. 1999/Fev./20, [C.J., 1/247, IV/261, I/145].--- Assim, "a simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não for mesmo, em certos casos, um vexame." (Ac. Relação do Porto de 20.10.1993).--- Daí que esse juízo de prognose de sujeitar alguém a julgamento seja, de certo modo, equivalente, à apreciação a efectuar nessa fase — neste preciso sentido, C. Adérito Teixeira, no seu estudo "Indícios Suficientes": parâmetro de racionalidade e instância de legitimação", publicado na Revista do CEJ 2.° Semestre de 2004, p. 161; Paulo Dá Mesquita, in "Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária" (2003), p. 91; Jorge Gaspar, "Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido", estudo publicado na RMP n.° 87/88, mormente as p. 122/3 deste último volume; António Cluny, in "Pensar o Ministério Público Hoje" (1997), p. 49; num sentido mais contemporizador situa-se Germano Marques da Silva [Este autor escreveu, no seu "Curso de Processo Penal", Vol. 111 (1994), p. 183, que a suficiência de indícios "não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final'].

--- A prova produzida, por sua vez, não deve ser aferida de modo estanque, mas sim na sua globalidade, e na divergência ou contradição entre os diversos depoimentos prestados, que tantas vezes destoam de um depoente para outro, dever-se-á procurar elementos objectivos de prova, que possam suportar, de modo convincente e para além de qualquer dúvida razoável, umas das versões suscitadas (a da acusação ou a da defesa), sendo certo que caso subsista aquela dúvida, aplica-se o princípio "in dubio pro reo". Este princípio não é mais do que perante uma dúvida irremovível e razoável, quanto à verificação de certos factos que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT