Acórdão nº 339/07.4TAPSR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA ARANTES
Data da Resolução20 de Abril de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO Sumário: 1. A violação do princípio in dubio pro reo verifica-se apenas quando, do texto da decisão recorrida, decorrer (i) que o Tribunal ficou na dúvida relativamente ao juízo a formular (positivo ou negativo) sobre a prova de qualquer facto em apreciação e (ii) que resolveu essa dúvida contra o arguido.

  1. A consumação do crime de denúncia caluniosa, previsto no artigo 365.º do Código Penal, ocorre quando a denúncia chega ao respectivo destinatário, fazendo surgir o perigo de instauração de procedimento.

  2. Não é necessária ao preenchimento daquele tipo-de-ilícito, a efectiva instauração de procedimento criminal, contra-ordenacional ou disciplinar.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1ªSecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO No âmbito do processo comum nº339/07.4TAPSR do Tribunal Judicial de Ponte de Sôr, por sentença proferida em 8/7/2009, o arguido L foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art.365º nº2 do C.Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

    Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando asa seguintes conclusões (transcritas):

    A) A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

    B) Ora, partindo desses pressupostos, uma prudente e objectiva análise do conjunto da prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum e do princípio do in dubio pro reo, leva forçosamente a concluir que o tribunal não poderia ter dado como provados, sem mais, os factos 3., 6., 7., 8., 9. e 10.

    C) Na verdade, e antes de mais, não ressalta, nem da exposição em si, nem do depoimento do arguido, nem de qualquer outra testemunha, incluindo o do Sargento Roxo, um dos visados na aludida exposição, que o arguido, ao ter apresentado a referida exposição, o fizesse com o objectivo de que fosse instaurado um processo disciplinar ao Sargento Roxo.

    D) E tanto assim é que, até hoje, não foi aberto qualquer processo disciplinar, nem qualquer processo de averiguações, tendo apenas sido solicitadas algumas informações ao posto da GNR de Ponte de Sôr.

    E) Não é também verdade que não haja «dúvidas quanto à legitimidade e legalidade dos procedimentos dos militares da GNR de Ponte de Sôr, inclusive do Sargento R» (art.º6º).

    F) Em primeiro lugar, a única diligência que se encetou na sequência da exposição do arguido foi a seguinte: obter informações junto do Sargento R e dos agentes autuantes (ou seja daqueles cuja actuação estava precisamente sob suspeita).

    G) Depois as testemunhas que o arguido indicou não foram sequer ouvidas com a única justificação de serem, provavelmente, amigas e/ou conhecidas deste, não interessando o que sabem ou deixam de saber.

    H) Acresce que, da informação de fls. 353, o que se diz é que “parecem” destituídas de fundamento as acusações do arguido.

    I) Por outro lado, o próprio Capitão do Posto da GNR de Ponte de Sôr afirma que, relativamente aos autos de contra-ordenação levantados ao arguido, designadamente pela violação do artigo 25º do CE ( «não circular em velocidade especialmente moderada»), efectivamente verificava-se um excesso de zelo por parte dos militares da GNR de Ponte de Sôr que autuaram o arguido.

    J) Pena é que o arguido tenha sido vítima várias vezes do “excesso de zelo” dos militares da GNR.

    K) Finalmente, sempre ficaria por explicar a razão de todos os 10 autos de contra-ordenação a que se faz referência na exposição tenham sido remetidos via CTT para o arguido, ao invés de o mesmo ter sido abordado presencialmente no momento da alegada infracção.

    L) E como é que no espaço de três meses e meio – de 13/03/2006 a 1/07/2006 (precisamente os 3 meses que antecederam a apresentação da exposição em causa nos presentes autos) o arguido foi autuado pelos militares da GNR de Ponte de Soe nada mais do que 8 vezes (vide factos provados 11ºc) a j) e num período de dois anos (de 12/07/2004 a 1/07/2006), foi autuado 13 vezes (documento de fls. 394 e 395)? M) Sendo certo que, após o envio da exposição ao Ministro da Administração Interna e até hoje, ou seja, num período de mais de 3 anos, o arguido apenas tenha sido autuado uma única vez, em Março de 2007, conforme resulta do documento junto pela ANSR de fls.394 e 395.

    N) Será tudo isto simples coincidência? O) Ora, o tribunal não se podia ter limitado a atentar única e exclusivamente nas declarações dos colegas e subordinados do Sargento R que obviamente, em defesa dos seus próprios interesses, nunca confirmariam a perseguição a que o arguido fazia referência na sua exposição.

    P) Era necessário, por conseguinte, ir mais longe e analisar o ambiente e os factos que levaram o arguido a ter de enviar uma carta ao Ministro da Administração Interna.

    Q) O arguido fez o que qualquer pessoa colocada na sua situação teria feito: expressar a sua indignação pela situação de que estava a ser vítima.

    R) Não pode por isso ser dado como provado o facto 6. da matéria provada.

    S) Nem, por outro lado, podiam ter sido dados como provado os artigos 3º e 7º a 10º da matéria provada.

    T) O tribunal confunde claramente duas situações: uma coisa é os factos não serem verdadeiros, o arguido saber que os mesmos não são verdadeiros e ainda assim querer conscientemente proferi-los/escrevê-los; outra, bem diferente, é os factos não serem verdadeiros e o arguido afirmá-los/escrevê-los, por pensar que os mesmos são verdadeiros.

    U) O arguido, é certo, não conseguiu, nos presentes autos, fazer prova dos pontos 4. e 5. da sua exposição, uma vez que os militares da GNR (as únicas testemunhas que poderiam colaborar neste ponto) os negaram.

    V) Mas também é certo que não foi feita qualquer prova de que o arguido sabia que os referidos factos eram falsos, que os inventou e agiu com a consciência disso ao dirigir a exposição ao MAI.

    W) Aliás, segundo os militares da GNR, a exposição que o mesmo fez ao MAI era um direito que lhe assistia, atendendo à perseguição de que o mesmo se sentia vítima por parte da GNR.

    X) Acresce que a exposição do arguido continha vários pontos e o que é certo é que o tribunal não concretiza quais, dos factos em causa, se provaram serem efectivamente falsos.

    Y) Sendo certo que o arguido conseguiu demonstrar que o ponto 2. da sua exposição era verdadeiro, além de que os pontos 6, 7 e 18 da sua exposição, apenas consubstanciam meras conclusões legítimas de um cidadão que se sente perseguido pelos elementos da GNR, atendendo, quer ao número de autos que lhe foram levantados num tão curto espaço de tempo, quer ao teor dos mesmos, sendo que quatro deles foram-no por violação da tal disposição do artigo 25º do CE.

    Z) Provas que impõem a eliminação dos factos provados 3º e 6º a 10º: depoimentos do arguido L, do dia 22/05/2009, das 11:07:32 às 11:23:26, e das testemunhas R, do dia 22/05/2009, das 11:28:38 às 11:55:06, S, do dia 22/05/2009, das 11:55:51 às 12:13:29, C, do dia 22/05/2009, das 15:31:41 às 15:39:34, A, do dia 22/05/2009, das 15:48:29 às 15:54:52, N, do dia 22/05/209, das 16:00:15 às 16:05:25 e informação do IGAI e Comando da GNR de fls. 247 e 248, Informação da GNR de fls.336 e 337, processo da GNR de fls.354 a 374, informação da ANSR de fls 394 e 395 e certidão da Sentença de fls. 422 a 433.

    A

    A) Passagens concretas que fundamentam a referida eliminação: - depoimentos do arguido L, do dia 22/05/2009, das 11:07:32 às 11:23:26, minutos 7:49 a 12:00 e 13.33 a 15:25; - depoimento da testemunha R, do dia 22/05/2009, das 11:28:38 às 11:55:06, minutos 5.37 a 6.16, 7:51 a 8:10, 9:32 a 9:46, 12:49 a 14:22, 15:26 a 15:45, 17:52 a 18:08, 18:21 a 18:52, 25:52 a 25:59; - depoimento da testemunha S, do dia 22/05/2009, das 11:55:51 às 12:13:29, minutos 4:03 a 5:00, 09:35 a 11:30, 12:10 a 12:47, 15:30 a 15:55; - depoimento da testemunha C, do dia 22/05/2009, das 15:31:41 às 15:39:34, minutos 4:55 a 5:07; - depoimento de A, do dia 22/05/2009, das 15:48:29 às 15:54:52, minutos 2:24 a 3:18; - depoimento de N, do dia 22/05/2009 das 16:00:15 às 16:05:25, minutos 1:39 a 3:37 e 4:24 a 4:54.

    BB) Devem ainda ser aditados à matéria provada os seguintes factos: (I) « O arguido era várias vezes revistado pelos elementos da GNR de Ponte de Sor» (II) «O arguido, na opinião dos elementos da GNR de Ponte de Sor, é um caçador furtivo que tem a sorte de se esquivar sistematicamente à justiça» (III) «Desde a exposição do arguido ao MAI e até 31/12/2008, o arguido apenas foi autuado um vez (contra-ordenação leve)» CC) Provas que impõem o referido aditamento: depoimentos do arguido L, do dia 22/05/2009, das 11:07:32 às 11:23:26, e das testemunhas R, do dia 22/05/2009, das 11:28:38 às 11:55:06, S, do dia 22/05/2009, das 11:55:51 às 12:13:29, C, do dia 22/05/2009, das 15:31:41 às 15:39:34, A, do dia 22/05/2009, das 15:48:29 às 15:54:52 e N, do dia 22/05/209, das 16:00:15 às 16:05:25 e informação da ANSR de fls. 394 e 395.

    DD) Passagens concretas que fundamentam a referida alteração e aditamento: - depoimentos do arguido L, do dia 22/05/2009, das 11:07:32 às 11:23:26, minutos 7:49 a 12:00 e 13.33 a 15:25; - depoimento da testemunha R, do dia 22/05/2009, das 11:28:38 às 11:55:06, minutos 7:51 a 8:10 e 9:32 a 9:46; - depoimento da testemunha S, do dia 22/05/2009, das 11:55:51 às 12:13:29, minutos 8:14 a 8:34; - depoimento da testemunha C, do dia 22/05/2009, das 15:31:41 às 15:39:34, minutos 1:10 a 1:51 e 4:55 a 5:07; - depoimento de A, do dia 22/05/2009, das 15:48:29 às 15:54:52, minutos 2:24 a 3:18; - depoimento de N, do dia 22/05/2009 das 16:00:15 às 16:05:25, minutos 1:39 a 3:37 e 4:24 a 4:54.

    EE) Acolhendo-se a alteração da matéria de facto, facilmente se verifica que não podia o tribunal ter condenado o arguido pelo crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º/2 do CP.

    FF) Sem conceder, e para a hipótese que se rejeita...

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