Decisões Sumárias nº 35/10 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução19 de Janeiro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA Nº 35/2010[1]

Processo n.º 28/10

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., arguido sujeito a obrigação de permanência na habitação, e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b), da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 21 de Outubro de 2009 (fls. 16278 a 16308), posteriormente complementado pelo acórdão proferido, pelos mesmos Tribunal e Secção, em 21 de Outubro de 2009 (fls. 2507 a 2515), posteriormente corrigido pelo acórdão proferido, pela mesma Secção e Tribunal, em 04 de Novembro de 2009 (fls. 2533 e 2534), e ainda complementado pelo acórdão proferido, pela mesma Secção e Tribunal, em 10 de Dezembro de 2009 (fls. 2549), que rejeitou pedido de aclaração formulado pelo recorrente.

    Pelo presente recurso, o recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade das seguintes interpretações normativas:

    i) “norma extraída do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, em conjugação com o artigo 420.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido da aplicação imediata da nova lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência e, desse modo, tornar legalmente admissível uma deliberação de rejeição de recurso pelo S.T.J. sem a unanimidade de votos, como era exigível pela versão anterior do n.º 2 do mesmo artigo 42º do C.P.P., o que constitui lei desfavorável relativamente à redacção anterior” (fls. 2557) – de ora em diante referida como “1ª interpretação normativa”;

    ii) “norma extraída do disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) e no art. 432.º, n.º 1, al. b) do C.P.P., tal como foi aplicada no Acórdão recorrido, no sentido ou interpretação em que se entendeu por confirmativo um acórdão proferido pela Relação, cuja subida ao S.T.J. fora admitida pelo mesmo Tribunal, que aplica uma pena de oito anos de prisão quando a decisão de 1ª instância condena em nove anos de prisão, assim, se impedindo, por um lado, o conhecimento de arguição de nulidade do acórdão da Relação, e, por outro, o conhecimento do recurso propriamente dito, pelo S.T.J.” (fls. 2560) – de ora em diante referida como “2ª interpretação normativa”;

    iii) “norma extraída do disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) e no art. 432.º, n.º 1, al. b) do C.P.P., tal como foi aplicada no Acórdão recorrido, no sentido ou interpretação em que se entendeu por confirmativo um acórdão proferido pela Relação, cuja subida ao S.T.J. fora admitida pelo mesmo Tribunal, que aplica uma pena de oito anos de prisão quando a decisão de 1ª instância condena em nove anos de prisão, assim, se impedindo, por um lado, o conhecimento de arguição de nulidade do acórdão da Relação, e, por outro, o conhecimento do recurso propriamente dito, pelo S.T.J.” (fls. 2560) – de ora em diante referida como “3ª interpretação normativa”.

    Cumpre, então, apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO

  2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 2567), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.

    Se o Relator verificar que não foram preenchidos esses pressupostos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.

    1. Quanto à primeira interpretação normativa

  3. Ciente de que, em regra, a lei processual constitucional impõe aos recorrentes um ónus de prévia suscitação no tribunal recorrido das questões de inconstitucionalidade objecto de recurso para este Tribunal (artigo 72º, n.º 2, da LTC), o recorrente reconhece nunca ter suscitado qualquer incidente de inconstitucionalidade, relativamente, à primeira interpretação normativa, mas alega que a aplicação daquela constituiu decisão-surpresa. Deste modo, invoca em seu benefício jurisprudência do Tribunal Constitucional que admite, excepcionalmente, a dispensa do ónus de prévia suscitação da inconstitucionalidade, quando a norma (ou interpretação normativa) aplicada pelo tribunal recorrido assume um carácter insólito, surpreendente ou inesperado.

    Vejamos então se, atenta a configuração da questão concretamente em apreço nos autos, se justifica dispensar o recorrente do cumprimento do ónus de prévia suscitação.

    Com efeito, a jurisprudência consolidada deste Tribunal apenas admite tal dispensa quando a aplicação da norma ou da interpretação normativa seja objectivamente imprevisível ou insólita. Assim, ver, a título de exemplo:

    i) Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o Tribunal Constitucional tem dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como se refere na decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;

    ii) Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como este Tribunal também tem salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 352/94), tal situação sofre restrições "em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final". É o que acontece também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse com ela.

    Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como "decisão-surpresa", de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;

    A natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma ou interpretação normativa efectivamente aplicada depende, todavia, do preenchimento de um grau reforçado de diligência do recorrente. Este grau de diligência implica uma antecipação das diversas soluções jurídicas potencialmente aplicáveis ao litígio controvertido, devendo precaver-se contra a adopção de soluções que, ainda que minoritárias, possam ser configuradas como objectivamente admissíveis face à letra da lei. Só no caso de não ter sido possível antecipar a aplicação de norma ou interpretação normativa contrária à Constituição da República – sendo esta possibilidade sempre aferida de modo objectivo – é que será admissível a dispensa de suscitação prévia da inconstitucionalidade. Neste sentido, ver:

    i) Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem considerado até que cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão”;

    ii) Acórdão n.º 479/89 – “(…) não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á – também logo mostra como a simples «surpresa» com a interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (…) em que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação «prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a quo».

    Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também) com ela”.

    No caso ora em apreço, não procede, porém, o argumento de que o...

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