Acórdão nº 171/10 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelCons. V
Data da Resolução28 de Abril de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 171/2010

Processo n.º 218/2010

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. O relator proferiu a seguinte decisão:

    “1. A., notificado da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Fevereiro de 2010, que indeferiu a reclamação que, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, deduzira contra o despacho do relator na Relação, que, com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do mesmo código, não admitiu o recurso que havia interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Outubro de 2009, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:

    […]Dando cumprimento ao plasmado nos n.ºs 1 e 2 do art. 75º-A da LTC, refere-se que o presente recurso versa desde logo duas questões concretas e objectivas da inconstitucionalidade, as quais se mostram contudo, encadeadas: a violação plúrima de lei processual condizente à eventual nulidade do douto acórdão proferido e a não admissão do recurso interposto, aplicando-se o a alínea f) do art. 400º f) CPP. [Certamente queria dizer alínea f) do n.º1 do artigo 400º do CPP]

    Tais questões foram validamente suscitadas quer no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 6, 8 e nomeadamente a conclusões 14 a 16 e 25) quer na reclamação (maxime arts. 8º a 12º, 34º, 36º, 37º, 43º, 59º) .

    Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado quer no Acórdão da Relação de Coimbra quer nas sucessivas não admissões do recurso, por se entender violador das normas legais plasmadas nos arts. 399º, 400º n°.1 f), 411º nº.5, 419º nº.3 c), 379º nº.1 c) ex vi art. 425º nº.4), todos do CPP e art. 32º nº1 da CRP, afigurando-se, não só relevante como essencial para a boa decisão da questão principal, uma vez que em causa estão direitos, liberdades e garantias do recorrente, e constitucionalmente tutelados.

    Razão pela qual, nos termos do art. 78º LTC deverá o mesmo ter efeito suspensivo e subir nos próprios autos.[…]

    A fls. 92 dos autos consta o despacho, de 11 de Março de 2010, do seguinte teor:

    Admite-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, na parte em que se questiona a constitucionalidade da norma do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, mas já não se admite o recurso na parte respeitante à nulidade do acórdão da 2.ª instância, por estranha ao conhecimento da reclamação, como se referiu no despacho que desta conheceu.

  2. A decisão recorrida é do seguinte teor:

    […]

    Na apreciação da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso, única questão de que cabe conhecer, apenas compete apreciar a admissibilidade do recurso, de harmonia com o disposto no art. 405.º do CPP, encontrando-se fora do âmbito da reclamação a questão da nulidade imputada ao acórdão de que se pretende recorrer.

    Vejamos.

    Numa certa perspectiva – minoritária no STJ – poder-se-á dizer que a decisão proferida no recurso não foi inteiramente no mesmo sentido da decisão da 1.ª instância, por o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra ter absolvido o arguido da prática do crime de burla informática e, em conformidade, reduzido a pena aplicada ao arguido.

    Com efeito, o elemento central da norma, que define a não recorribilidade e os critérios da conformidade, é a confirmação da decisão da primeira instância.

    Segundo o sentido comum da linguagem, a confirmação significa identidade de sentido, afirmar do mesmo modo, traduzir uma convergência; confirmar significa tornar mais certo, seguro e firme, concordar, certificar, revalidar, sancionar.

    A confirmação d decisão em recurso significa, assim, em leitura literal, decidir do mesmo modo, concordar, convergir ou certificar a decisão sobre que versa o recurso. A convergência ou a confirmação deve significar que não existe qualquer divergência, e que se afirma a identidade quanto aos elementos centrais e verdadeiramente constitutivos das decisões.

    Elementos constitutivos – elementos definidores e caracterizadores – da decisão penal condenatória são a qualificação (identificação legal do crime) e a condenação.

    A conformidade afasta, por sua natureza, a existência de qualquer elemento de não conformidade, desde que se refira aos elementos constitutivos das decisões.

    Na parte em que as decisões divirjam, não há conformidade; se não há conformidade, mesmo que parcial (isto, é, se existe não conformidade parcial), poder-se-á entender que não está integrado inteiramente o elemento nuclear da norma, que supõe convergência, certificação e concordância.

    Este sentido literal coincide com justificação racional da solução legal de não admissibilidade de recurso em casos de «dupla conforme». O julgamento «conforme» em duas instâncias traduz uma presunção de bom julgamento, de julgamento certo e seguro, dispensando na proporcionalidade e racionalidade do uso dos meios processuais, uma outra apreciação em casos em que esteja em causa a aplicação de penas até ao limite definido, isto é, com um referencial de gravidade de determinado limite.

    Mas este pressuposto, que dá coerência à opção da lei, não se verifica quando entre uma e outra decisão existirem elementos relevantes de não conformidade, sendo arbitrária a opção interpretativa de desconsiderar, para este efeito, a não conformidade in melius, introduzindo um desequilíbrio sistémico que o rigor dos critérios de interpretação dificilmente suportará.

    Por isso, nesta perspectiva, e visto o conteúdo da decisão recorrida, não havia identidade do conteúdo decisório.

    Neste entendimento, não poderia, no caso concreto, segundo uma perspectiva aceitável, dizer-se que houve confirmação ou dupla conforme, para efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.

    Mas a posição maioritária deste Supremo Tribunal é no sentido de que há dupla conforme quando haja confirmação da condenação in melius, o que se teria verificado no caso presente, por o acórdão em causa ao ter absolvido o arguido da prática de um crime de burla informática e, em conformidade, reduzido a pena aplicada, ter sido mais favorável ao arguido. De acordo com esta jurisprudência o caso seria subsumível na citada alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, com a consequente inadmissibilidade do recurso interposto.

    E se, porventura, se não considerar que há dupla conforme poderia, eventualmente, ser aplicável a alínea e) do n.º 1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade».

    Porém, o recurso também não é admissível ao abrigo desta alínea, por o arguido ter sido condenado numa pena não superior a 5 anos de prisão.

    Com efeito, como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.09 – Proc. n.º 102/09 - 3.ª « (...) A referência essencial para a leitura integrada do regime – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a alínea c) do nº 1 o artigo 432º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    (...) A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.

    A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a cinco anos.

    Como a propósito se refere em acórdão do STJ (de 25 de Junho de 2008, proc. 1879/2008), «desde que não haja condenação em pena não superior a cinco anos de prisão, não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final do tribunal colectivo o do júri, que condene em pena não superior a cinco anos de prisão»; «o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento do recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o artigo 9º do Código Civil, na teleologia e unidade do sistema quanto a penas privativas de liberdade, que [...] apenas é admissível recurso de acórdão da relação para o Supremo quando a relação julgar recurso de decisão do tribunal colectivo ou do júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a cinco anos de prisão».

    É, pois, neste círculo hermenêutico que têm de ser interpretadas as normas do artigo 400º, nº 1 do CPP, quando determinam a irrecorribilidade (e, por autonomia, a recorribilidade) das decisões proferidas, em recurso, pelo tribunal da relação.

    Desde logo a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º, que prevê a irrecorribilidade das decisões proferidas em recurso pela relação, que apliquem pena não privativa de liberdade.

    A formulação da norma constava da Proposta de Lei nº 109/X (DAR, II série, nº 31, de 23/Dez/06) em termos diversos («são irrecorríveis» os acórdãos proferidos, em recurso, pela relação, «que apliquem pena de multa ou...

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