Acórdão nº 246/07.0GAAMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelESTELITA DE MENDON
Data da Resolução08 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO : Tribunal Judicial de Amares – secção única (comum singular n.º 246/07.0GAAMR).

RECORRENTE : Maria C... (arguida) RECORRIDO : Ministério Público OBJECTO DO RECURSO: Por sentença proferida em 20/07/2009 (fls. 242 a 250) foi decidido julgar a acusação procedente, por provada, e, em consequência: a) condenar a arguida Maria C..., pela prática, em autoria material e sob a forma consumada de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 183.°, n.º I do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de 4,00 € (quatro euros), o que perfaz um total de € 360.00 (trezentos e sessenta euros): b) Julgar parcialmente procedente o pedido cível e, em consequência, condenar a arguida/demandada a pagar à demandante a quantia de 700,00 € (setecentos euros), acrescidos de juros de mora a taxa legal a contar da notificação para deduzir o respectivo pedido cível até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, veio a arguida interpor o presente recurso apresentando as seguintes CONCLUSOES: A arguida e aqui Recorrente estava pronunciada por “No dia 18 de Julho de 2007, cerca das 11,30 horas (...) ter praticado os restantes factos constantes da pronúncia, sendo que o Tribunal a quo deu como provado, além do mais, que “No dia 18 de Julho de 2007, entre as 12h30m e as 13h30m” a arguida praticou os restantes factos constantes da pronúncia; Ora, ao proceder à alteração da hora da prática do crime, o Mm.° Juiz a quo procedeu a uma alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia, sendo certo que esta alteração é de superior importância e teve influência na defesa da arguida, uma vez que esta estruturou a sua defesa por forma a demonstrar que às 11,30 horas (hora constante da pronúncia) não estava no local em questão, mas sim a trabalhar; Conforme se constata pelas actas da audiência de discussão e julgamento, bem como pela audição da prova produzida em julgamento e devidamente documentada, o Tribunal a quo não comunicou à arguida a alteração efectuada, nem tão-pouco lhe concedeu o tempo necessário para que esta preparasse a sua defesa; Consequentemente, ao alterar os factos da pronúncia sem respeitar o disposto no art. 358.° do C P Penal, a douta sentença recorrida enferma da nulidade, que pode e deve ser conhecida pelo Venerando Tribunal ad quem, com todas as legais consequências; Independentemente disso e sem prescindir, tem a arguida e ora recorrente como certo que, mesmo assim, não deixa de haver erro na apreciação da prova produzida em audiência, pois nunca poderiam ter-se dado como assentes os factos que se fizeram constar dos n.°s 1., 2., 3., 6. e 7. dos Factos Provados; 0 Tribunal a quo viu-se confrontado com duas versões distintas dos factos, por um lado a arguida nega veementemente a autoria dos factos, sendo que o Tribunal não põe em causa a credibilidade deste depoimento, e, por outro lado, a assistente e as filhas ANA C... e RAQUEL S... reafirmam o teor da queixa apresentada e das declarações já prestadas, no sentido de que foi a arguida a autora da prática dos factos, fazendo apenas uma alteração: a hora em que os factos terão ocorrido; Com efeito, no dia 18 de Julho de 2007 — note-se que foi no próprio dia em que os factos terão ocorrido — a aqui assistente apresentou queixa-crime contra a ofendida onde referiu que os factos ocorreram às 11,30 horas desse mesmo dia 18 de Julho (cfr. queixa-crime de fls. 4 dos autos), o que foi confirmado pelas declarações da assistente de fls. 34, bem como pelas declarações das testemunhas ANA C... e RAQUEL S..., de fls. 36 e 37 dos autos, respectivamente; Sendo que nas declarações que prestou na audiência de discussão e julgamento — que teve lugar cerca de dois anos depois da ocorrência dos factos — a assistente LAURA disse que os factos terão ocorrido muito perto da hora do almoço e seguramente depois das 12,30 horas, a testemunha ANA C... (depoimento prestado na sessão de julgamento de 17 de Junho de 2009 e gravado no respectivo CD áudio), referiu quo os factos terão ocorrido perto da hora do almoço, e a testemunha RAQUEL S... (depoimento prestado na sessão de julgamento de 17 de Junho de 2009 e gravado no respectivo CD áudio), referiu no seu depoimento quo os factos terão ocorrido por volta das 12,00 horas; Esta alteração da hora em que os factos terão ocorrido tem uma razão de ser, é que aquando da instrução a assistente fez prova peremptória que às 11,30 horas do dia em causa estava a trabalhar (cfr. documentos juntos a fls. 45, 69, 127 e 128 dos autos); Sendo certo que apenas chegava a casa da hora do almoço por volta das 12,30 horas (cfr. depoimento da arguida e das testemunhas ROSA M..., MARIA V... e ANDRADINA A..., sendo o primeiro prestado na sessão de julgamento do dia 17-06-2009 e os restantes na sessão do dia 02-07-2009, todos gravados no respectivo CD audio); Assim, resulta evidente o motivo pelo qual a assistente alterou a hora que havia indicado como tendo sido a da ocorrência dos factos, é que a hora indicada na queixa-crime, que, insiste-se, foi apresentada no próprio dia em quo os factos terão ocorrido, a arguida não podia estar no local onde alegadamente os factos ocorreram; Ora, como é bom de ver e resulta das regras da experiência comum, a memória das pessoas é mais fiável quão mais perto está da data de ocorrência dos factos, tornando-se mais falível à medida que o tempo vai passando, designadamente com o esquecimento de inúmeros pormenores; Por outro lado, resultam dos depoimentos da assistente LAURA e das filhas ANA C... e RAQUEL S... algumas incongruências, designadamente o facto de a assistente LAURA e a filha RAQUEL referiram nos referidos depoimentos que não viram mais ninguém no local além da arguida, quando a filha ANA C... referiu que viu no local perto da arguida a testemunha ROSA ; Ora, tendo as três testemunhas o mesmo ângulo de visão, parece evidente que a presença de uma outra pessoa no local não poderia passar despercebida a nenhuma delas; E a verdade é que, confrontada com os acontecimentos daquele dia 18 de Julho, a testemunha ROSA dá uma versão totalmente distinta dos factos, referindo que de facto viu a assistente e as filhas passarem no local, o que sucedeu por volta das 11,30 horas, sendo certo que nesse momento a arguida não estava presente; Ao contrário do que refere o Mm.° Juiz a quo, que considera que 0 depoimento da testemunha ROSA versa sobre um “não acontecimento” há várias razões para que aquela testemunha só lembre daqueles factos: [1] desde logo porque na altura da ocorrência dos factos aquela testemunha estava a viver um especifico episódio da sua vida, que apenas durou cerca de duas semanas — pois estava a cuidar do marido e filho da arguida que haviam sido agredidos dias antes pelo marido da assistente —, com uma profunda alteração das suas rotinas, o que permite fixar pormenores que no dia a dia passariam despercebidos; [2] por outro lado, a passagem naquele local (porta da casa da arguida), na altura em quo os factos ocorreram (dias depois das agressões sofridas pelos marido e filho da arguida), das mulher e filhas daquele que foi o agressor das pessoas de quem a testemunha estava a cuidar, não é um facto tão irrelevante que não possa ficar na memória de uma pessoa; [3] depois, o facto de a arguida se lembrar que era uma quarta-feira, dia de feira semanal na vila de Amares, é facilmente compreensível com o facto de a assistente e as filhas trazerem consigo as compras semanais (as mesmas confirmam que tinham ido à feira fazer compras); [4] por fim, é mais do que natural que quando a arguida contou à testemunha MARIA R... da existência o teor da queixa contra aquela apresentada — o que ocorreu logo na ocasião e não na altura do julgamento — esta se tenha lembrado da passagem da assistente e das filhas que havia presenciado; Por fim, refira-se que o raciocínio utilizado pelo Mm.° Juiz a quo para desvalorizar o depoimento da testemunha MARIA R..., bem como o das testemunhas MARIA V... o ANDRADINA (todos prestados na audiência de julgamento que teve lugar no dia 02-07-2009 e gravados no respectivo CD audio), - o facto de serem amigas da arguida -, se aplica na perfeição às testemunhas ANA C... e RAQUEL S..., pois, como é sabido, são filhas da assistente; Do exposto resulta que, do conjunto da prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, jamais se poderá afirmar, com o grau de certeza necessário, que a arguida e ora recorrente poderá ter praticado o crime de que vem pronunciada, sendo que a dúvida daí resultante teria sempre e necessariamente de aproveitar à arguida, por aplicação do princípio in dubio pro reo, o que impõe respectiva absolvição, com todas as legais consequências, designadamente quanto à pena aplicada à arguida, quanto ao pedido cível deduzido pela assistente e quanto à responsabilidade por custas, quer relativas à parte criminal, quer relativas à parte cível; Tendo o Tribunal a quo decidido de forma diversa, condenando a arguida e ora Recorrente na prática do crime de injúria, foram violados, entre outros, o art. 32.°, n.° 2 da CRP, os arts. 181.°, n.° I do CPen..

SEM PRESCINDIR: Sempre sem prejuízo de tudo quanto para cima se referiu e para a hipótese — que não se concede e apenas refere por cautela de patrocínio — de não se absolver a arguida da prática do crime de quo foi pronunciada e condenada em 1.ª instância, então sempre pecaria por excessiva e desproporcionada a pena aplicada a arguida; Tendo em atenção que a arguida não tem quaisquer antecedentes criminais (ponto 8. dos Factos Provados), que está bem integrada profissional e pessoalmente (cfr. fls. 248 da sentença recorrida) e que é pessoa trabalhadora (ponto 11. dos Factos Provados), urge concluir que é excessiva a aplicação de 90 dias de multa, tendo em conta que o mínimo são 10 dias e o máximo 120 dias; Antes...

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