Acórdão nº 426/03.8GCAVR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Abril de 2010

Data07 Abril 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 3º Juízo Criminal de Aveiro, o M.P. deduziu acusação contra R..., F... e M..., imputando a cada um deles a co-autoria de um crime de ofensas à integridade física grave, previsto e punido no art 144°, al. b), c) e d) do Código Penal.

Foram deduzidos os pedidos de indemnização cível constantes de fls. 232 e 235 e segs., respectivamente, pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, pedindo a condenação dos demandados no pagamento da indemnização de €109,50 referente a tratamentos prestados ao ofendido A..., e por A... pedindo a condenação dos demandados no pagamento da indemnização de €54.870,87, acrescida de juros desde a citação, sendo €12.739,80 por remunerações deixadas de auferir no período de baixa, €513,84 por despesas em medicamentos, €10.866,30 por perda de capacidade de ganho e €30.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Após julgamento, foi proferida sentença que absolveu os arguidos da acusação e do pedido cível contra eles formulado.

Interposto recurso, veio aquela sentença a ser revogada quanto à parte cível, tendo sido ordenado o reenvio para novo julgamento dos pedidos cíveis.

Por despacho ulteriormente exarado (fls.606), transitado em julgado, decidiu-se que face aos termos do recurso interposto o novo julgamento apenas tinha como demandados os referidos R...e F...e não já a inicialmente demandada M…, absolvida por decisão quanto a ela transitada.

Foi efectuado novo julgamento restrito à vertente cível, em cuja sequência foi proferida a sentença de fls. 619/630, em que se decidiu nos seguintes termos: “(…) Tudo visto, decide-se: Condenar os demandados R... e F…, solidariamente, no pagamento acrescido de juros à taxa de 4% desde a presente data: 1 – ao demandante A... da indemnização de 12.500,00 € (doze mil e quinhentos euros); 2 – aos Hospitais da Universidade de Coimbra, da indemnização de € 109,50 (cento e nove euros e cinquenta cêntimos).

(…)”.

Inconformados, os demandados R... e F... interpuseram recurso desta sentença, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: I - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos pelas seguintes ordens de razão: 1 - Impõe-se a modificação da decisão do tribunal "a quo"sobre matéria de facto, a qual se impugna; 2 - Caso assim não se entenda, não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica mas não se aceita, impõe-se a redução do valor em que os recorrentes foram condenados a pagar ao demandante civil, a título de indemnização; 3 - Caso assim não se entenda, não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica mas não se aceita, relativamente ao demandado/recorrente R… impõe-se a exclusão do pedido de indemnização contra este formulado, face ao disposto no artigo 570º, do C. Civil.

II • PONTOS DE FACTO QUE OS RECORRENTES CONSIDERAM INCORRECTAMENTE JULGADOS (art. 412°, nº, 3, al, a), do CPP): Os recorrentes consideram incorrectamente julgados os factos descritos sob os pontos 7 a 10 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epigrafe “a) da dinâmica dos eventos”, bem como os factos descritos sob o ponto 15 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epigrafe “b) dos danos”.

III - PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art. 412.°, n.º 3, al. b), do CPP): - Conjugação e confrontação das declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento de, em concreto: - Declarações do arguido F… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:37:06); - Declarações do arguido R... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:24:00); - Depoimento do demandante A... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:46:38); - Depoimento da testemunha F... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:34:33); - Depoimento da testemunha B… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:19:46 e de 00:00:01 a 00:05:48); - Depoimento da testemunha T… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:14:00 e de 00:00:01 a 00:25:19); - Depoimento da testemunha/arguida M... (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:27:22); - Depoimento da testemunha D… (cfr. gravação digital da respectiva faixa de 00:00:01 a 00:22:35).

- PROVA DOCUMENTAL: Participação criminal feita pelo demandante em 24 de Junho de 2004, a fls. 2 dos autos, e o Auto de ocorrência datado de 23 de Junho de 2006, a fls. 34 dos autos.

IV - Entendem, pois, os demandados/recorrentes que das provas produzidas em audiência de julgamento, acima indicadas, bem como dos documentos constantes nos autos, também supra identificados, a decisão recorrida, proferida sobre a matéria de facto, deveria de ter sido em sentido oposto, ou seja, nessa decisão deveriam também integrar a lista dos factos não provados, descritos sob o ponto nº 1.2. daquela, os seguintes factos: “1.2. Factos não provados (...) não se provou: - que os demandados R...e F...reagiram desferindo vários murros e pontapés na face e nariz do demandante que, com a força dos impactos, caiu no chão.

- que seguidamente e encontrando-se o demandante no chão, os demandados desferiram-lhe diversos pontapés em várias partes do corpo, designadamente na cabeça.

- que nessa altura aproximou-se o filho do demandante, que o conduziu até ao veículo em que se haviam ambos deslocado, tendo-se os demandados afastado.

- que nessa altura e no momento em que o demandante se encontrava a entrar para o referido veículo, o demandado F...correu até ele e impulsionando-se deu um encontrão com os dois pés na porta lateral direita do referido veículo, que foi atingir o demandante, nomeadamente na cabeça, ficando este entalado.

- que por força das referidas lesões o ofendido passou a tomar diariamente diversos medicamentos que antes não tomava, tendo gasto a quantia de € 513,84.

V - Ora, decidindo-se neste sentido, o único admissível no entender do recorrentes, impunha-se a total absolvição dos demandados do pedido de indemnização contra si formulados nos presentes autos.

VI - Como se diz na motivação (sob o ponto 1.3.) da decisão da matéria de facto da douta Sentença recorrida (a fls. 5 da mesma), o tribunal formou a sua convicção, além do mais, e no que à dinâmica dos eventos (sob o ponto 6) respeita, nos depoimentos dos intervenientes directos que depuseram relatando apenas uma parte dos factos (a parte em que foram vítimas) e omitindo a parte em que, por outro lado, foram agressores. E o mesmo se diga relativamente aos depoimentos das testemunhas M...e F… (filho do demandante).

VII - Segundo a motivação da decisão ora recorrida, os demandados e a testemunha M...relataram de forma credível as agressões de que foi vitima o demandado R..., mas negaram as agressões que os próprios demandados infligiram ao demandante na sequências daquelas primeiras agressões.

VIII - Por outro lado, o demandante e a testemunha F..., seu filho, foram credíveis ao relatar as agressões de que o demandante foi vítima, mas negaram as agressões que o demandante infligiu no demandado R....

IX - Para o Tribunal "a quo" não teve qualquer relevância para a decisão sobre a matéria de facto proferida as aludidas negações. O Tribunal considerou, tendo em conta os critérios de experiência comum e analisando o contexto dos factos e as lesões e versões apresentadas, apenas como inteiramente credíveis as versões apresentadas na parte em que imputaram os factos a cada um dos agentes, considerando que as negações acima indicadas (ou seja, a negação dos próprios factos) não passou de mera estratégia processual.

X - O Tribunal "a quo" considerou, ainda, naquela motivação, que os depoimentos das testemunhas R... e D… não mereceram qualquer relevância porque não os considerou credíveis, XI - Discordamos frontalmente desta análise que a douta Sentença "a quo" fez da prova produzida nessa apreciação da prova têm de ser respeitadas as regras do ónus da prova aplicáveis em concreto, sendo importante salientar que no caso "sub judice" o ónus da prova impende única e exclusivamente sobre o demandante. Cabia, pois, antes de tudo, ao demandante provar que foram os demandados os autores das agressões que o mesmo alega ter sido vítima.

XII - Conforme resulta da motivação, o Tribunal "a quo" considerou como provados os factos descritos sob os pontos 7 a 10 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epígrafe “a) da dinâmica dos eventos”, bem como os factos descritos sob o ponto 15 dos factos provados da douta sentença recorrida, sob a epígrafe “b) dos danos”, tendo apenas e sobretudo por base o depoimento do demandante e da testemunha F... (filho daquele) na parte em que relataram as agressões de que o demandante foi vítima, pois só nesta parte é que o Tribunal considera credível tais depoimentos.

XIII - Ou seja, a única prova em que o Tribunal se baseia para considerar provados os factos acima indicados, que se traduzem essencialmente no considerar provado que foram os demandados que agrediram o demandante, é o depoimento, ou melhor dizendo, metade de cada um dos depoimentos prestados quer pelo próprio demandante (com interesse na causa) quer pelo seu próprio filho.

XIV - Ora, se é o Tribunal “a quo” a considerar que estes depoimentos são apenas credíveis parcialmente, ou seja, exactamente na parte em que interessa aos próprios depoentes, sendo que relativamente à autoria das agressões alegadamente sofridas pelo demandante não existe nos autos qualquer outra prova na qual o Tribunal pudesse basear a sua decisão (é própria motivação da decisão recorrida indica exactamente isso) julgamos que estes depoimentos, não podem fazer prova cabal e capaz de levar à condenação dos demandados como se decidiu na primeira instância e, no entender dos recorrentes, erradamente.

XV - Desde logo porque o ónus da prova cabia ao demandante. E sendo assim, julgamos que o seu depoimento e o...

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