Acórdão nº 2924/07.5TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA EM PARTE Sumário : 1. Estando, na actualidade, o princípio do dispositivo fortemente atenuado, reconhece-se ao Tribunal a possibilidade de basear a sua decisão não só nos factos alegados pelas partes, como ainda, observados que sejam certos requisitos, noutros que, apesar de não expressamente alegados, se evidenciem no decurso da acção e se mostrem relevantes para o desfecho da lide.

  1. Pelo que, alegados determinados factos fundamentais, de cuja prova depende, v.g., a eficácia da defesa, deve o Juiz, por sua iniciativa ou a requerimento da parte, considerar os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, ainda que não oportunamente carreados para os autos.

  2. Incumbindo às partes alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir ou que fundamentem a excepção (art. 264.º, nº 1 do CPC), pode agora o Tribunal promover, por sua iniciativa, a investigação dos factos instrumentais durante a instrução e discussão da causa.

    Assim se reconhecendo poderes inquisitórios do Tribunal sobre os factos instrumentais.

  3. A proibição da concorrência nas sociedades por quotas, prevista no art. 254.º do CSC, em si mesma, é apenas dirigida aos gerentes e não aos meros sócios, sendo certo que, em relação a estes, a citada lei das sociedades comerciais, prevê a sua exclusão, por força do seu art. 242.º, nº 1, por violação do dever de lealdade a que perante a sociedade está sujeito.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA – ESCOLA DE DANÇAS DO PORTO, LDA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, pedindo a sua exclusão de seu sócio e a sua condenação a restituir todos os documentos da sociedade indevidamente por si possuídos e a pagar-lhe a quantia de € 100 000, bem como as despesas que se venham a liquidar em execução, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.

    Alegando, para tanto, e em síntese: O réu, na qualidade de seu sócio, foi sempre quem, desde a sua constituição, geriu a sua actividade, tendo ficado com toda a documentação relativa à sociedade, nomeadamente a referente à contabilidade, nunca tendo fornecido tais elementos, mesmo quando solicitado para o efeito.

    Recebeu as prestações dos alunos da sociedade, nunca tendo dado conta do dinheiro em causa.

    Não cumpriu com as obrigações da sociedade para com os seus devedores, o que a levou a entrar em ruptura financeira, Em determinada altura, levou a maior parte dos alunos da autora para uma outra escola sua, sem dar conhecimento dessa situação, com os inerentes prejuízos que à mesma causou.

    Citado o R., veio contestar e reconvir, alegando, também em síntese: Há falta de mandato da sociedade relativamente à sócia que outorgou a procuração para instaurar a presente acção.

    Impugna os factos pela autora alegados, susceptíveis de levarem à procedência da acção.

    A conduta da autora, que melhor explicita no seu articulado, causou-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais, que estima em € 35 000.

    Pedindo a condenação da autora no seu pagamento, bem como nos juros de mora, contados desde a citação.

    Respondeu a autora, mantendo a sua pretensão inicial, pugnando pela improcedência da reconvenção, cujo arrogado direito aí exercido sempre estaria prescrito.

    Treplicou o réu.

    Foi proferido o despacho saneador, no qual, e alem do mais, não se admitiu a reconvenção deduzida pelo réu, com a absolvição da autora da instância. Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

    Realizado o julgamento, foi decidida matéria de facto da base instrutória pela forma que de fls 646 a 653 consta.

    Foi proferida a sentença, na qual, julgando-se a acção parcialmente procedente, foi decretada a exclusão do réu como sócio da sociedade, tendo o mesmo sido condenado a restituir à autora todos os documentos da sociedade que estejam em seu poder. Absolvendo-se o réu do demais peticionado.

    Inconformada, veio a autora (1) .

    interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de 29/6/2009, e na sua parcial procedência, foi ainda o réu condenado a pagar à autora indemnização em quantitativo a liquidar posteriormente.

    Agora irresignado, veio o réu pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O Recorrente, apesar de continuar convencido de ter existido violação de lei substantiva, quer por erro de interpretação, quer por erro de determinação e de aplicação quanto à selecção, apreciação e reapreciação da matéria de facto e força probatória dos depoimentos e documentos juntos a estes autos, limitará o seu recurso aos erros de interpretação, determinação e aplicação das normas legais. Como é sabido, a lei portuguesa consagrou e ainda consagra o princípio do dispositivo (apesar de agora um pouco mais limitado) - artigo 264° do Código de Processo Civil - pelo que às partes compete alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.

    1. - Contudo, com a reforma do processo civil, por um lado, as partes perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, e por outro, o tribunal passou a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio, que é, em derradeira análise, o fim último de todo o processo. Daí que, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova - artigo 514° do Código de Processo Civil e do dever de obstar ao uso anormal do processo - cfr. art.º 655° do Código de Processo Civil, reconhece-se ao Juiz a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, os factos meramente instrumentais e de os utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa.

    2. - Ora, reportando-se ao caso em apreço, constatamos, salvo melhor opinião e com o devido respeito, que o Tribunal a quo não fez uso das faculdades e da inquisitoriedade que agora tem disponível para alcançar a justa composição do litígio, antes se limitando a ser, um mero espectador (com poderes arbitrais), não procurando aproximar-se da verdade material e alcançar a referida justa composição do litígio. O artigo 655° do Código de Processo Civil consagra o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com esta disposição "(...) salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (..)" 4ª - Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião impunha-se, no Douto Acórdão, agora em crise, a alteração da decisão da matéria de facto e a formulação de novos quesitos, pelo Tribunal da Relação, nos termos do disposto na alínea a) e b) do nº1 e nº 2 do artigo 690 - A, do Código de Processo Civil, com as alterações previstas no Decreto Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, na alínea a) e b) do nº 1 e dos nºs 2 e 3 do artigo 712° do Código de Processo Civil, ou a anulação da decisão proferida em primeira instância, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 712° do Código de Processo Civil. No entanto, o que sucedeu, ainda que de forma inesperada e incompreensível, para o Recorrente, foi que no Douto Acórdão, se pugnou pela existência de prejuízos causados pelo comportamento do Recorrente susceptíveis de serem indemnizados nomeadamente - das quantias pagas pelos alunos da Recorrida e os da concorrência desleal - alegando existir dano na circunstância do Recorrente dar aulas aos alunos da Recorrente desviando-os desta.

    3. - Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, no Douto Acórdão, sempre poderiam os Senhores Juízes Desembargadores lançar mão dos restantes meios previstos no artigo 712º do Código de Processo Civil, que consagra, ainda que a título excepcional um meio processual, excepcional, circunscrito às hipóteses em que a renovação dos meios de prova se revele indispensável ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos da matéria de facto impugnados, o que in casu sucede. Ora, quer os depoimentos das testemunhas do Recorrente, quer os referidos documentos não valorados eram fundamentais, para se alcançar a verdade material, tanto mais que quer o depoimento do Sr. Eng. Costa, quer do Senhor Engenheiro Assunção, que se encontram gravados, eram suficientes para se perceber que não houve qualquer desvio de alunos por parte do Recorrente, conforme aliás se constata pela resposta à base instrutória do ponto 28) e que não foi sequer levado em consideração.

    4. - E isto quando dos presentes autos constam todos os elementos necessários, quer quanto aos factos, quer quanto aos meios de prova e quando as referidas faculdades existem de, por exemplo, os Ilustríssimos Julgadores requererem, quanto aos factos que lhe era lícito conhecer, qualquer diligência necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, ou ainda de, depois de encerrada a discussão, fazer uso da faculdade de, caso não se julgasse suficientemente esclarecido, poderiam ouvir as pessoas que entendessem e ordenar as diligências que julgassem necessárias, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 653º do Código de Processo Civil - ao contrário, salvo melhor opinião, do que é referido/defendido pelos Ilustres Desembargadores, sendo possível anular a decisão de primeira instância. A ser assim, salvo o devido respeito, não andaram bem os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, uma vez que possuíam todos os meios legais ao dispor para reapreciar a prova e concluir pelo erro na sua apreciação e não manter a decisão de primeira instância, com base no principio da livre apreciação da prova e da imediação perceptível apenas pelo julgador que contacta directamente com a mesma em sede de julgamento.

    5. - Mas analise-se um pouco mais a pormenor tudo o que se passou na referida sociedade para se perceber que em matéria de danos indemnizáveis razão tinha o Mmo. Juiz a quo ao fazer constar que os mesmos não existiam. Cronologicamente foram-se...

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