Acórdão nº 427/08.OTBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário : I - A partir da reforma operada pela Lei 59/98, de 25-08, pretendendo o recorrente impugnar um acórdão final proferido por tribunal colectivo, pode optar por uma de duas coisas: visando exclusivamente o reexame de matéria de direito – art. 432.º, al. d) – dirige o recurso directamente ao STJ; se não visar exclusivamente este reexame, dirige-o então, de facto e de direito, à Relação (arts. 427.º e 428.º, n.º 1, do CPP), caso em que da decisão desta, não sendo caso de irrecorribilidade, nos termos do art. 400.º do CPP, poderá depois recorrer para o STJ.

II - Neste caso, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o STJ, em certos casos, se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.

III - A partir de então passou, assim, a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente, porque não confinada ao texto da decisão, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades.

IV - No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.

V - No segundo caso – impugnação da matéria de facto nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP – a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do CPP.

VI - Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, não sendo tão restrita como a operada através da análise dos vícios decisórios – que se circunscreve ao texto da decisão em reapreciação – por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto, quatro tipo de limitações: - uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignada na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - a nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; - há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento integral, mas antes um reexame necessariamente segmentado, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo; - e a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

VII - Constitui princípio geral do direito processual que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da 1.ª parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP. Omitindo o tribunal esteve dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula – arts. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

VIII - No caso presente, deveriam ser “reavaliadas” da forma possível (na ausência de oralidade, imediação e concentração) as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa da recorrida, sendo que, para a hipótese de se considerar a existência de alguma insuficiência nas indicações prescritas, sempre haveria que lançar mão do mecanismo corrector do n.º 3 do art. 417.º do CPP.

IX - O acórdão recorrido não se debruçou sobre a questão suscitada sobre matéria de facto, sendo, portanto, nulo, por omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto (arts. 379.º, n.º 1, e 425.º, n.º 4, do CPP).

Decisão Texto Integral: No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 427/08.0TBSTB, da Vara de Competência Mista de Setúbal, foi submetido a julgamento o arguido AA, também conhecido por AA e AA, filho de BB e CC, natural de Cosntanta, Roménia, nascido a 1 de Janeiro de 1980, casado, sem profissão conhecida, sem residência fixa em território nacional, actualmente preso preventivamente, à ordem dos presentes autos.

Realizado o julgamento, por acórdão de 12 de Março de 2009, constante de fls. 2874 a 2950, do 10.º volume, foi o arguido: a) Absolvido quanto ao crime de dano simples, p. e p. artigo 212º nº 1 do Código Penal (na viatura Ford Fiesta, com a matrícula …).

  1. Condenado, pela prática, em co-autoria material e em concurso efectivo de: 1- Um crime de homicídio qualificado na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas g) e i), do Código Penal, (na pessoa de DD), na pena parcelar de 16 (dezasseis) anos de prisão; 2- Um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas g) e i), 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 23.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal (na pessoa de EE), na pena parcelar de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão; 3 - Um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g), ambos do Código Penal, na T..., na pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão; 4 - Um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g), ambos do Código Penal, praticado na “O... P...”, na pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão; 5 - Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal, praticado no Ecomarché, na pena parcelar de 14 meses de prisão; - Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal, da viatura Renault Clio, na pena parcelar de 14 meses de prisão; 6 - Dois crimes de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal, das viaturas Ford Fiesta, nas penas parcelares de 9 meses de prisão, por cada um; 7 - Um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal (dos objectos na portaria da I...

    ), na pena parcelar de 16 meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico, foi o arguido, ora recorrente, condenado na pena única de 20 anos de prisão.

    Mais foi condenado a pagar, solidariamente, com FF, GG, HH, II e JJ (todos objecto de condenação então ainda não transitada, por acórdão proferido nos autos de PCC com o nº 427/08.0TBSTB de que os presentes foram objecto de separação), aos demandantes cíveis, a quantia global de € 67.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a contar da primeira data (nestes ou naqueles outros autos) em que ocorra o trânsito em julgado.

    Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu, conforme fls. 3124 a 3193, para o Tribunal da Relação de Évora, que por acórdão de 22 de Outubro de 2009, constante de fls. 3242 a 3282, negou provimento ao recurso.

    De novo irresignado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 3289 a 3343, e em original, de fls. 3350 a 3404, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pela 2a Secção do TRE que, erroneamente, porque se limitou a confirmar o acórdão proferido pela Vara de Competência Mista de Setúbal, decidiu negar provimento ao recurso.

    1. Não tendo este Tribunal apreciado convenientemente as questões, quer de facto quer de direito, apresentadas pelo recorrente, entende este que o Tribunal ad quem não pode deixar de as conhecer.

    2. Assim, não existindo outra forma de as dar a conhecer, que não a sua reprodução, entendeu o recorrente, por não escolher melhores palavras para dizer o mesmo, repetir a motivação e as conclusões uma vez que o Tribunal a quo não respondeu.

    3. Cumpre referir que a Vara Mista de Setúbal baseou a sua convicção, única e exclusivamente, nos depoimentos dos co-arguidos e testemunhas do ora recorrente.

    4. Acresce que, perante a prova produzida em audiência de julgamento, a Vara Mista deveria ter considerado assentes factos que se afiguram de importância fundamental para a boa solução e compreensão da causa, mas que, ao...

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