Acórdão nº 291/09.1TBALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução17 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.ºdo DL 15/93,de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º, do citado DL 15/93.

II - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.

III - Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado.

IV - Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do art. 25º do DL 15/93, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir, como já atrás se consignou, os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime tipo.

V - Vindo provado que o arguido durante cerca de 1 ano fez da venda e distribuição de heroína e cocaína a sua única actividade, a qual exercia quer directamente quer por interposta pessoa, transaccionando aquelas substâncias estupefacientes de forma indiscriminada, a quem se lhe dirigia pessoalmente ou a quem previamente as encomendava telefonicamente, actividade da qual exclusivamente vivia, que durante esse período de tempo vendeu cocaína e heroína a múltiplas pessoas, sendo que no dia em que foi detido trazia consigo, destinando em grande parte à venda, 10, 6 g. de cocaína, repartida por 39 doses individuais, e 8,1 g. de heroína, das quais 3 g. repartidas em 14 doses individuais, é inequívoco, que o comportamento delituoso assumido pelo arguido não pode ser subsumido à norma do art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22-01, posto que a ilicitude do facto não se mostra consideravelmente diminuída, antes claramente acentuada.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

No âmbito do processo supra referenciado, do 3º Juízo Criminal de Almada, AA, com os sinais dos autos, foi condenado pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, na pena de 9 anos e 9 meses de prisão.

Na sequência da parcial procedência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, que visou o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, foi decidido alterar a matéria de facto e a qualificação jurídica dos factos, julgando-se por não verificada a circunstância agravante especial da reincidência, bem como reduzir a pena, a qual foi fixada 6 anos e 6 meses de prisão.

O arguido interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação - (1).

: 1. O presente recurso para este Colendo Tribunal retira a sua admissibilidade da circunstância de não ter havido coexistência da matéria de facto provada entre as duas anteriores instâncias, inexistindo, portanto a dupla conforme.

  1. Na verdade, a fls. 47 do douto acórdão recorrido é reconhecida expressamente a alteração da matéria de facto (ali também devidamente realçada a negrito) quanto aos pontos 7, 22 e 23, dos factos provados, tendo-se eliminado o primeiro e alterada a redacção dos seguintes, bem como tendo-se acrescentado como não provados três factos da maior relevância para a sua qualificação jurídica (nomeadamente o Tribunal de lª instancia havia condenado o recorrente por 30 transacções num período de um ano quando o acórdão do T.R.L. ora recorrido altera tal quantidade para 15 vezes -total que resta das trinta vendas porque inicialmente tinha sido acusado e condenado em 1a instância depois de abatidas as dezassete que o douto acórdão recorrido acabou por dar como não provadas a fls. 47 e relativas aos pontos 22 e 23 dos factos provados e dos três factos novos considerados não provados).

  2. Como adiante se demonstrará, o douto acórdão recorrido não atendeu ao disposto no artigo 25° do Dec-Lei 15/93, e entendeu que o recorrente, também consumidor de estupefaciente, durante um ano se dedicou à actividade de tráfico de droga, fazendo desta o seu modo de vida, apesar de durante o aludido período ter efectuado apenas quinze transacções (o que perfaz uma média de uma transacção por mês).

  3. A menor severidade da punição consagrada no art. 25.º corresponde a uma menor perigosidade presumida da acção para os bens jurídicos protegidos por tal norma, a saber, a saúde e a integridade física dos cidadãos, ou mais sinteticamente a saúde pública. Nos termos desse preceito, a diminuição considerável da ilicitude deverá resultar da consideração e apreciação conjunta das circunstâncias, factores ou parâmetros aí enunciados, bem como eventualmente de outros com tal potencialidade, dado que a enumeração a que ali se procede não é taxativa 5. Por conseguinte, a apreciação a que há que proceder tem de ter em vista uma ponderação global das circunstâncias que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tomem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, naquele caso concreto, pelo art. 21.º do referido Decreto-Lei, já que o art. 25.º é justamente para situações de tráfico de estupefacientes (o que, por vezes, parece andar esquecido), mas em que esse tráfico se não enquadra nos casos de grande e média escala, a que corresponde a grave punição expressa na respectiva moldura penal, que vai de um mínimo de 4 a um máximo de 12 anos de prisão. Trata-se, pois, de casos de menor gravidade, mas, ainda assim, de casos com uma certa relevância - só que não a relevância das situações que podem caber na previsão do tipo legal do art. 21º. É preciso não esquecer, como se frisa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/99, Processo n.º 912/99, relatado pelo Sr. Dr. Juiz Conselheiro Armando Leandro, que «a tipificação do art. 25.º do DL 15/93 parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo da natural rigor da concretização da intenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa de punição desses casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21º e têm suporte adequado dentro da moldura pena] prevista na norma indicada em primeiro lugar».

  4. A moldura penal prevista para o citado art. 25.º -1 a 5 anos de prisão - inculca, na verdade, que não estamos em presença de simples bagatelas penais, mas de casos com certa gravidade (menor, apesar de tudo, do que a correspondente ao tipo fundamental do art. 21º).

  5. Ora, como se pondera, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2002 – Processo nº 2576/02 -5, na valorização global das circunstâncias para efeitos de integração da...

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