Acórdão nº 05893/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO CARVALHO
Data da Resolução18 de Março de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 478 que julgou improcedente a presente providência cautelar.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões: O que importa analisar e decidir é se um acto administrativo que concede uma autorização de comercialização de um medicamento genérico que irá violar uma patente válida e em vigor, é inválido porque ilegal e, por isso, se for concedido pelo Infarmed, deve ser anulado pelo tribunal.

Colocada correctamente a questão, ao Tribunal a qno só restaria concluir que as AIMI impugnadas deveriam ser declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135° e 133°, n.° 2 c) e d) do CPA, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração de medicamento genérico, e logo violação, pelas Contra-Interessadas, da Patente. Tendo como consequência o permitir a violação de normas constitucionais (nomeadamente os artigos 62° e 266° da Constituição), que visam a protecção de um direito fundamental.

Com a patente é conferido ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, sendo que tal corresponde ao direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, qualquer actuação que viole essa patente, seja o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio.

Nos termos do artigo 316° do Código da Propriedade Industrial, o direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente, goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral. Assim, é-lhe atribuída especifica protecção constitucional, como direito fundamental tendo a natureza de "direitos, liberdades e garantias", beneficiando do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17° da Constituição.

Neste sentido tem entendido a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, como defendido nos acórdãos proferidos no Processo n.° 3887/08; Processo n.° 3886/08, Processo n.° 4265/08; Processo n.° 4219/08 e Processo n.° 4034/08.

Sempre que não respeite o principio da legalidade, o acto de concessão de ATM a um medicamento, sendo um acto administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade, será ilegal.

O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade com todo o ordenamento jurídico, sendo que a ausência dessa conformidade constitui infracção ao ordenamento jurídico e tem como consequência a invalidade da actividade administrativa.

As AIM impugnadas devem ser declaradas nulas, nos termos do artigo 133° n° 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que ofendem o conteúdo essência. de um direito fundamental - os Direitos de Propriedade Industrial da Recorrente emergentes da Patente.

A principal missão da providência cautelar administrativa é a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto-é, o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil.

Só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os "prejuizos de difícil reparação".

Da emissão da ATM que se pretende anular resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade a essa acção, tornando-se, assim, imperiosa e urgente a emissão de uma medida cautelar adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal.

Mas mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais de reparação difícil.

A comercialização dos medicamentos genéricos irá implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo concedido pela Patente de que é titular, equivalendo essa situação à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem pertencente à ora Recorrente.

Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na retirada temporária de uma parte do activo da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

De facto, tal compensação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento Se a providência não for concedida com base no argumento de que a Recorrente sempre poderia vir a ser compensada pelos prejuízos sofridos, tal iria contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural e iria violar o princípio constitucional da efectiva protecção decorrente do artigo 20°, n° 4 da CRP.

O facto de os danos resultarem da comercialização futura dos medicamentos genéricos pelas Contra-Interessadas não os desqualifica para efeitos da sua apreciação, uma vez que não têm que ser actuais mas sim, precisamente, futuros, no teor inequívoco da alínea b) de n° l do artigo 120° do CPTA.

Acresce que a lei não exige que os danos futuros, que ao caso interessam sejam de ocorrência certa, mas sim que se verifique um justificado receio de que danos venham a ocorrer se a providência não for decretada, ou seja, que os danos sejam prováveis.

A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento é causa adequada dos danos produzidos por essa introdução, uma vez que ela é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam.

A ora Recorrente alegou factos que são suficientes para a demonstração do fundado receio de vir a sofrer prejuízos importantes e de difícil reparação.

A decisão recorrida, ao negar a verificação do pericvlum in mora por considerar que se não verifica uma situação de facto consumado e que os prejuízos que a Recorrente justamente receia vir a produzir-se se a presente providência não for concedida não se enquadram nos previstos no artigo 120° do CPTA, erra na interpretação dessa disposição legal e do disposto nos artigos 563° do Código Civil.

A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento.

Tendo em conta o que foi provado nos presentes autos, conclui-se facilmente que os danos que resultariam da concessão da providência são manifestamente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

As Contra-Interessadas não alegaram quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e mesmo que se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário do que é exigido pelo n° 2 do artigo 120° do CPTA para que as providências possam ser recusadas.

A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles encontrando-se os artigos 511° do CPC, 563° do Código Civil, artigos 112° e 120° n° l a) e b) do CPTA, artigos 133° n° 2 c) e d) do CPA e artigos 18°, 62° e 266° da Constituição.

Também no que se refere ao requerido DGAE, e aplicando-se igualmente o acima exposto, a sentença fez uma interpretação errada das questões colocadas, aplicando de forma errada a Lei.

O Tribunal Central Administrativo Sul tem concedido processos cautelares exactamente iguais ao dos presentes autos, com os mesmos argumentos apresentados pela ora Recorrente, através dos Acórdãos, entre outros, de 26 de Junho de 2008 (Processo n° 3887/08), de 3 de Julho de 2008 (Processo n° 3891/08), de 11 de Setembro de 2008 (Processo n° 3782/88), de 18 de Setembro de 2008 (Processo 3886/08), de 2 de Outubro de 2008 (Processo n.° 4265/08), de 17 de Outubro de 2008 (Processo n.° 04219/08), de 30 de Outubro de 2008 (Processos n.°s 4205/08 e 4232/08), de 6 de Novembro de 2008 (Processo n.° 3993108), de 13 de Novembro de 2008 (Processo n.° 4231/08), de 4 de Dezembro de 2008 (Processo n.° 4351/08), de 22 de Janeiro de 2009 (Processo n.° 4614/08), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo n.° 3990/08), de 14 de Maio de 2009 (Processo n.° 4564/08) e de 10 de Setembro de 2009 (Processos n.° 5333/09 e 5384/09).

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser a decisão recorrida revogada e substituída por decisão que decrete a providencia nos termos requeridos.

A recorrida veio contra-alegar, formulando as seguintes conclusões: 1ª. Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de concessão de AIMs referentes aos medicamentos genéricos com o principio activo “Clopidogrel”, tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal ao quo.

  1. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar.

  2. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios.

  3. Da factualidade dada como provada resulta que as AIMs são actos insusceptíveis de lesar os direitos de propriedade industrial da Recorrente.

  4. Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efectiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade administrativa dirimir.

  5. Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.º do CPA.

  6. Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do art. 62º da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir actos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo...

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