Acórdão nº 0528/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Março de 2010

Data18 Março 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A…, com os sinais dos autos, interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP) recurso contencioso de anulação do despacho, de 4.4.03, do Vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, B…, que ordenou a demolição de um armazém, ilegalmente construído em terreno situado no lugar de … da Marinha, bem como a remoção de todos os materiais inertes depositados, sem autorização administrativa, nesse terreno, no prazo de vinte dias, sob pena de, não sendo cumprida essa ordem em vinte dias, a própria Câmara proceder a tais demolição e remoção a expensas daquele recorrente.

A fundamentar esse recurso contencioso, o recorrente invocou a existência de vícios de incompetência, erro nos pressupostos de facto e de direito e de desvio de poder.

Por sentença de 18.1.08, proferida a fls. 71, ss., dos autos, o TAFP julgou «inverificados os vícios imputados ao acto recorrido» e, por consequência, negou provimento ao recurso contencioso.

Inconformado com tal decisão, dela veio o recorrente interpor recurso, tendo apresentado alegação, com as seguintes conclusões: 1. O recorrente imputou ao despacho recorrido o vício da FALTA DE COMPETÊNCIA PARA PRÁTICA DO ACTO RECORRIDO por falta absoluta de competência do recorrido à data do início do procedimento, durante a sua instrução, e ainda para formulação do projecto de decisão, bem como da intenção de proferir a mesma a final.

  1. Imputou também tal vício ao acto em apreço por falta de competência do recorrido, mesmo após a atribuição da delegação de competências pelo Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Gaia, em 25-03-2003, pois ao mesmo apenas foi cometida a competência para fiscalização administrativa, destinada a assegurar a conformidade das operações com as disposições legais e regulamentares, mas tal não incluir as medidas de tutela da legalidade urbanística.

  2. Imputou ainda o vício da incompetência ao despacho impugnado por inexistir habilitação legal que permitisse ao Presidente da Câmara delegar em Vereador a competência para emitir as ordens de embargo, bem como de demolição de obra e reposição do terreno, e de cessação de utilização de prédio ou terreno, previstas nos artºs. 102°, 106° e 109° do D.L. 555/99, da competência exclusiva do Presidente da Câmara, não havendo previsão legal para tal delegação de competências.

  3. A sentença recorrida não apreciou o vício descrito tendo em conta todas as invocadas modalidades de incompetência, não apreciando a invocada falta de competência para o acto, por parte do recorrido, mesmo após a atribuição da delegação de competências indicada de 25-03-2003.

  4. Esta falta de competência era uma questão concreta que a sentença tinha de apreciar e sobre a qual não se pronunciou, pelo que incorreu na causa de nulidade prevista pelo artº 668°, n° 1, al. d) do Código de Processo Civil.

  5. Deverá, assim, ser decretada a nulidade da sentença proferida, sendo o processo remetido à primeira instância para apreciação do vício invocado, com a latitude e de acordo com os fundamentos invocados pelo recorrente onde se inclui a alegada falta de competência do recorrido também por esta se não considerar incluída no despacho de delegação de competências de 25-03-2003, e assim se conhecendo da nulidade da sentença nos termos do artº 110°, alínea a) da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n° 267/85, de 16 de Julho, aplicável à presente causa.

  6. Sem prejuízo, e por mera cautela, sempre deverá considerar-se que a alegação da falta de competência do recorrido esteve sempre, e está patente, na alegação apresentada na petição inicial e complementada nas alegações.

  7. E sendo a competência para fiscalização administrativa apenas destinada a assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares, a mesma não inclui as medidas de tutela da legalidade urbanística.

  8. De facto a lei consagrou expressamente de forma autónoma e separada de qualquer competência de "Fiscalização" a intervenção do Presidente da Câmara na aplicação das medidas de tutela da legalidade urbanística, como resulta expresso no teor dos artigos 102° 105° e 106° do RJUE, aprovado pelos Decretos-Lei n° 555/99, de 16-XII, e 177/2001, de 14-VI.

  9. Mesmo que se admitisse a hipótese de ser delegada em Vereador a competência do Presidente da Câmara no âmbito da tutela da legalidade urbanística, esta não foi em definitivo delegada no recorrido, pelo que se verificou a alegada incompetência.

  10. A sentença recorrida também decidiu mal a invocada questão da falta absoluta de competência do recorrido à data do início do procedimento, durante a sua instrução, e ainda para formulação do projecto de decisão, bem como da intenção de proferir a mesma a final, não sendo aceitável a tese de que apenas seria necessário ter competência para "ordenar a demolição" e não para o procedimento que antecedeu o despacho recorrido.

  11. Está-se perante um decurso procedimental que a lei determinou (artºs 100° a 105 do C.P.A.) e que, em resumo, consagrou a obrigatoriedade de uma prévia instrução, de formulação de um projecto de deliberação e na audiência dos interessados sobre os mesmos, que integra a decisão de aprovação prévia de uma proposta de decisão, por quem tem competência para a decisão final (artº 105° do C.P.A.).

  12. A decisão final mais não é que o culminar do procedimento e a confirmação (por regra) da decisão projectada, que dependem necessariamente, em todo o procedimento, da entidade competente para a decisão final.

  13. O referido procedimento prévio constitui uma formalidade essencial do acto que depende de quem tem competência para a decisão final e a falta de competência para a formulação do projecto de decisão não pode, assim, deixar de ter a mesma sanção que a falta de competência para a emissão da decisão final.

  14. Ao entender que a exigência da competência para o despacho recorrido apenas abrangia a competência para ordenar a demolição, e não exigia ao autor competência para todas as fases do procedimento que levava a tal decisão, a sentença violou o disposto nas indicadas normas dos artºs 100° a 105° do C.P.A. e artºs 106° e 107° do RJUE (D.L. 555/99).

  15. De facto, estando provado que o recorrido não tinha competência para determinar a instrução do processo, para formulação do projecto de decisão, e para decidir da intenção de proferir a mesma a final, provado está que o recorrido não tinha competência para todo o procedimento, que está desde início inquinado, e tal falta de competência inquina também a decisão final.

  16. Por outro lado a sentença recorrida decidiu mal a invocada questão da falta de habilitação legal para o Presidente da Câmara delegar em Vereador a competência para emitir as ordens de embargo, bem como de demolição de obra e reposição do terreno, e de cessação de utilização de prédio ou terreno, previstas nos artºs. 102°, 106° e 109° do D.L. 555/99.

  17. De facto, tais ordens só podem ser emitidas pelo Presidente da Câmara e a delegação de competências não está prevista na lei aplicável, o RJUE (aprovado pelos Decretos-Lei n° 555/99, de 16-XII, e 177/2001, de 14-VI).

  18. À data da prolação do acto recorrido as normas do RJUE revogavam tacitamente à normas que sobre tal matéria resultava da Lei das Autarquias Locais (Lei n° 169/99), sendo o RJUE um diploma específico, constituindo lei especial, que veio regulamentar em matéria de licenciamento (ou autorização) de obras de edificação ou demolição, sendo prevalecentes as suas regras em termos de atribuição de competência dos órgãos autárquicos envolvidos.

  19. O RJUE (aprovado pelos Decretos-Lei n° 555/99, de 16-XII, e 177/2001, de 14-VI) estipulava expressamente no artº 102, relativo ao embargo, a competência do Presidente da Câmara, tal como no artº 105° relativo aos trabalhos de correcção ou alteração, e no artº 106°, referente à determinação da demolição e reposição do terreno, e no artº 109°, quanto à ordem de cessação de utilização, mas em nenhuma dessas regras estava prevista a delegação de competências como, por exemplo, no artº 5°, nos nºs 1, 2 e 3, do mesmo diploma.

  20. A falta de habilitação legal para a delegação de competência na matéria do despacho recorrido e em apreço no recurso contencioso que a sentença sub judice decidiu, isto é a ordem de demolição do armazém, de remoção dos inertes depositados, e de imposição coerciva das mesmas, nos termos do artº 106° do RJUE, torna inválida e inexistente tal delegação, invalidade que inquina irremediavelmente o acto proferido, aliás como a sentença recorrida também constatou, mas com conclusão diversa.

  21. Também neste particular a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 106° e 107° do RJUE e no artº 35°, n° 1 do C.P.A.

  22. Deverá, assim, ser anulada a sentença em apreço, por omissão de pronúncia sobre questão essencial que devia ter conhecido, e ter incorrido na causa de nulidade prevista pelo artº 668°, n° 1, al. d) do Código...

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