Acórdão nº 125/10 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução12 de Abril de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 125/2010

Processo n.º 28/10

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., arguido sujeito a obrigação de permanência na habitação, e recorridos o Ministério Público e B., a Relatora proferiu decisão sumária com a seguinte fundamentação:

2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 2567), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.

Se o Relator constatar que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.

- Quanto à 1ª interpretação normativa

3. Ciente de que, em regra, a lei processual constitucional impõe aos recorrentes um ónus de prévia suscitação das questões de inconstitucionalidade alvo de recurso para este Tribunal (artigo 72º, n.º 2, da LTC), o recorrente reconhece nunca ter suscitado qualquer incidente de inconstitucionalidade, relativamente, à 1ª interpretação normativa, mas alega que a aplicação daquela constituiu decisão-surpresa. Deste modo, invoca em seu benefício jurisprudência do Tribunal Constitucional que admite, excepcionalmente, a dispensa do ónus de prévia suscitação da inconstitucionalidade, quando a norma (ou interpretação normativa) aplicada pelo tribunal recorrida assume um carácter insólito, surpreendente ou inesperado.

Vejamos então se, atenta a configuração da questão concretamente em apreço nos autos, se justifica dispensar o recorrente do cumprimento do ónus de prévia suscitação.

Com efeito, a jurisprudência consolidada neste Tribunal apenas admite tal dispensa quando a aplicação da norma ou da interpretação normativa seja objectivamente imprevisível ou insólita. Assim, ver, a título de exemplo:

i) Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o Tribunal Constitucional tem dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como se refere na decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;

ii) Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como este Tribunal também tem salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 352/94), tal situação sofre restrições "em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final". É o que acontece também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse com ela.

Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como "decisão-surpresa", de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;

A natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma ou interpretação normativa efectivamente aplicada depende, todavia, do preenchimento de um grau reforçado de diligência do recorrente. Este grau de diligência implica uma antecipação das diversas soluções jurídicas potencialmente aplicáveis ao litígio controvertido, devendo precaver-se contra a adopção de soluções que, ainda que minoritárias, possam ser configuradas como objectivamente admissíveis face à letra da lei. Só no caso de não ter sido possível antecipar a aplicação de norma ou interpretação normativa contrária à Constituição da República – sendo esta possibilidade sempre aferida de modo objectivo – é que será admissível a dispensa de suscitação prévia da inconstitucionalidade. Neste sentido, ver:

i) Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem considerado até que cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão”;

ii) Acórdão n.º 479/89 – “(…) não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á – também logo mostra como a simples «surpresa» com a interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (…) em que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação «prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a quo».

Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também) com ela”.

No caso ora em apreço, não procede, porém, o argumento de que o recorrente não poderia ter antecipado, segundo um critério objectivo, a não aplicação da redacção do n.º 2 do artigo 420º do CPP, por força da sua revogação pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e da aplicação do artigo 5º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CPP. Com efeito, bastaria que o recorrente tivesse antecipado a possibilidade de aplicação da nova redacção da lei processual, por força da aplicação à sua situação processual da Lei n.º 48/2007, para que ficasse onerado a suscitar aquela inconstitucionalidade. Isto por ser por demais evidente que a nova redacção da lei processual penal, dispensava a unanimidade dos membros da conferência para efeito de rejeição do recurso, conforme sucedera, até então, por força do n.º 2 do artigo 420º do CPP, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007.

Ora, após notificado do parecer do Ministério Público – que propunha, precisamente, a aplicação da redacção conferida pela Lei n.º 48/2007 (ainda que a propósito de outra interpretação normativa) –, o próprio recorrente dedicou um capítulo (cfr. § I. do requerimento de resposta, entre fls. 2486 a 2496) à discussão sobre a admissibilidade da interpretação favorável à aplicação da lei nova, sem que tivesse dedicado qualquer linha à colocação do problema relativo à maioria necessária à rejeição do recurso. Como é bom de ver, ao saber que o seu recurso pode ser alvo de rejeição, ao abrigo do artigo 420º do CPP, o recorrente teria de antecipar as várias possibilidade de votação pela conferência: i) admissão por unanimidade; ii) admissão por maioria (com eventual voto de desempate); iii) rejeição por unanimidade; iv) rejeição por maioria (com eventual voto de desempate).

Sendo evidente que o recorrente dispunha das condições para antecipar, de modo objectivo, a possibilidade de aplicação da lei nova – inclusive, relativamente à maioria de rejeição do recurso –, ser-lhe-ia exigível, naquela altura, a invocação, “ad cautelam”, da inconstitucionalidade da 1ª interpretação normativa que constitui objecto do presente recurso. Tendo invocado a inconstitucionalidade de outras interpretações normativas, decorrente da aplicação da lei nova, ser-lhe-ia objectivamente exigível que tivesse suscitado aquela questão de inconstitucionalidade. Não o tendo feito então, não pode agora o Tribunal Constitucional dela conhecer, por força do n.º 2 do artigo 72º, da LTC.

- Quanto à 2ª interpretação normativa

4. A segunda questão de inconstitucionalidade diz respeito a saber se é constitucional a interpretação segundo a qual a “dupla conforme” exigível pela alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPC pode ser interpretada no sentido de nela se incluir uma decisão do Tribunal da Relação que apenas condenou o recorrente a uma pena de prisão de 8 anos quando o tribunal de 1ª instância o havia condenado a uma pena de prisão de 9 anos. De acordo com o recorrente, admitir que tal condenação “in melius”, por parte da Relação, pudesse equivaler a uma confirmação da condenação anterior constituiria uma ofensa aos artigos 18º, n.ºs 1, 2 e 3, 20º, n.º 1 e 29º, todos da CRP.

Vejamos, se assim, é.

O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, por diversas vezes, sobre a dimensão normativa questionada nos presentes autos, ainda que a propósito da redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007. Contudo, quanto à questão da “dupla conforme”, a nova redacção da lei processual não altera, em nada, aquelas conclusões.

Desde logo, em 03 de Janeiro de 2006 (cfr. Ac. n.º 2/2006, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), este Tribunal confirmou decisão sumária que havia concluído pela não inconstitucionalidade “da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que parcialmente, desde que in melius) decisão da 1.ª instância, quando o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não ultrapasse 8 anos de prisão”.

Nesse mesmo ano e mês, através do Ac. n.º 32/2006, de 11 de Janeiro (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional viria a reforçar a ideia de que não se reveste de inconstitucionalidade a interpretação que considera verificada adupla conforme nos casos em que um Tribunal da Relação reitera a condenação pela prática de determinado crime, mas decida diminuir a medida concreta da...

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