Acórdão nº 1846/06.1YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2009
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 25 de Novembro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - As consequências patrimoniais a extrair, no confronto entre um contrato de trabalho nulo e um contrato de prestação de serviço, não são idênticas, pois no primeiro caso – e porque a nulidade do contrato não impede que este produza efeitos, como se fosse válido, durante o período em que esteve a ser executado (art. 115.º, n.º 1 do CT) – à A. seriam necessariamente devidos, para além da retribuição base, os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal e, no segundo caso, caberia conferir apenas a “contrapartida” ajustada.
II - Acresce ainda que uma eventual qualificação do contrato como “prestação de serviço”, sempre impediria o foro laboral de sentenciar qualquer condenação emergente do seu incumprimento por lhe faltar, para o efeito, a necessária competência em razão da matéria.
III - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo constituído entre A. e R. (Instituto público), quando está provado que a A., no período de 1 de Dezembro de 2003 a 3 de Maio de 2004, trabalhou em exclusividade para o R., cumprindo o mesmo horário de trabalho que é imposto aos funcionários do Instituto, “picando o ponto”, justificando as faltas dadas, exercendo as suas funções nas instalações do R., que lhe disponibilizou todo o equipamento informático e demais meios logísticos, recebendo ordens e instruções dos directores de serviços do R. e integrando a própria lista dos “funcionários” que o próprio Instituto disponibiliza na Internet, estando, assim, patenteada a subordinação jurídica da A. para com o R.
IV - É materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do D.L. n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do D.L n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovados pelo D.L. n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, sem imposição do procedimento de recrutamento e selecção que garanta o acesso aos candidatos interessados em condições de liberdade e de igualdade.
V - Essa inconstitucionalidade acarreta a nulidade do contrato de trabalho celebrado sem prévio procedimento concursório.
VI - Cabe à A.(trabalhadora), alegar e provar que foi observado o procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurou a liberdade e igualdade de acesso à função pública, pelo que, não estando determinados os factos sobre a forma como o R. seleccionou a A. – o que impede o tribunal de sindicar o mecanismo selectivo, confrontando-o com aquelas exigências do Texto Fundamental –, tem de se concluir pela nulidade do contrato.
VII - Essa nulidade não impede que o contrato produza os seus efeitos, como se válido fosse, durante o período em que esteve a ser executado, os quais se reconduzem ao pagamento, por parte do R., da retribuição devida à A., bem como dos proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de Natal.
VIII - Não tendo as partes convencionado o valor das prestações retributivas (nem resultando as mesmas de instrumento de regulamentação colectiva), é cometida ao juiz a fixação da retribuição, ponderando a prática na empresa, os usos do sector e os usos locais (art. 265.º, n.º 1 do CT).
IX - Estando demonstrado que o R. propôs um valor de remuneração para uma tarefa, inicialmente prevista para dois meses, no montante global de € 698,32, a que correspondia o montante mensal de € 349,16, e que a A. continuou a trabalhar, como fizera até então e no mesmo sector, onde permaneceu, para além desses dois meses e até ser dispensada, tem de se entender que a A. aceitou essa retribuição, verificando-se um tácito acordo das partes nesse sentido.
X - Contudo, como o montante da retribuição nunca poderia ser, por imperativo legal, inferior ao salário mínimo nacional, assim como não poderia deixar de contemplar, por imperativo idêntico, o pagamento das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, tem de se fixar o valor da retribuição no montante correspondente ao fixado para o salário mínimo, nos anos correspondentes ao período em que decorreu a execução do contrato, no caso, de 2003 e 2004.
XI - A regra de que o contrato inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado, pelo que à cessação unilateral do contrato por iniciativa do R., antes da declaração oficiosa da sua nulidade, se aplica o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.
XII - A comunicação realizada pelo R. à A. que a partir daquela data não continuaria a trabalhar na Direcção de Estradas, do mesmo passo que lhe foi solicitada a entrega do cartão de acesso às instalações do R., por não ter sido precedida de processo administrativo disciplinar, consubstancia um despedimento ilícito.
XIII - O despedimento ilícito confere ao trabalhador o direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal; todavia, nos casos em que se configura uma invalidade do contrato, o pagamento retributivo – tal como o indemnizatório – deve ser reportado ao momento em que a nulidade é invocada ou, não sendo esse o caso, ao momento em que é declarada pelo Tribunal.
XIV - Não tendo as partes invocado a nulidade do contrato, antes da propositura da acção ou no seu decurso, nem tendo a mesma sido declarada pelas instâncias, o momento atendível para o termo do pagamento retributivo será o da prolação do presente acórdão, coincidindo o início desse pagamento com a data do despedimento, uma vez que a A. instaurou a acção dentro dos 30 dias subsequentes ao mesmo.
XV - Face ao critério relevado para o cômputo retributivo – o salário mínimo nacional – caberá atender ainda às actualizações de que o mesmo entretanto beneficiou.
XVI - Não sendo viável a reintegração da A., por virtude da nulidade do vínculo, caber-lhe-ia, em princípio, o direito à indemnização por antiguidade, o qual não é, no caso, atribuído, por não ter sido formulada a necessária pretensão nesse sentido.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Instituto das Estradas de Portugal” (ex-ICERR, actualmente denominado “EP – Estradas de Portugal”), pedindo, sob o fundamento da vinculação das partes a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, se declare: - que a Autora é trabalhadora do Réu, ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, desde o dia 1 de Dezembro de 2003; - que a Autora tem direito à retribuição mensal de € 800, acrescida de subsídio de férias, subsídio de Natal e subsídio de refeição; - que o despedimento da Autora é ilícito e nulo, não produzindo quaisquer efeitos, determinando-se a sua reintegração no respectivo posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; - que o Réu seja condenado a pagar à Autora as retribuições vencidas.
Para além de excepcionar a incompetência material do foro demandado, o Réu qualifica a relação jurídica aprazada como um contrato de prestação de serviço, que cessou regularmente no seu termo.
1.2.
Instruída e discutida a causa – e depois de rejeitar a defesa exceptiva do Réu – veio a 1.ª instância a julgar procedente a acção, por virtude do que emitiu o seguinte segmento decisório: “A - declara-se que entre o R. IEP e a A. AA vigora um contrato sem termo, com início em 1 de Dezembro de 2003, auferindo esta a retribuição mensal ilíquida de € 800 (obviamente acrescido de subsídio de férias e de Natal) e o subsídio de refeição de € 5,08 por cada dia de trabalho efectivo e com a categoria profissional de “administrativa”; B - condena-se o R. ... a reconhecer a existência desse contrato de trabalho sem termo; C - declara-se que o despedimento efectuado pelo R. é ilícito; D - condena-se o R. a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, com respeito pela sua categoria e antiguidade; E - condena-se o R. a pagar à A. a quantia global de € 22.525,39, correspondente às retribuições e subsídios devidos desde Dezembro de 2003 a Setembro de 2005 (inclusive)”.
Irresignado com a decisão, o Réu apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, arguindo a nulidade da sentença (por excesso de pronúncia e oposição entre os fundamentos e o julgado), pedindo a alteração da matéria de facto, reclamando a qualificação do vínculo como “contrato de prestação de serviço” e questionando, por fim, o montante da “retribuição” devida à Autora entre 1 de Dezembro de 2003 e 3 de Maio de 2004.
Depois de rejeitar a censura adjectiva produzida pelo Réu – nulidades decisórias e alteração da decisão factual – a 2.ª instância veio a decidir que, no caso, irrelevava de todo a qualificação do vínculo, sob a motivação de que, a configurar-se um contrato de trabalho, o mesmo seria nulo por não se achar demonstrado o imprescindível cumprimento do adequado procedimento concursório, sendo que essa nulidade determina consequências idênticas às de um contrato de prestação de serviço, ou seja, o simples pagamento à Autora das “retribuições” vencidas e não pagas, reportadas ao período que decorreu entre 1 de Dezembro de 2003 e 30 de Abril de 2004.
Por fim, discorrendo sobre o montante dessa “retribuição”, quantificou-a em €349,16 por mês.
Em conformidade com a fundamentação aduzida, julgou parcialmente procedente a apelação e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia global de € 1.396,64, revogando no mais a...
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Acórdão nº 385/08.0TTOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Fevereiro de 2010
...da doutrina constante dos dois citados acórdãos (cfr., também no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processo nº 1846/06.1YRCBR.S1) é, em nossa e salvo melhor opinião, possível concluir-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artº 47º, nº 2, da CRP, da......
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...da doutrina constante dos dois citados acórdãos (cfr., também no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processo nº 1846/06.1YRCBR.S1) é, em nossa e salvo melhor opinião, possível concluir-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artº 47º, nº 2, da CRP, da......