Acórdão nº 07S1258 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução10 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - AA deduziu no Tribunal do Trabalho de Penafiel, em 22 de Dezembro de 2004, "providências cautelares adiante especificadas" contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK, vindo o requerimento inicial a ser indeferido liminarmente por despacho proferido a fls. 170-176 dos autos respectivos, por manifesta improcedência dos pedidos formulados no requerimento inicial.

No mesmo tribunal, o referido AA intentou, em 18 de Abril de 2005, contra os mesmos BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e também contra Rádio Independente ... - Cooperativa Radiodifusão Regional, (RI), CRL, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, vindo a petição inicial deduzida em tal acção a ser igualmente indeferida por despacho proferido a fls. 27-31 dos autos, absolvendo-se todos os réus da instância, por incompetência material do Tribunal do Trabalho, quanto aos dez primeiros réus, e por litispendência e ineptidão da petição inicial, em relação à última R.

O requerente na providência e autor nesta acção interpôs recursos de agravo de ambos os despachos.

Por acórdão proferido a fls. 84 e segs. destes autos, o Tribunal da Relação do Porto: - negou provimento ao primeiro agravo, mantendo a decisão recorrida de indeferimento liminar da providência, embora com diferente fundamentação - considerando que, como a providência cautelar comum foi apenas requerida contra os dez "directores" da RI, era manifesta a incompetência material do Tribunal do Trabalho de Penafiel para apreciar a pretensão do requerente, com base na culpa funcional de cada um deles -, e - concedeu provimento parcial ao segundo agravo e, consequentemente, revogou a decisão recorrida na parte em que absolveu da instância a ré Rádio Independente .. - Cooperativa Radiodifusão Regional, CRL, por considerar não se verificar a excepção de litispendência nem a ineptidão da petição inicial por falta de pedido, mantendo-a quanto ao mais, ou seja, mantendo-a na parte em que absolveu os dez primeiros réus da instância, por incompetência material do Tribunal do Trabalho de Penafiel.

II - Novamente inconformado, o requerente da providência e autor na acção recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, vindo este recurso a ser qualificado no despacho proferido a fls. 171, já neste tribunal, como recurso de agravo (e não de revista, como fora admitido no Tribunal da Relação).

Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso, recebido como de revista, visa impugnar as decisões do Tribunal a quo que se pronunciam pela incompetência material do Tribunal do Trabalho de Penafiel para apreciar os pedidos contra os Requeridos na acção cautelar e contra os Réus singulares na acção declarativa (um a décimo).

  1. Se bem entende o Recorrente, na lógica do acórdão impugnado a incompetência material resulta de estar em causa um "ilícito civil" e não um "ilícito laboral" e, na providência cautelar, de não ter sido demandada também a Ré Cooperativa (RI) e, na acção declarativa, ainda de não se verificar a conexão prevista na alínea o) do art. 85° da Lei 3/99, de 13.01.

  2. Porém, é pacífico que a determinação da competência do tribunal em razão da matéria deriva da estrutura do objecto do processo, envolvido pela causa de pedir e pelo pedido formulados na acção, no momento em que a mesma é intentada, independentemente da natureza estritamente civil ou laboral das normas jurídicas aplicáveis (cfr. ac. RL, de 16.06.2005 -www.dgsi.pt/jtrl ou nas sábias palavras do Prof. Manuel de Andrade na competência em razão da matéria "a lei atende à matéria da causa, quer dizer ao seu objecto, encarado sob o ponto de vista qualitativo - o da natureza da razão substancial pleiteada".

  3. Ora, resulta patente das petições iniciais que o ora recorrente invoca como causa de pedir essencialmente a violação, por parte de todos os demandados, quer dos seus direitos à efectiva prestação do seu trabalho (no âmbito do seu contrato de trabalho subordinado), quer dos seus direitos ao recebimento dos salários em atraso, 5. Por outro lado, os pedidos assentes nessa causa de pedir resumem-se à condenação solidária dos demandados a não colocarem obstáculos à reocupação do seu posto de trabalho, ao exercício das funções correspondentes à sua categoria, ao pagamento solidário dos salários (vencidos e vincendos) e de indemnização por danos morais, acrescendo juros e uma sanção pecuniária compulsória pela eventual demora no cumprimento da condenação.

  4. Face a tais pedidos e causas de pedir é indiscutível a competência material do Tribunal do Trabalho.

  5. Na verdade, por força do art. 85º da cit. Lei 3/99, compete, além do mais, aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível: - das questões emergentes de relações de trabalho subordinado (al. b); - das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de actos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de acto ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competências dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal (al. h); - das questões entre sujeitos duma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente (al. o).

  6. Ora, resulta claro da "estrutura do objecto do processo" desenhada nas petições que as questões suscitadas são obviamente enquadráveis quer em questões emergentes duma relação de trabalho subordinado, quer em questões de relações entre sujeitos (cooperadores) ao serviço da mesma entidade patronal (Cooperativa), quer em questões entre sujeitos duma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, neste caso com evidente conexão com a relação de trabalho subordinado.

    Na verdade: 9. O caso dos autos passa-se numa sociedade cooperativa de prestação de serviços e, por isso, os demandados singulares são também formalmente prestadores de serviços na mesma entidade, pois todos têm a qualidade de cooperadores, razão pela qual, se não houvesse outro fundamento, verificava-se claramente a hipótese prevista na alínea h) do Art. 85.º da Lei 3/99, pois todos os demandados se integram na mesma entidade, a Cooperativa.

  7. Porém, resulta do alegado na petição inicial que os demandados singulares "controlam em absoluto a gestão, os negócios, o pessoal e os recursos da RI", "como se fossem os seus donos e senhores", decorrendo daí que bem poderá concluir-se que se atribui aos demandados singulares a qualidade de verdadeira e própria entidade patronal, isto é, a de sujeitos da relação laboral em causa, que eles violam nos termos descritos nas petições e, nessa perspectiva, verificar-se-ia, inclusive, a hipótese prevista na alínea b) do art. 85º daquela Lei 3/99.

  8. No caso de se entender que não bastam ou não procedem os fundamentos acabados de invocar, a competência material do Tribunal poderia ainda assim radicar-se na alínea o) do art. 85º da mesma Lei 3/99, pois que, no mínimo, os demandados, mesmo que devessem ser considerados meramente terceiros na relação jurídica de trabalho, estão implicados em questões seguramente emergentes, no mínimo, de relações conexas com a relação de trabalho, sendo certo que o pedido cumula-se na acção declarativa com o formulado contra a Ré Cooperativa e, na acção cautelar, se for julgado indispensável, pode e deve ser dado cumprimento ao disposto na al. a) do art. 27 do CPT.

  9. Acresce, em todo o caso, que o novo Código do Trabalho contém normas expressas de responsabilização solidária daqueles que asseguram a gerência ou administração da entidade patronal e, também por esta razão, há fundamento legal para se pedir a condenação dos demandados singulares no Tribunal do Trabalho, uma vez que, ao contrário do que é dito no acórdão recorrido, os ilícitos imputados são laborais e não ilícitos (meramente) civis.

  10. De facto, perante as normas jurídicas invocadas e os factos alegados nas petições iniciais, não restará a mínima dúvida de que os demandados singulares respondem pessoalmente pelos...

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