Acórdão nº 0518/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução21 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. A CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS e o MINISTÉRIO PÚBLICO recorrem jurisdicionalmente da sentença do TAC de Lisboa - 1º Juízo Liquidatário, de 28.01.2008 (fls. 259 e segs.), que, concedendo provimento ao recurso contencioso interposto por "A..., LDA", anulou a deliberação da C.M. Cascais de 01.09.2003, pela qual foi declarada a nulidade, por violação do respectivo alvará de loteamento, do despacho do Presidente da C.M. Cascais, de 04.12.2001, proferido no uso de competência delegada, que aprovara o projecto de arquitectura para edificação de um hotel, referente ao Processo de Construção nº U-9624/2000, de 26 de Junho.

A recorrente C.M. Cascais remata a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo entendeu que, atendendo ao "tempo do seu nascimento" e à sua "idade" (sic), o Alvará de loteamento n.º 141, de 13 de Agosto de 1976, configurar-se-ia como um Plano de Urbanização ou um Plano de Pormenor, e não como um Alvará de loteamento nos moldes em que, hoje, estes são concebidos.

  1. Ao estabelecer tal equiparação fundando-se exclusivamente no "tempo de nascimento" e na "idade" do Alvará, a douta Sentença sob recurso absteve-se de especificar quais os fundamentos de direito que justificaram a decisão, sendo, por conseguinte, nula, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

  2. Ao contrário do que é afirmado na douta Sentença recorrida, por força das diferenças existentes entre uma e outra figura jurídica, nomeadamente ao nível da competência para a iniciativa e elaboração, e bem assim dos efeitos jurídicos produzidos, a operação de loteamento titulada pelo Alvará em questão jamais poderá ser confundida com um instrumento de gestão territorial e, em concreto, com um Plano Municipal de Ordenamento do Território.

  3. Os actos de licenciamento de operações de loteamento não possuem natureza de acto normativo ou de regulamento administrativo (vide artigos 13.º e 44.° do Decreto-Lei n.º 448/91, de 28 de Dezembro, e 23.°, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro), natureza esta que constitui apanágio dos planos municipais de ordenamento do território, maxime dos Planos de Urbanização e dos Planos de Pormenor (vide artigo 3.° do RJIGT, e FERNANDO ALVES CORREIA, in "O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade", pp. 271 e ss., Almedina, Coimbra, 2001).

  4. O Alvará n.º 141, de 13 de Agosto de 1976, titula a licença de uma verdadeira operação de loteamento, a qual não pode ser equiparada, para quaisquer efeitos legais, nomeadamente para aplicação das normas contidas no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, a um Plano Municipal de Ordenamento do Território.

  5. Ao considerar uma operação de loteamento como um instrumento de gestão territorial e, em concreto, como um PMOT, aplicando-lhe as normas a estes reservadas, a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 2.°, n.º 4, al. h), do RJIGT, termos em que deverá ser revogada.

  6. Por força do princípio geral da não retroactividade da lei, extensível à actividade regulamentar, uma operação urbanística aprovada em momento anterior à entrada em vigor de um PMOT não poderá ser prejudicada pelas normas nele contidas. Em suma, por imperativos de segurança jurídica, os PMOT, como regulamentos administrativos que são, dispõem apenas para o futuro.

  7. Não colhe a tese professada na douta Sentença a quo, nos termos da qual se teria verificado uma "revogação implícita dos termos do alvará em causa na medida em que colidam com regras instituídas pelo novo instrumento de gestão do espaço em causa" (cfr. pág. 18), visto que, por um lado, o Alvará titula a licença de uma verdadeira operação de loteamento, pelo que não se lhe aplicam as normas previstas exclusivamente para os instrumentos de gestão territorial; e por outro lado, do disposto nos artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto, estas sim, normas aplicáveis às operações de loteamento, claramente se depreende que a alteração do Alvará em função da entrada em vigor do novo PDM depende da prática de um acto administrativo prévio - acto esse que nunca existiu.

  8. Portanto, a licença titulada pelo Alvará n.º 141, de 13 de Agosto de 1976, não viu a sua validade e/ou eficácia beliscadas com a entrada em vigor do PDM de Cascais, encontrando-se em pleno vigor na ordem jurídica à data da aprovação da deliberação recorrida, pelo que qualquer pretensão urbanística a desenvolver na área por ele abrangida teria de se conformar com as suas prescrições.

  9. Nos termos do artigo 17.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro - diploma aplicável ao procedimento urbanístico sub judice -, a apreciação do projecto de arquitectura incide sobre a verificação de conformidade com plano de pormenor ou com alvará de loteamento e, posteriormente, com outras normas legais e regulamentares em vigor.

  10. Neste sentido, decidiu já este Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 8 de Maio de 2002, proferido no âmbito do Processo n° 048256, que "As condições a observar no licenciamento de uma construção são as definidas no loteamento aprovado, e não as constantes de PDM publicado posteriormente - sob pena de (...) violação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro".

  11. Atentas as desconformidades verificadas entre o projecto de arquitectura apresentado pela Recorrida e o Alvará de loteamento vigente para o terreno sua propriedade, resulta clara a nulidade do primeiro, por força do disposto no artigo 52.°, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro.

  12. Donde à Recorrente, de modo a evitar a consumação de uma flagrante violação da legalidade urbanística, e no estrito cumprimento dos princípios rectores da actividade administrativa, nada mais restava que não declarar a nulidade do acto que aprovou o projecto de arquitectura em questão.

  13. Ao anular a deliberação recorrida por alegada violação dos artigos 43.° do RPDM de Cascais, e 3.°, n.º 2, 101.°, n.ºs 1 e 2 e 103.°, do RJIGT, a Sentença sob recurso efectuou uma errada aplicação das mesmas, pelo que deverá ser revogada.

  14. A referida deliberação, ao fundamentar-se na existência, validade e vigência da licença titulada pelo Alvará de loteamento n.º 141, de 13 de Agosto de 1976, não violou o disposto nos artigos 43.° do Regulamento do Plano Director Municipal de Cascais, e 3.°, n.º 2, 101.°, n.ºs 1 e 2 e 103.°, todos do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro.

    Pede a declaração de nulidade ou a revogação da sentença.

    O recorrente Ministério Público, por seu lado, formula na sua alegação as seguintes conclusões: 1. O alvará de loteamento ora em análise não conflituava com o PDM que, entretanto, entrou em vigor, pois os parâmetros construtivos deste são superiores aos daquele, pelo que não foi violado, por parte da CMC, o art. 3º do Dec- Lei nº 380/99, de 22.09; 2. Mantendo-se válido e eficaz o referido Alvará de loteamento, por não exceder os parâmetros do PDM em vigor, a licença de construção teria que se conformar com tal Alvará de Loteamento.

  15. O disposto nos arts. 37º do Dec-Lei n° 448/91, de 29 de Novembro e 48º do Dec-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, não é aplicável no caso concreto, por não haver qualquer interesse público que fundamente a utilização de tal instrumento jurídico.

  16. Bem pelo contrário, o interesse público no caso concreto é o da manutenção do citado Alvará com os parâmetros ali previstos, que contribuem para um equilíbrio urbanístico da referida zona habitacional, desejável à manutenção da qualidade de vida de todos os que ali habitam.

  17. Os Planos Directores Municipais não criam quaisquer direitos aos particulares em termos construtivos e o "jus aedificandi" não representa parte integrante do direito constitucional do direito de propriedade p. no art. 62° da CRP.

  18. Se o Recorrente pretendia licenciar uma construção, que não se conformando com o Alvará de loteamento, se enquadrava dentro dos parâmetros do actual PDM, caber-lhe-ia a iniciativa de solicitar a alteração do Alvará de loteamento, nos termos do art. 36° do Dec-Lei n° 448/91 de 29 de Novembro.

  19. Alteração, esta, só possível mediante o cumprimento dos pressupostos legais, impostos quer pelo art. 36° do Dec-Lei n° 448/91 de 29 de Novembro (aplicável à data dos factos), quer por aplicação das restantes regras do PDM de Cascais.

  20. Se o Recorrente não procedeu do modo supra referido, e quis licenciar uma construção que violava o Alvará de Loteamento, tal licenciamento encontrava-se eivado do vício de violação de lei, que no caso concreto, e por ser expressamente previsto, acarreta a sanção de nulidade - art. 52° nº 2 al. b) do Dec-Lei n° 445/91 de 20 de Novembro com a redacção dada pelo Dec-Lei n° 250/94, de 15 de Outubro.

  21. A Câmara Municipal, ao declarar a nulidade da referida operação urbanística, fê-lo em cumprimento do Princípio da Legalidade a que se encontra vinculada, não lhe restando qualquer margem de discricionariedade nesta matéria.

  22. A sentença ora recorrida, ao julgar procedente o presente recurso, determinando a anulação da deliberação recorrida, é ilegal por violação do disposto: a) Nos arts. 65°, 66° e 81°-al. a) da CRP; b) Nos arts. 37° do Dec-Lei n° 448/91, de 29 de Novembro, e 48° do Dec-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro; c) Por incorrecta interpretação do disposto nos arts. 3° e 101°, ambos do Dec-Lei nº 380/99.

    1. Por violação do estatuído no art. 9° do Cod. Civil, por não ter tido em conta a unidade do sistema jurídico, olvidando a existência do disposto no art. 36° do Dec-Lei n° 448/91 de 29 de Novembro, que permitia expressamente ao...

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