Acórdão nº 9684/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | CARLOS BENIDO |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO No processo comum colectivo nº 435/06.5JDLSB, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido (J), acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. a) e 202º, al. b), do C. Penal; um crime de incêndio, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, al. a), do C. Penal; e um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artº 366º, nº 1, do C. Penal.
O assistente (A) formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 55.000,00, sendo € 30.000,00 a título de danos patrimoniais e € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e até integral pagamento.
Após julgamento, foi decidido: - Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. a), do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; um crime de incêndio, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, al. a), do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; e um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artº 366º, nº 1, do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, englobando as penas parcelares antes referidas, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão; - Suspender a execução da pena, por igual período de 5 (cinco) anos, com um acompanhamento em regime de prova nesse lapso temporal e a realização de plano individual de reinserção social, sujeitando-se ainda essa suspensão da execução da prisão ao dever do arguido proceder ao pagamento, ao assistente/demandante (A), da verba ressarcitória de € 40.677,00, num prazo máximo de 3 (três) anos, e sem prejuízo do que se encontra determinado relativamente ao pedido de indemnização civil; - Condenar o arguido/demandado a pagar ao assistente/demandante (A), a quantia indemnizatória global de € 40.677,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, com acréscimo de juros moratórios legais, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data da notificação do arguido do respectivo pedido de indemnização civil e até efectiva e integral liquidação, absolvendo-o do demais peticionado a título de indemnização civil.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, que conclui da seguinte forma: 1 - O alegado valor dos livros danificados em lugar algum dos autos se encontra jurado, peritado ou o que quer que seja que possa determinar qualquer valor, enfermando tais alegações da acusação e do pedido cível de qualquer prova. E em sede de julgamento, nenhuma prova de tais valores - ou outros - foi feita.
2 - A única abordagem ao valor dos danos patrimoniais foi feita pelo assistente, no seu depoimento que se encontra gravado no CD2, desde os 03 min. e 50 seg. aos 36 min. e 20 seg., em que admite que todos os danos patrimoniais sofridos serão de € 25.000,00, aqui incluindo os livros, a estante, o soalho e a parede.
3 - Há desde logo um manifesto equívoco no douto acórdão recorrido, pois condena em valor superior ao dano admitido pelo assistente. E levando em conta que o assistente reclama € 5.000,00 pelo arranjo da estante, parede e chão, constata-se que, ainda na tese do assistente, os livros não teriam valor superior a € 20.000,00, tal como já havia manifestado em declarações anteriores, a fls. 38, que quantificou em 20 a 25 mil euros e a fls. 58, onde atribui 15 a 20 mil euros.
4 - Nenhuma outra prova de valores ou de razão de ciência foi trazida aos autos ou apresentada em julgamento, pelo que a simples declaração do assistente, sem qualquer sustentação, é manifestamente insuficiente para se poderem admitir como valores aceitáveis. Até porque, naturalmente, o assistente atribui valor económico (sem qualquer fundamentação) e valor sentimental (tratado noutra sede) e, tal como no douto acórdão se reconhece e se deu por provado (a. 39.), os livros têm no mercado dos livros antigos um valor muito variável.
5 - E a comprovar esta variação está o depoimento (único sobre esta matéria) da testemunha do assistente, (AG), gravado no CD2, desde os 46 min. e 47 seg. aos 58 min. e 12 seg., em que, declaradamente e como especialista em livros antigos, não tem dúvidas em afirmar que não é real o valor dado aos livros constante dos autos. Referiu que há 2 meses comprou 2 livros como os que aqui estão nos autos, por preço inferior a 1/5 do constante da avaliação dos autos. E mais disse que os livros que comprou ao arguido, por € 24.000,00, constantes de fls. 72 e 73, avaliados a fls. 236 a 243 em cerca de € 101.000,00, contava vendê-los por € 40.000,00, se os vendesse todos. Hoje, não pagaria mais do que os € 24.000,00 pelos mesmos livros.
6 - Por aqui se vê a enorme variação de valores, a grande disparidade, o que leva a que os livros avaliados a fls. 236 a 243 e dado por provado sob o ponto a.11., não valham mais de 1/5 dos aí constantes € 644.775,00.
7 - E, quanto aos livros destruídos e às alegadas colecções, nenhuma prova foi feita quer dos livros e colecções quer dos valores. Nem de muito nem de pouco: nenhuma.
8 - Ao contrário do que foi dado por provado (a.42.), o fogo nenhuma despesa acarretou para o assistente, pois alegou no pedido cível possuir um orçamento de valor não inferior a € 5.000,00, acabando por apresentar um orçamento em audiência de julgamento datado de 26/05/2008, no valor de € 677,00.
9 - O assistente nenhuma despesa fez, tratando-se de simples e mero orçamento, 2 anos depois do evento, o que evidencia a (felizmente) escassez de dano e a ausência de necessidade de reparação, não sendo o orçamento apresentado prova bastante dessa necessidade, muito menos de despesa.
10 - Há uma evidente contradição na matéria dada por provada, quanto aos livros danificados, pois dá-se como não provado que tenham ficado danificados os livros a esse título reclamados e ao mesmo tempo, dá-se por provado o valor reclamado dos mesmos.
11 - Ora, se eram aqueles livros - e não outros - que alegadamente tinham o valor indicado, ao ser dado por não provado que esses livros se tenham danificado, não se pode dar por provado o valor dos mesmos.
12 - E não basta dar-se por provado que ficaram destruídos 5 livros (a.22. e a.23.), pois isso de nada serve para a prova do valor. Até porque, tal como se evidenciou e até consta da avaliação de fls. 236 a 243, os valores, por um lado, são muito relativos e, por outro lado, são incomensuravelmente díspares de livro para livro, pelo que nenhuma comparação se pode obter.
13 - Mutatis mutandis quanto às alegadas colecções, que nunca foram alegadas nem provadas quaisquer referências identificativas das pretensas colecções e do seu número.
14 - Ao dar-se por não provado que tenham sido danificados os livros reclamados, nenhuma prova do valor poderá ser dada por provada. E, efectivamente, também nenhuma prova dos valores foi apresentada.
15 - Ao não se saber que livros (e colecções) foram danificados, nenhum juízo ou exercício de prognose se poderá fazer quanto ao valor dos mesmos.
16 - A prova produzida não permite dar por provado que tenham ficado danificados 5 livros (a.22. e a.23.); que alguns (?) livros destruídos fizessem parte de colecções e as mesmas ficassem inutilizadas (a. 23.); que o valor dos livros destruídos fosse de € 25.000,00 (a. 24.); que o fogo no chão, estantes e parede haja acarretado ao assistente a despesa de € 677,00 (a.42.).
17 - Quanto aos danos não patrimoniais, nenhuma prova foi feita quanto aos alegados eventos cardíacos e hospitalização. Aliás, estes factos seriam necessariamente de comprovação documental, o que não aconteceu. E quanto a prova testemunhal, apenas se lhe referiu a testemunha (E), cujo depoimento se encontra gravado no CD2 desde 1 hora, 11 min. e 46 seg. a 1 hora, 20 min. e 10 seg. que, atento o exagero das suas apaixonadas afirmações, nenhuma prova poderão fazer.
18 - Em qualquer caso, esta testemunha sempre disse que o assistente havia sido operado antes dos factos dos autos a um cancro da próstata; que era fumador e tinha problemas respiratórios; que no Natal de 2007 teve um enfarte do miocárdio.
19 - Pelo menos, seguramente, os dois primeiros eventos nada têm a ver com os factos dos autos e, quanto ao enfarte do miocárdio, o próprio assistente no seu depoimento gravado no CD2 desde os 03 min. e 50 seg. aos 36. min. e 20 seg., afirma nada ter a ver com o caso dos autos.
20 - Portanto, não há prova bastante da ocorrência dos eventos que levaram à hospitalização e, a terem ocorrido, nenhuma prova foi feita que tivessem por causa os factos dos autos.
21 - A condenação indemnizatória é também e ainda pelo desgosto do desaparecimento "dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos" (a.47.), quando não se provou quais os exemplares ardidos, o que é de questionar a valoração dada, pois até pode não ter ocorrido qualquer dano a este propósito. E, no caso, atenta a falta de prova dos exemplares ardidos, nenhum dano poderá ser considerado.
22 - O mesmo se diga quanto ao desgosto dos danos ocorridos na estante, paredes e chão, pois são comprovadamente insignificantes - ficaram chamuscados (a. 22.) - e o certo é que o assistente nem os mandou reparar por nenhuma perturbação, transtorno ou afectação lhe causar.
23 - A prova produzida não permite dar por provado o "tremendo" desgosto pelos danos "provocados pelo desaparecimento dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos" (a. 47.) e que se haja agravado o estado de saúde do assistente, nomeadamente que o mesmo tenha "começado a sofrer do coração, com dois eventos cardíacos e hospitalização" (a. 48.).
24 - Daí que o montante arbitrado de € 15.000,00 (quinze mil euros) por danos não patrimoniais, já de si exagerado e a reclamar correcção, é manifestamente desajustado, devendo ser consideravelmente diminuído, segundo o...
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