Acórdão nº 2612/08-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 22 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães PEDRO T..., residente no Lugar do O..., freguesia de Dornelas, concelho de Amares, instaurou a presente acção declarativa de condenação sobre a forma de processo ordinária contra MANUEL A..., residente no Lugar da P..., freguesia de Santa Marta do Bouro, em Amares, pedindo que seja o réu declarado como carecido de capacidade sucessória na herança de sua filha Florbela A..., por indignidade.
Alegou, para tanto e em síntese, que, por sentença transitada em julgado, o réu foi condenado a 6 anos de prisão efectiva, pela prática, em 1993, do crime de violação, previsto e punido pelo art. 210º e 208º, n.º1, al. a) e n.º3 do Código Penal de 1982, na pessoa da sua filha Florbela A... .
Que, na sequência dessa violação, a Florbela A...engravidou, aos quinze anos de idade e que o réu obrigou-a proceder a um aborto no início do ano de 1994.
E que, o comportamento descrito do réu integra a causa de indignidade prevista no art. 2034º, al. b) do C. Civil.
Citado, o réu contestou, impugnando parte dos factos alegados pelo autor, concluindo pela improcedência da acção.
Na sua resposta, o autor concluiu como na petição inicial.
Proferido despacho saneador, foram organizados os factos assentes e a base instrutória.
Realizou-se julgamento, com observância de todo o formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 174 a 176.
A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu o réu do pedido, ficando as custas a cargo do autor.
Não se conformando com esta decisão, dela apelou o autor, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: I. Vem o presente recurso intentado da denegação do pedido formulado, maxime da interpretação dada ao artigo 2034 do Código Civil e a denegação da interpretação analógica face ao artº. 11º do mesmo diploma legal.
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O Réu foi condenado por sentença já transitada em julgado, proferida no processo comum colectivo nº106/94.3 GAAMR, que correu termos pelo Tribunal Judicial de Amares, a seis anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de violação previsto e punido pelo art° 201° e 208° nº l a) e n° 3, do Código Penal de 1982.
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A Florbela veio a falecer, intestada, magoada e sofrida em consequência dos actos praticados por seu Pai, nunca tendo, exarado testamento, por um lado por falta de informação, por outro, por não ter previsto a sua morte, ocorrida em acidente de viação.
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Foi entendimento da Mª Juiz o quo, não se aplicar, in casu, o art° 2034 CC, porquanto não é o mesmo passível de interpretação analógica ou extensiva, por se tratar de norma de carácter excepcional e, tais interpretações se encontrarem, por isso, vedadas à luz do art° 11° do Código Civil.
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Tal interpretação não pode colher sob pena de uma tremenda flagrante injustiça e desigualdade, não podendo, um crime tão grave, como o crime de violação, deixar de estar incluído nos crimes contra a honra, a que alude a al. b) do art° 2034º do CC.
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A indignidade sucessória reveste natureza sancionatória civil, sendo opinião do Professor OLIVEIRA ASCENSÃO, que "é uma consequência autónoma no plano civil e funda-se no acto reprovável do indigno,"vis a vis" do autor da sucessão e a sua incidência é tal no relacionamento entre ambos que é capaz de remover todos os entraves da ordem pública que o legislador impôs à vontade do testador, devolvendo-lhe a sua plenitude".
VIl. Aquele professor conclui pela necessidade de se efectuar uma analogia legis, ou delimitativa, do art° 2034° CC, admitindo que a lei estabelece "modelos dentro dos quais a indignidade deva caber " concluindo que, "se uma situação se revelar análoga às previstas nesses modelos, não haverá razão para banir o recurso geral à analogia".
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KARL LARENZ, por seu turno, defende o tratamento igual daquilo que é igual IX. O caso suo judice cabe no instituto da indignidade sucessória, na medida em que o crime de violação de que o Réu foi acusado e condenado cabe na grande categoria dos crimes contra a honra, a que se reporta a al. b) do artº 2034º, não podendo este normativo ser entendido como taxativo, mas antes objecto de um interpretação por analogia legis ou delimitativa.
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O crime de violação, como crime contra a honra que é, não pode deixar de caber na al. b) do art° 2034º que refere o crime de denúncia caluniosa ou falso testemunho relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos. Os crimes contra a honra, traduzem perfídia, afronta e têm repercussões na ordem pública sendo graduados pela pena que a cada um cabe.
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E a razão justificativa da aplicação analógica do art.° 2034º ao caso concreto reside na natureza do crime praticado - crime de violação praticado pelo Pai na pessoa da filha menor - o qual é caracterizado como o mais grave dos crimes contra a honra - valorado após a vida -, penetrando, por isso, no modelo daqueles que o legislador pretendeu integrar na al. b) do artº 2034º, XII. O instituto da indignidade sucessória, como causa especial de incapacidade sucessória, tem maior repercussão na vida social que o instituo da deserdação, por isso, não podemos deixar de entender que o normativo do art.° 2034º tem de ser interpretado por analogia, de maneira a que formas mais graves de ofensa à honra caibam, num modelo que pretendeu excluir da sucessão aqueles que cometeram crimes, mais leves, desta natureza e, por ele, foram condenados.
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É necessário integrarmos a interpretação deste normativo, justificando-se o recurso à analogia por razões de coerência do sistema e de justiça relativa, tudo postulado pelo princípio da igualdade e pela certeza do direito, tendo por fim evitar uma clamorosa desigualdade e injustiça, pois, de outra forma pode ser afastado da sucessão o autor de um crime menor, não podendo arredar-se o autor - já sentenciado - de um crime maior.
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Dispõe o art.° 11°, nº l do Código Civil que deve o julgador aplicar aos casos omissos as normas que directamente disponham para casos análogos, referindo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, que "o analogia das situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por obediência à mera semelhança formal das situações".
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Torna-se imperioso aliar à analogia, a designada ratio legis, ou até mesmo a interpretação teleológica, sendo curial que se questione sobre qual a interpretação que melhor corresponde à intenção reguladora do legislador ou à sua ideia normativa, referindo KARL LARENZ, que "o intenção reguladora do legislador e as decisões valorativas por ele encontradas para alcançar manifestamente esse desiderato continuam a ser arrimo obrigatório para o juiz mesmo quando acomoda a lei (...) a novas circunstancias, não previstas pelo legislador, ou quando a complementa".
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Assim, não será de acalentar a opinião vazada na douta sentença em crise, pois que a ratio legis do preceito vai no sentido de permitir a inclusão, quer por extensão interpretativa, quer por analogia legis, de crimes mais graves que aqueles referidos no normativo.
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Não se aceitando a interpretação analógica da al. b) do artº 2034º, por via da interpretação que se dá ao art° 11° do Código Civil, sempre se poderá alcançar o mesmo resultado através do argumento a majore ad minus, como explicita, KARL LARENZ, "a verdadeira justificação do argumentam a majore ad...
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