Acórdão nº 488/13.0TBLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução24 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Instaurou S… (A./Reconvindo e Apelado nesta instância) acção declarativa contra J… e mulher, P… (RR./Reconvintes e aqui Apelantes). Invocou aquele a celebração com os RR., em 01/04/2009, de um contrato – intitulado “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial” – que juntou a fls. 15/19 e cujo clausulado transcreveu no requerimento inicial[1].

Ora, imputando aos RR. o A. incumprimento desse contrato, concretamente a falta de pagamento de rendas (das mensalidades de €1.500,00 previstas na cláusula quarta 1), formulam contra eles os seguintes pedidos: “[…] [A] condenação dos Réus a:

  1. Verem resolvido o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, aqui junto como Doc. 01, por falta de pagamento das mensalidades.

  2. Entregarem de imediato o locado e demais bens aí existentes nas condições em que os receberam, aos Autores.

  3. Pagarem aos Autores as rendam vencidas desde Junho de 2011, inclusive, num total de €28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros) (€1.500,00 x 19meses), acrescido de IVA à taxa legal; dos juros de mora à taxa de 7,75% e ainda das rendas que se vencerem até efetivo e integral pagamento e entrega do locado, acrescidas igualmente do IVA e juros que se vencerem.

    […]”.

    1.1.

    Contestaram e deduziram reconvenção os RR. – e foi este pedido reconvencional que gerou o presente recurso.

    Invocaram, no que ora interessa, terem celebrado com o A., efectivamente, um contrato com a denominação e clausulado do de fls. 15/19 em 01/04/2009 – reconhecem, pois, ter assinado o texto desse contrato exactamente como este resulta de fls. 15/19 –, sendo que, todavia, esse – concretamente esse texto – se traduziria, verdadeiramente, numa “Promessa de Trespasse”, correspondendo esta (a promessa) e o (prometido) trespasse ao real enquadramento contratual do propósito dos RR. acordado com o A., sendo que o que aqueles pagaram teria tido (é o que dizem) a natureza de sinal. Assim, concluem os RR., com as seguintes asserções, interessando aqui – e por isso as destacamos – as configuradas como pedidos reconvencionais: “[…] […] deve ser: a) julgada improcedente por não provada a petição inicial e procedente por provada a presente contestação reconvenção com as legais consequências; b) o A. condenado a reconhecer que foi efectuado um contrato de promessa de trespasse o qual deverá ser concluído definitivamente, sendo outorgado o contrato definitivo; c) celebrado o contrato definitivo de trespasse, nos termos do artigo 830º do Código Civil; d) caso assim não se entenda, e caso se considere que o contrato definitivo não foi celebrado por facto imputável ao A., deverá este ressarcir os RR. da quantia entregue a título de sinal, em dobro, acrescidas das restantes quantias entregues ou suportadas pelos RR., por conta e no interesse do A., ou seja na quantia de €212.654,30; e) ser julgada procedente por provada a matéria alegada em sede de reconvenção sendo o A. condenado a pagar aos RR. a quantia de €212.654,30; f) a pagar aos RR. a título de indemnização por danos morais a quantia total de €5.000,00; […]”.

    1.2.

    Findos os articulados, tendo sido dispensada a audiência prévia [artigo 593º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)], foi o processo saneado pelo despacho de fls. 229/233 – este, no seu elemento reportado à improcedência substancial da reconvenção (trecho de fls. 230/233), constitui a decisão objecto do presente recurso –, interessando aqui reter os trechos que consideraram “formalmente” admissível a reconvenção (fls. 229/230) mas dela conheceram no sentido da improcedência, absolvendo o A. desse pedido (fls. 230/233). 1.3.

    Inconformados, apelaram os RR. concluindo o seguinte a rematar a motivação do recurso: “[…] II – Fundamentação 2.

    Relatado o iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º do CPC[2]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

    2.1.

    Revertendo ao concreto deste recurso[3] as antecedentes considerações gerais, lendo as conclusões transcritas no item 1.3., temos como questão a apreciar nesta instância a que se expressou na exclusão, à partida – é este o sentido da decisão recorrida –, da possibilidade de encarar o contrato junto a fls. 15/19 (transcrito na nota 4, supra), em função do título deste e do texto expresso no respectivo clausulado, como contrato de promessa de trespasse, e não como contrato (definitivo) de locação/cessão de estabelecimento.

    Esta questão, nos termos em que a decisão recorrida a resolveu, dizendo ser impossível encarar esse contrato – o texto efectivamente subscrito pelas partes – com o sentido pretendido pelos RR./Reconvintes (como contrato-promessa), tal questão, dizíamos, induziu na economia argumentativa do despacho recorrido as seguintes asserções consequenciais daquela, que posicionaram como cumulativamente determinantes da decisão de improcedência da reconvenção: (a) (primeira asserção) inexistindo promessa de trespasse, por o contrato existente nunca poder corresponder a tal, inexistiu promessa passível de ser encarada como válida (teria a dita promessa de trespasse de revestir, como tal, a forma escrita[4]) e, nesse sentido, seria descabido executar especificamente essa promessa, sendo que isso corresponderia a assegurar o seu cumprimento coactivo (é esse o sentido da acção ex artigo 830º do CC[5]), pressupondo este a existência e a validade da promessa. Vale a execução específica aqui visada para a promessa e, porque o que há aqui não é um contrato de promessa, não tem a virtualidade de desencadear a execução específica; (b) (segunda asserção) pela mesma razão – em qualquer caso por inexistir uma promessa tout court, e por inexistir uma promessa válida –, também não se poderiam desencadear nesta acção, por via do pedido reconvencional, as consequências próprias do incumprimento definitivo dessa hipotética promessa (concretamente a devolução do sinal em dobro, nos termos do artigo 442º, nº 2 do CC), sendo apodíctico que a afirmação do incumprimento de um contrato pressupõe...

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