Acórdão nº 718/11.2PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução18 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, o arguido A...

, divorciado, encadernador, nascido a 12.04.1950, natural da freguesia de (...), concelho de Coimbra, filho de (...) e de (...), residente na Rua (...), Figueira da Foz, imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação de fls. 175 e ss., que se dá aqui por reproduzida, os quais consubstanciariam a prática pelo arguido em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de: - um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; - um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, - dois crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 2; - um crime de perturbação da via privada qualificado p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1, 2 e 3 do citado diploma legal, e - um crime de detenção de arma (munições) proibida, p. e p. pelo disposto no artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Realizada a audiência, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 20 de Dezembro de 2013, decidiu julgar parcialmente provada e procedente a douta acusação e, consequentemente: - Condenar o arguido A..., pela prática em autoria material de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, a), do Código Penal, na pena de cinco (5) meses de prisão; - Suspender a execução desta pena de prisão pelo prazo de um (1) ano; e - Absolver o arguido dos demais crimes por que vem acusado nos presentes autos.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.O acórdão dos autos absolveu o arguido dos dois crimes de perturbação da vida privada p. e p. pelo art.190.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e do crime de perturbação da vida privada qualificado p. e p. pelos arts. 190.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal, por entender que no tipo legal de crime não se incluem as mensagens escritas (cf. S.M.S.).

  1. Acontece que as mensagens escritas devem ser incluídas no conceito de telefonar.

  2. O art.190.º, n.º 2, do Código Penal, ao criminalizar a perturbação da paz e do sossego traduzida no ato de, com essa específica intenção, telefonar para a habitação ou para o telemóvel de outra pessoa, quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de tais aparelhos, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua receção emitem um som de aviso.

  3. O acórdão sob recurso violou assim, por errada interpretação, o disposto no art.190.º, n.º 2, do Código Penal.

  4. O acórdão recorrido absolveu o arguido do crime de violência doméstica que lhe era imputado, p. e p. pelo art.152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, por ter entendido que a relação entre arguido e vítima não chegou a ser uma relação análoga à dos cônjuges.

  5. Acontece que se provou que a vítima foi amante do arguido, tendo essa relação perdurado por cerca de três anos, até abril de 2011, que o filho da vítima sabia e consentia nessa relação, que a vítima cozinhava em casa para o marido, de 91 anos, reformado e para o filho de ambos e, durante a noite, ia dormir com o arguido, a maior parte dos dias da semana, levando o jantar para ambos, saindo de manhã de casa do arguido, que os jantares que a vítima levava eram essenciais para o arguido, pois não tinha capacidade económica para fazer face a todas as despesas, ganhando apenas 278 euros, e que andavam juntos socialmente e com frequência, parecendo «um casal feliz», segundo a testemunha P....

  6. O conceito de união de facto, mencionado no acórdão dos autos, não foi consagrado no art.152.º do Código Penal, mas sim o de relação análoga à dos cônjuges, entre pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo, mesmo sem coabitação.

  7. A conduta do arguido, perpetuada no tempo, pela sua gravidade e reiteração, pôs em causa a dignidade da ofendida, afetou o seu bem-estar e saúde física e psíquica, com quem manteve uma relação afetiva durante tantos anos, não existindo qualquer motivo para excluir a vítima do direito à dignidade humana.

  8. A relação semelhante à dos cônjuges encontra-se no facto de ter tido estabilidade duradoura, publicidade, dependência económica (cf. jantares), comunhão de cama e mesa, partilha de actividades sociais, ligação afetiva e de domínio do arguido sobre a vítima, razão pela qual as condutas provadas devem ser qualificadas como crime de violência doméstica.

  9. Aliás, o acórdão recorrido qualifica a vítima como "ex-amante" do arguido.

  10. O acórdão sob recurso violou assim, por errada interpretação, o disposto no art.152.º [por lapso manifesto menciona-se o art.150.º], n.º 1, al. b), do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro.

  11. Termos em que deve o acórdão ser alterado, condenando-se o arguido pelos crimes mencionados, pois que assim se fará a tão costumada Justiça.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder e, consequentemente, ser o arguido condenado pelos crimes de que foi absolvido.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte: Factos provados: C... e o arguido viveram uma relação de amantismo durante cerca de três anos, até Abril de 2011.

B... é filho de C....

C... e D... são conhecidos um do outro.

Em data e hora não concretamente apuradas, entre Abril de 2011 e 12 de Julho de 2011, na Figueira da Foz, o arguido dirigiu-se a B..., sabendo da relação familiar que este mantinha com a sua mãe e da relação de proximidade que o mesmo mantinha com D... e disse-lhe que, se encontrasse a sua mãe C... e D..., os matava.

Após o que, B..., com receio do que pudesse acontecer, avisou sua mãe das palavras proferidas pelo arguido contra esta.

No dia 12 de Julho de 2011, em hora não concretamente apurada, C... recebeu, em sua casa, sita na (...), na Figueira da Foz, a carta remetida pelo arguido, junta a fls. 12 dos autos apensos n.º 28/11.5PEFIG, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Nessa missiva o arguido escreveu, além do mais, o seguinte: “(…) mudaste de número de telefone, mas eu já o tenho, eu só não consigo ter aquilo que não quero. Nunca pensei que me enganasses desta maneira (…) mas como tu foste sempre uma mulher sem vergonha e até perdeste a tu dignidade, eu estou-te a escrever e até me estou a arrepiar todo, isto vai ter um fim, já andas a penar mas como Deus é divino ainda haverás de penar mais. Sabes quem sou? A... vai esta e a seguir se não tiver resposta vou aí. Adeus”. Com as afirmações que o arguido fez a C..., com a mensagem constante da carta que lhe remeteu, o arguido quis intimidar a ofendida e visou molestá-la psicologicamente, temendo esta pelo que lhe poderia acontecer, ficando, por isso, psicologicamente afectada pelos actos de que foi vítima.

Com as condutas descritas, o arguido causou a C... nervosismo, desgosto e medo.

Agiu sempre o arguido de forma livre, voluntária e deliberadamente, com plena consciência de que não lhe era permitido atingir, de forma como fez, a integridade psíquica de C..., fragilizando-a enquanto mulher e sua ex-amante.

Ao dizer a B... que matava C... e D..., quis o arguido criar no espírito destes a ideia que a conduta prometida se viria a concretizar, pretendendo causar naqueles um fundado receio de que um mal futuro sucederia, nomeadamente à vida destes, tendo agido com intenção de os amedrontar, de os perturbar no seu sentimento de segurança e na sua liberdade de determinação, mas não o conseguindo relativamente ao dito ofendido.

No dia 15 de Agosto de 2011, às 12h55m04s, o arguido, a partir do seu telemóvel com o n.º 96 (...) enviou para o telemóvel de D..., com o n.º 91 (...), uma mensagem com o seguinte teor: “ D... tem esta mensagem o fim de te dizer o seguinte com respeito a tua queixa na polícia não quero que tu a tires porque siumes tens tu da mulher dos outros mas isso essunto para a ocasiao agora como tu me trataste como um canalha vais ter a resposta e então voute porna merda vais ficar sem emprego o teu escritório vai ser fechado e porque a corrupeçao activa epassiva sou eu mais os meus amigos os quais nao gostam de ti nem um bocado tenho comigo muitas provas e momes para acabar contigo quer na foztrafego quer no teu escritorio e assim que se lida com chivos traidores e corrupetos meteste te com o diabo aqui tens a resposta de um homem com os cmhoes no sítio”.

No dia 19 de Agosto de 2011, às 12h08m19s, o arguido, a partir do seu telemóvel com o n.º 96 (...) enviou para o telemóvel de D..., com o n.º 91 (...) uma mensagem com o seguinte teor: “ D... mexeste com a minha honra e a minha dignidade isto tem um preco na minha lei preparate porque a minha mao jamais tdd escaparas”.

No dia 01 de Janeiro de 2012, às 02h36m01s, o arguido, a partir do seu telemóvel com o n.º 96 (...) enviou para o telemóvel de D..., com o n.º 91 (...) uma mensagem com o seguinte teor: “Olha pahàco passasteum mptimo natal tum ano novo andaste a comer 6s meus restos (…) te juro pelos meus mortos terasa hora certa o local certo estas aqui a mais es um chivo e os chivos teem o lugar certo de trabalhos amaricanos eq um leigo ag6ra como nao vales tuma merda vai com isto ao ministerio publico porque de ti tenho um medo do caraho olha meu merda daz uma de altivo mas nada vales tdnh6 tento medo que como eu sei que vais du ate assino A... para ti que es unpato tenho que vais esperar por mim no inferno mais uma vez como nao tenho medo de chivos como tu assino A...”.

Com as descritas condutas, o arguido quis e...

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