Acórdão nº 4/09.8TBSCR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução07 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) Relatório: Pelo Tribunal Judicial da comarca de ... corre processo comum, na forma ordinária, em que é A AA e mulher BB, identificados nos autos, e R a Companhia de CC, também identificada nos autos, pedindo aqueles a condenação desta no pagamento da quantia de 51.180,62 euros, acrescidos de juros de mora desde a citação, a título de indemnização por prejuízos já sofridos e os que entretanto vierem a sofrer, estes a liquidar em sede de execução de sentença. Alegam para tanto, e em síntese, que: São donos e legítimos possuidores da fracção autónoma destinada a habitação localizada na zona sul do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ... - ... - ... para cuja aquisição contraíram um empréstimo bancário no âmbito do qual contrataram, por indicação do banco, um seguro de vida e um seguro multirriscos relativo ao imóvel.

Aquando da aquisição do imóvel não detectaram quaisquer vícios ou deficiências de construção, tendo o contrato de seguro multirriscos sido celebrado com a ré sem prévia vistoria da seguradora. Na parte norte do prédio foi construído um muro de suporte de terras com cerca de sete metros de altura. Devido a acentuada precipitação de chuva ocorrida em Fevereiro de 2008, no dia 1 de Março de 2008 o muro em causa ruiu numa extensão de cerca de quinze metros arrastando consigo águas e pedras que se depositaram na parte posterior do seu prédio danificando pavimentos, churrasqueira, lavandaria, paredes exteriores e interiores, pinturas, instalação eléctrica e rede de águas. A reparação de tais danos e a reconstrução do muro orçou em 40.383,06 euros, acrescendo IVA à taxa legal. Da referida ocorrência resultaram ainda outros danos, que indicam. A seguradora declina qualquer responsabilidade pelo pagamento dos danos verificados invocando que o sinistro não está abrangido na cobertura do seguro concelebrado. Citada a ré apresentou contestação em que, depois de impugnar parte dos factos alegados defende que o sinistro invocado pelos autores não se encontra coberto pela apólice do seguro contratado.

Pedem a intervenção principal, para intervir ao lado da ré, do DD - … S A, que detinha sobre o prédio um crédito hipotecário recaindo sobre a fracção. Por despacho de fIs 241 foi admitida a intervenção do DD. Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta tendo sido proferida sentença do seguinte teor: "Julgo a presente acção procedente por provada e em conformidade, condeno a ré a pagar autor: I.A importância correspondente aos prejuízos resultantes do aluimento de terras, constantes das respostas aos quesitos 19 a 51 e 57 a 58,respectivamente mencionados nos parágrafos 45 a 77 e 83 a 84 da presente decisão, até ao limite máximo global de 99 759,60 euros (noventa e nove mil setecentos e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos); II. Conforme vier a liquidar-se em execução de sentença, sem prejuízo dos limites máximos parcelares, aplicáveis a cada categoria de danos, mencionados no parágrafo 107 da presente decisão III. Depois de subtraídos os montantes das franquias citados no parágrafo 107 da presente decisão, que resultarem da liquidação." Inconformada com o assim decidido a ré interpôs recurso admitido como de apelação com efeito devolutivo tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação da R revogando a sentença proferida e absolvendo a R do pedido.

Deste acórdão recorrem os AA para o STJ alegando, em conclusão, o seguinte: 1 a - O douto Acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação do disposto. no art.712° do Cód, Proc. Civ., tendo ainda violado, para além do mais, o princípio da livre apreciação da prova consignado no art.655°nº1 daquele mesmo Código, o regime das presunções estabelecido nos art"s. 349° e 3510 do Cód. Civ., bem como o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, estabelecido no Decreto-Lei n", 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n", 220/95, de 31 de Agosto.

2a - O mesmo Aresto violou também o douto Acórdão do Tribunal Constitucional n", 346/2009, de 8 de Julho de 2009, publicado no Diário da República, 2a Série - N°. 159, de 18 de Agosto de 2009, que julgou inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo consignado no n", 4 do art. 20° da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do n". 3 do art.3° e da alínea a) do n°. 1 e do n°. 4 do art. 712° do Cód. Proc. Civ., quando interpretados no sentido de permitirem que a Relação proceda oficiosamente à alteração da matéria de facto, com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição da decisão da lª instância nesse domínio e, consequentemente, modifique a decisão da causa, sem prévia audição das partes.

3a - O contrato de seguro consubstancia um contrato de adesão, na medida em que as respectivas cláusulas tratam-se de proposições pré-estabelecidas pela Seguradora, que se destinam a ser apresentadas e subscritas por destinatários indeterminados - os tomadores do seguro - de modo que sejam recebidas em bloco por quem as subscreve, sem que os aderentes tenham a possibilidade de modelar o seu conteúdo, nele introduzindo alterações, 4a - Este tipo de contratos está sujeito à disciplina do Decreto-Lei n", 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações subsequentes introduzidas pelo Decreto-Lei n", 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº, 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei nº. 323/2001, de 17• de Dezembro, cujo regime visa tutelar, fundamentalmente, quem negoceia com o proponente, isto é, o chamado contraente indeterminado.

5a - Os nºs. 1 e 2 do art.5° do Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, estabelecem o 'dever de comunicação, impondo ao proponente o ónus da prova de comunicação adequada e efectiva ao contraente a quem apresenta as cláusulas contratuais gerais e determinando que essa comunicação deve abranger a totalidade das cláusulas a ser feita de modo adequado e com a antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tomar possível o conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

6a - No que tange ao dever de informação, o diploma a que alude a conclusão precedente impõe ao proponente o dever de informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, ou que, na circunstância concreta, foi dispensada por quem tem o direito de exigi-la, previsto nos arts. 5°, nºs. 1 e 2 e 6°, nº. 1.

7a - Para que• um contratante com a diligência normal de um "bonus pater familiae" tivesse podido entender normalmente os aspectos compreendidos na cláusula de exclusão constante do art'', 4°, ponto 3.7, alínea c) das Condições Gerais do contrato de seguro da modalidade multi-riscos habitação celebrado entre AA. e R., tornava-se necessário que esta última, na qualidade de proponente do contrato de seguro com cláusulas pré-redigidas, tivesse prestado informações complementares sobre o alcance da mesma.

8a - No caso "sub judice" não se apurou que a R. Seguradora tenha cumprido o dever de informação a que alude a conclusão precedente,• pelo que se mostra violado o art. 6°, nº. 1 do Decreto-Lei n°. 446/85, de 25 de Outubro.

9a - A prova de que a Companhia de CC, S.A. não cumpriu com o dever de informação a que estava adstrita para com os AA. na qualidade de aderentes às cláusulas contratuais propostas - "maxime o no que tange à cláusula de exclusão a que alude o art.4°, ponto 3.7, alínea c) das Condições Gerais da apólice - é que, conforme resulta da factualidade apurada, se dela tivessem tido conhecimento prévio, os.AA. teriam adoptado outro comportamento, de modo a prevenir, a atitude ora assumida pela R. Seguradora.

10a - Tal constatação, transpõe o procedimento dos AA., ao subscreverem um contrato de seguro contendo uma cláusula cujo verdadeiro alcance desconheciam, para o âmbito do erro sobre o objecto do negócio, com as consequências estabelecidas nos arts. 251° e 292° doCód. Civ..

11 a - A falta de informação por parte da R. Seguradora no que tange ao verdadeiro alcance da cláusula de exclusão em litígio, determina a exclusão da mesma do respectivo contrato singular, o qual continua 'a manter-se com recurso às normas supletivas aplicáveis, bem como às regras de integração dos negócios jurídicos, se necessário.

12a - Excluída a cláusula em litígio e subsistindo - como efectivamente subsiste -, o contrato de seguro celebrado entre AA. e R. com as restantes cláusulas contratualmente estabelecidas, os primeiros, na qualidade de Tomadores do seguro, têm direito a ser indemnizados pela• segunda pelos prejuízos sofridos em consequência do sinistro a que se reportam os autos.

13a - Conforme resulta do disposto no art.684°, nº, 3 do Cód. Proc. Civ., o âmbito do recurso é determinado pelas conclusões da respectiva alegação.

14a - Escrutinado o teor das conclusões do recurso de Apelação interposto pela R. Seguradora, verifica-se que a matéria de facto apurada na lª instância não se mostra impugnada, na medida em que em parte alguma da minuta alegatória, e menos ainda nas respectivas conclusões, é dado cumprimento ao disposto no art.685°-B, n'ºs, 1, alíneas a) e b) e 2 do Cód, Proc. Civ. por banda da Apelante.

15a - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva ao aderente das cláusulas contratuais gerais compete ao proponente.

16a - No caso a que se reportam os autos, os AA. tiveram conhecimento das Condições Gerais do contrato de seguro através da respectiva entrega pela R. tendo aqueles lido e subscrito, por terem concordado, o contrato em causa, não se tendo apurado, no entanto, qual a antecedência com que foi efectuada a sua comunicação.

17a - Foi a R. Seguradora que redigiu as Condições Gerais, bem como as Condições Particulares da respectiva apólice, apresentando aos AA. um produto final.

18a - Quer as Condições Gerais, quer as Condições Especiais, quer ainda as Condições Particulares da respectiva apólice...

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