Acórdão nº 4867/06.0TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 20 de Março de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e sua mulher, BB, instauraram uma acção contra CC pedindo que a ré fosse condenada “a reconhecer o direito de propriedade dos Autores (…) e, em consequência, a restituir-lhes o espaço de rés-do-chão direito, por si indevidamente ocupado”, do prédio que identificam, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n° 986/ 19930722, “livre de pessoas e bens”.
Para o efeito, alegaram tê-lo comprado a DD, por escritura pública de 29 de Dezembro de 2005; e estar registada a correspondente aquisição, beneficiando assim da presunção de serem os seus proprietários (artigo 8º do Código do Registo Predial). Aliás, sempre teriam adquirido o direito de propriedade por usucapião.
Dizem ainda ter solicitado à ré que desocupasse o local até Agosto de 2006, sem êxito.
A ré contestou. Para além de alegar a sua ilegitimidade, por não ter sido demandado o marido (excepção que foi indeferida no despacho saneador, de fls. 268), disse ainda que o real proprietário do prédio é GG, pai do autor e dela própria, que nunca quis figurar como adquirente nas sucessivas transmissões, “por razões de defesa do seu património relativamente aos riscos das dívidas emergentes da actividade industrial por si exercida”; e que o pai lhe cedeu parte do mesmo para sua habitação, gratuitamente. Os contratos de compra e venda correspondentes sempre foram simulados e, portanto, nulos, desde que em 3 de Outubro de 1985 EE vendeu o prédio, ficticiamente, a AA, irmão de GG, que por sua vez o vendeu, também ficticiamente, a GG, irmão do autor e da ré. GG era então casado com sua mãe (e do autor e de GG), HH, tendo o prédio passado a integrar o património do casal até à morte da última, em 29 de Abril de 1988. Em 1998 GG, que sempre ficara com procuração para vender o prédio, pediu 5.000.000$00 emprestados a sua irmã DD e, “para lhe garantir o respectivo pagamento, utilizou a procuração que o filho GG lhe havia passado e celebrou, como seu «procurador», em 17/11/1998 (…), uma escritura pela qual declarou vender o prédio à dita Ana Rosa, pelo preço de 5.000.000$00 (…)”.
Munido de nova procuração, em 29 de Dezembro de 2005GG, como procurador de DD, vendeu o prédio ao autor, pelo preço declarado de € 250.000,00, na realidade contornando “a proibição legal de venda de bens de pais a filhos sem consentimento dos demais”.
Contrariamente ao afirmado na escritura, nenhum preço foi pago a DD.
Conclui, portanto, que o prédio é de seu pai e da herança de sua mãe; e que ocupa o prédio por comodato de ambos.
Em reconvenção, pediu que se declarasse que o prédio “pertence hoje ao património comum de GG, pai da Ré e do A., e da herança de sua mulher HH (…), condenando-se os AA. a abrir mão dele e a entregá-lo à herança (…)”.
Requereu a intervenção principal de GG, para intervir como seu associado, em relação à reconvenção. Tendo, porém, falecido antes de ter sido decidido o incidente, foi requerida e deferida a intervenção, como seus associados, de II, JJ, LL, MM e NN, herdeiros de GG, tal como o autor e a ré (despacho de fls. 112).
Os autores replicaram.
GG, JJ e NN fizeram seus os articulados dos autores (fls. 138, 149 e 208).
MM fez seus os articulados da ré (fls. 155) Falecido LL, foram habilitados em seu lugar OO, PP, QQ e RR.
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A fls. 684, a ré requereu, na audiência de julgamento de 10 de Janeiro de 2011, que fossem inquiridas duas testemunhas, alegando que tinham sido referidas, na própria audiência, como tendo conhecimentos importantes para a causa. O requerimento foi indeferido com fundamento em que, quanto a SS, nada resultou dos depoimentos “que ela tivesse conhecimento directo” do que estava a ser discutido no processo; quanto a UU, por nem se poder saber se a pessoa referida em audiência “era ou não a pessoa cuja inquirição se vem pedir”; quanto a ambas, porque “a Ré tinha conhecimento da [sua] existência (…) e podia tê-las arrolado oportunamente”, sem invocar o regime previsto no artigo 645º do Código de Processo Civil.
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Pela sentença de fls. 749, foi julgada procedente a acção e improcedente a reconvenção.
Em síntese, entendeu-se que a ré não tinha conseguido ilidir a presunção de titularidade resultante do registo, a favor do autor, nem demonstrando a invalidade dos sucessivos negócios de transmissão do direito de propriedade sobre o prédio dos autos, nem a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade por parte de GG; e que também não tinha logrado justificar que era fundada a recusa de restituição da parte do prédio que ocupava, em resultado de comodato.
A sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 1329.
O acórdão começou por observar que não se encontrava sob recurso a venda de 3 de Outubro de 1985, celebrada entre EE e AA e entre este e II, o que significava que este último efectivamente adquiriu a propriedade do imóvel; assim, ficava desde logo excluída a possibilidade de vir a entender-se que o verdadeiro proprietário do prédio era GG, por serem inválidas as transmissões subsequentes. Decidiu ainda que a venda de II a DD, representada por GG, foi efectivamente um negócio fiduciário, destinando-se a garantir o pagamento do empréstimo feito por DD a GG, tal como se havia entendido em 1ª Instância, improcedendo portanto a arguição de nulidade por simulação; mas que, se porventura assim se não devesse entender, não havendo prova de simulação, subsistia a compra e venda cuja invalidade a ré sustenta para justificar a invalidade do contrato de compra e venda celebrado com os autores.
E afastou-se ainda a hipótese de anulação do julgamento para a realização de diligências probatórias, requeridas pela ré a fls. 684, indeferida em 1ª Instância, por decisão da qual não foi interposto recurso e que, portanto, transitou em julgado.
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A ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «1.
O art. 645-1 do CPCivil estabelece não uma faculdade discricionária do Tribunal, mas antes um...
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