Acórdão nº 27432/02.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA S.A., sociedade com sede em …, Rue …, Case Postal …, CH … ... … CIC, Suiça, instaurou contra o Banco BB, S.A., com sede na Avenida ..., ..., em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que o réu fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 278.250 USD, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, à data de 12% ao ano, contados desde 21/05/2001 sobre o montante de 198,750 USD, desde 6/06/2001 sobre o montante de 39.750 USD, e desde 18/06/2001 sobre o montante de 39.250 USD, até integral pagamento.
Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que, no dia 10/04/2001, a autora vendeu à sociedade CC/Portugal cerca de 105 M/T toneladas métricas de pimenta negra, oriunda do Brasil, destinada a uma cliente da CC/Portugal, a sociedade DD, ..., Spa, com sede em Argel.
Foi fixado o preço unitário de 2.850 USD por tonelada métrica, com custo e frete nos portos argelinos.
Foi acordado que o pagamento seria efectuado contra a primeira apresentação de documentos, através da abertura de carta de crédito irrevogável e confirmada, pagável à primeira vista, do BB.
A AA indicou a sociedade EE como sua representante no transporte, expedição e recebimento do preço da CC.
Foram efectuados três transportes de mercadoria, em 21/05/2001 no valor de 198.750 USD, em 6/06/2001 no valor de 39.750 USD, e em 18/06/2001 no valor de 39.250 USD, perfazendo o total de 278.250 USD.
Em 22 de Junho de 2001, a EE enviou ao BB o documento de cobrança com o nº LCI - …, em nome e por conta da AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa.
Em 25 de Junho de 2001, o BB acusou a recepção da cobrança e declarou que iria proceder de acordo com as instruções da EE e Regras Uniformes Para Cobranças.
Em 2 de Julho de 2001, a EE emitiu documento no qual declara “em nome e por conta da AA que autoriza a CC a usar os documentos, mas com "irrevocable engagement from the bank", para pagar a nossa factura deduzida do valor da nota de débito nº 7".
Em 4 de Julho de 2001, a CC declarou perante o BB "assumir o compromisso de que honraremos o pagamento de USD 197.614,66 à empresa EE, valor correspondente aos documentos enviados por aquela firma ao BB com base de cobrança, que se refere ao processo LCI – 012/269357".
E aceitou e entregou ao BB uma letra de câmbio, garantindo o pagamento dos montantes em questão e recebendo deste BB a referenciada documentação.
Em 26 de Junho de 2001, a EE enviou ao BB a cobrança nº LCI –…, em nome e por conta da AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa.
Em 27 de Junho de 2001, o BB acusou a recepção da cobrança e que iria proceder de acordo com as instruções da EE e das Regras Uniformes para Cobranças.
Em 3 de Julho de 2001, a EE declara "em nome e por conta da empresa AA, que autoriza a companhia CC a usar os documentos, mas com "irrevocable engagement from the bank "para pagar a nossa factura deduzida do valor da nota de débito nº 7".
Em 5 de Julho de 2001, a EE enviou ao BB a cobrança nº LCI – …, em nome e por conta da empresa AA, com os documentos correspondentes à mercadoria em causa.
Até hoje o pagamento não foi efectuado, nem pelo BB, nem pela CC.
O crédito documentário irrevogável e confirmado constitui uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente celebrada entre o ordenador e o beneficiário.
Citado, o réu contestou, opondo, em síntese, que está pendente uma acção (com o nº 13/2002 da 4.ª Vara Cível de Lisboa), intentada pela CC contra o ora contestante, a aqui autora AA e a sociedade EE, em que é pedido: 1 - «Ser declarado não estar o réu BB CL obrigado a efectuar o pagamento das facturas ..., … e …, enviadas à cobrança pela ré EE, em nome e representação da ré AA, e, em consequência, 2 - Ser condenado o réu BB a abster-se de efectuar tal pagamento, quer à ré EE, quer á ré AA, quer estas ajam em nome próprio, quer em nome de qualquer outra entidade».
Sendo incompatíveis os pedidos formulados nos dois processos, deve ser suspensa a instância na presente acção, instaurada em segundo lugar, até haver decisão definitiva no processo n.º 13/2002.
Deve ser chamada a intervir nos presentes autos, a título principal, ou acessório, a sociedade CC – …, SA, que, como compradora da mercadoria, seria a primeira devedora do preço.
Desconhece os termos do negócio celebrado entre a Autora e a CC.
Não efectuou os pagamentos relativos às cobranças, primeiro por estar convicto de que a reclamação do pagamento por parte da autora era abusiva e, depois, por força da acção onde se discutia se o pagamento era devido.
Resulta da carta da autora junta a fls. 43 do documento único que o preço só seria pago à autora depois de, por sua vez, a CC ter recebido da ..., o que era do conhecimento do réu, na sua qualidade de “banco notificador” do crédito documentário ordenado pela ... em favor da CC.
E este crédito documentário foi encerrado sem ter sido efectuado o pagamento, devido a divergências nos documentos.
Acresce que o produto chegou ao seu destino em condições claramente impróprias, facto que também foi trazido documentalmente ao conhecimento do réu.
Na aplicação das “Regras Uniformes para Cobranças” deve ser respeitado o princípio do respeito pela boa - fé e proibição do abuso do direito.
Esse princípio legitimava o réu a não efectuar um pagamento a quem sabia não ter direito a recebê-lo.
A autora replicou, opondo-se à suspensão da instância e à intervenção nos autos da CC e, alegando que a presente acção se funda num crédito documentário, independente do contrato principal celebrado com a CC, defendeu que não cabe aqui discutir a interpretação ou o cumprimento desse contrato.
Foi admitida a intervenção nos autos, como parte acessória, da CC – …, SA.
Esta contestou, requerendo também a suspensão da instância até haver decisão na acção com o processo n.º 13/2002 da 4.ª Vara Cível e defendeu a improcedência da acção, opondo que entre as partes não foi acordada uma remessa documentária mas antes que a CC pagaria à AA no dia em que recebesse da ..., para o que era necessário que toda a documentação a enviar a esta estivesse em ordem.
Logo que recebeu cópia dessa documentação, a CC comunicou à AA as divergências encontradas nos documentos, as quais não foram corrigidas pela AA e deram causa a que a ... não recebesse a documentação e o crédito documentário fosse encerrado sem ter sido efectuado o pagamento, pelo que não se verificou a condição – o prévio recebimento do preço pela CC - de que dependia o pagamento do preço à Autora.
Por despacho de 11/06/2004, a fls. 332 dos autos, foi determinada a suspensão desta instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção n.º 13/2002 da 4ª Vara Cível de Lisboa. Ali se ponderou que: «…analisados os pedidos formulados em ambas as acções (…), verifica-se que os pedidos são precisamente o verso e inverso um do outro, sendo que a decisão a proferir num inviabilizará, à partida, a outra acção, por ser contraditória, quase de forma necessária, com a outra acção, daí resultando que, tendo o processo pendente na 2.ª Vara Cível, 1ª Secção, sido o segundo a ser instaurado, deverá este ficar a aguardar a decisão a proferir naquele pendente na 4ª Vara, de modo a evitar decisões contraditórias…».
A fls. 397 e seguintes foi junta certidão da decisão proferida nessa acção, com nota de trânsito.
Seguiu-se a sentença, tendo a presente acção sido julgada improcedente, com a absolvição do réu do pedido.
Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 24/01/2013, confirmou a decisão recorrida.
De novo inconformada, a autora recorre de revista, apresentando as seguintes conclusões: 1ª - O acórdão recorrido deve ser revogado, com a consequente procedência da acção.
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- O Tribunal da Relação fez incorrecta aplicação do artigo 712º nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil, uma vez que a presente acção não pode ser decidida, tão - somente e apenas com os factos dados como provados naqueloutra acção nº 13/02.
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- É necessário averiguar a factualidade nova que está alegada na presente acção e que não foi alegada na aludida acção nº 13/02.
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- Porque são factos controvertidos e interessam à boa decisão da causa sob as várias soluções plausíveis da questão de direito, deveriam ser levados à base instrutória e submetidos a produção de prova os factos alegados pela Autora sob os artigos 25º, 44º, 45º, 53º, da petição inicial.
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- Na presente acção não se discute o contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a CC (a qual, aliás, não foi demandada pela Autora mas sim chamada pelo Réu BB), mas sim a obrigação autónoma do Réu BB em pagar o valor do crédito documentário à Autora.
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- A execução do contrato foi garantida por caução bancária prestada pela FF e contra - garantida pelo Banque BB et de la GG.
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- No crédito documentário aberto por ordem da CC, o aqui Réu Banco BB era o banco notificador, que tinha o encargo de notificar o crédito e, ainda, de receber e verificar os documentos e pagar ao beneficiário (a aqui Autora).
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- Nesse crédito documentário e após interpelação e solicitação da Autora, o Réu BB assumiu-se como banco notificador e confirmador, tendo declarado confirmá-lo, através da sua representada EE, declarando que pagaria o respectivo valor à Autora.
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- Essa confirmação no Crédito Documentário emitido, foi assumida pelo Réu BB, perante a representante da Autora, EE, que consistiu na assunção da obrigação de pagamento, autonomamente, do crédito documentário.
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- O Réu, que, inicialmente, fora indicado pelo banco emitente como notificador ou banco designado, obrigou-se, perante a representante da Autora, EE a efectuar o pagamento da quantia peticionada, independentemente das vicissitudes ou incumprimento, ou ainda, cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.
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- Este compromisso e obrigação foram assumidos pelo Réu BB através de declaração de que tal obrigação era irrevogável, e que consta do documento...
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