Acórdão nº 0164/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução04 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 50/03 do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………, Lda.” (a seguir Impugnante ou Recorrida), na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da decisão da reclamação graciosa de indeferimento do pedido de anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1992, por a Administração tributária (AT) ter considerado, para além do mais e na parte que ora nos interessa, que não podiam ser aceites como custos do exercício as importâncias inscritas na contabilidade como provisões para “processos judiciais em curso”, no valor de Esc. 27.990.000$00, apresentou impugnação judicial contra essa liquidação e respectivos juros compensatórios e contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico.

Pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto a anulação do despacho e liquidação impugnados e que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto foi extinto, tendo-lhe sucedido nas respectivas competências o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

) decidiu a impugnação judicial no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide no que respeita aos juros compensatórios, uma vez que a respectiva liquidação foi anulada em face do pagamento do imposto efectuado ao abrigo do disposto do disposto no Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro (Nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, do referido diploma legal, «[o]pagamento, no todo ou em parte, do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002 determina, na parte correspondente, dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios».

); no demais, decidiu pela procedência quanto ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico e quanto à liquidação, que anulou, bem como condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data dos pagamentos até à data da emissão da nota de crédito.

Em síntese, entendeu que não podia a AT desconsiderar o custo contabilizado pela Impugnante, no valor de Esc. 27.990.000$00, respeitante a provisão para ocorrer a obrigações e encargos resultantes de processos judiciais em curso, uma vez que esta foi constituída de acordo com o disposto nos arts. 23.º, alínea h), e 33.º, n.º 1, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção em vigor à data (O CIRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, veio a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

) e à qual, na ausência de indicação em contrário, se referirão todas as normas do CIRC a citar.

1.3 A Fazenda Pública recorreu da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « 1. A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a impugnante podia considerar como custo fiscal do exercício de 1992 as provisões que se destinam a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício, as quais conduziram a correcções de natureza aritmética no referido montante de 27.990.000$00 gerando desse modo um acréscimo no activo contabilístico da impugnante, e que a Administração Tributária não aceitou.

  1. Entendeu o tribunal que a provisão inscrita pela impugnante no valor de 27.990.000$00 para fazer face a riscos emergentes de processos de natureza judicial deve ser considerada como custo fiscalmente dedutível nos termos do art. 23.º, al. h) e art. 33.º, n.º 1, al. c), ambos do CIRC.

  2. Contrariamente defende-se que a Administração Tributária ao efectuar a correcção ao resultado tributável declarado do exercício de 1992, por não consideração como custo fiscal das provisões ora em causa, actuou de conformidade com os critérios objectivamente definidos na lei.

  3. Segundo o Plano Oficial de Contabilidade (POC), a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo.

  4. Na base desta consideração estão os princípios contabilísticos da especialização dos exercícios e o da prudência, porquanto se pretende que a contabilidade traduza uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa.

  5. Atentos estes princípios, e procurando uniformizar a fiscalidade e a contabilidade, o legislador fixou, nos arts. 33.ºe 34.º do CIRC, na redacção vigente à data, regras precisas e objectivas quanto à constituição ou reforço das provisões fiscalmente dedutíveis, as quais se aplicam no caso concreto: Þ os créditos resultam da actividade normal da empresa, Þ no fim do exercício os créditos reúnam os pressupostos para serem considerados como custos, Þ e que os mesmos estejam evidenciados como tal na contabilidade.

  6. Se o factor determinante do risco não se verificar, as provisões constituídas com o fim de precaver esse risco, são anuladas por transferência para a conta de resultados, tendo em vista a sua tributação como proveitos do exercício, na esteira do que preconiza o n.º 2 do art. 33.º do CIRC, relativamente às provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam.

  7. A doutrina vigente é no sentido de que a constituição da provisão é obrigatória para o contribuinte que dela se pretenda aproveitar, e também no sentido que tem de ser inscrita como tal no primeiro exercício em que ocorreram os pressupostos previstos na lei.

  8. Para que a constituição ou reforço das preditas provisões, em 1992, fosse aceite como custo fiscal, teria de ser demonstrado e provado pela impugnante, pois que tal ónus lhe cabe, face ao disposto no art. 342.º do C.Civil, e hoje, art. 74.º da LGT, que o risco se verificou nesse exercício, o que não logrou fazer, carecendo de qualquer suporte legal a constituição e consideração como custo fiscal.

  9. Ao não decidir desta forma, a douta sentença recorrida violou as disposições legais supracitadas.

Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão» (Aqui, como adiante, porque utilizámos o itálico nas transcrições, para os segmentos que se encontravam em itálico no original usámos o tipo normal, de modo a manter a distinção aí efectuada.

).

1.5 A Impugnante não contra alegou.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e indicou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido a requerimento da Recorrente.

1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, em síntese, com a seguinte fundamentação: «Nos termos do art. 23.º n.º 1 do C. do I.R.C., aprovado pelo Dec.-Lei n.º 442-B/88, de 30/11, aplicável desde 1-1-1989, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...) h) Provisões”.

Nos termos do art. 33.º do mesmo código, “podem ser deduzidas as seguintes provisões: (…) c) as que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos de exercício”.

A interpretação efectuada na sentença recorrida quanto ao previsto nestas disposições vai no sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que admite a constituição de provisão desde que o encargo seja imputável ao exercício e ainda que a sua comprovação venha a ser futura – assim, ac. do S.T.A. de 28/3/95 que se cita.

E não será necessário verificar uma relação de causalidade necessária com o acto, mas apenas o risco normal decorrente de uma actividade económica, adequada à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

Também quanto ao ónus da prova, não será de pôr em causa a apreciação efectuada quanto à imputação do dito custo em termos de poder resultar ainda a sua indispensabilidade, considerando esta como uma opção que podia ser efectuada “no interesse da empresa”, a qual se adequa ao quadro constitucional da liberdade de gestão.

Certo é que, nos termos em que se fundamentou o acto, tal como foi transcrito na sentença recorrida, se considerou ser de por em causa tal com base num outro critério relativo à indispensabilidade, o qual, esse sim, imporia uma avaliação da razoabilidade do procedimento adoptado».

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou que a liquidação adicional de IRC ora impugnada enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, ou seja, se a ora Recorrida podia ou não considerar como custo fiscal do exercício de 1992 a provisão destinada a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais que foi constituída pela ora Recorrida relativamente a um processo judicial que lhe foi movido nesse ano. Atento o teor das conclusões do recurso, a resposta a essa questão passa exclusivamente por saber se a Impugnante teria que demonstrar que foi naquele exercício de 1992 que se consumou o risco e, na afirmativa, se fez ou não essa demonstração.

* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, que sujeitamos a alíneas da nossa autoria: «Factos provados: A. Por documento particular de 20/01/1987, a impugnante...

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