Acórdão nº 810/12.6JACBR-A.C1-B de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução19 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho de 22 de Fevereiro de 2013, proferido nos autos de inquérito n.º 810/12.6JACBR, a Ex.ma Juiz de Instrução do Tribunal Judicial de Alvaiázere determinou, designadamente, que as arguidas A...

e B...

, devidamente identificadas no auto de 1.º interrogatório, aguardariam os ulteriores termos do processo sujeitas à medida coactiva de prisão preventiva, cumulada com o termo de identidade e residência. Inconformadas com o douto despacho dele interpuseram recurso as arguidas A...e B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Considerando o supra expendido no ponto I, que aqui se dá por reproduzido, constata-se que às arguidas não foi dado conhecimento integral dos indícios contra elas colhidos nos termos e pela forma porque o deveriam ter sido, em cumprimento das regras das alíneas c) e d) do n.º 4, do art. 141.º do C.P.Penal, que assim foi violado.

  1. Efectivamente, a prova constante dos testemunhos de fls. 585 a 591 foi classificada de reservada, em razão de segredo de justiça, pelo que dela não tiveram as arguidas conhecimento, nem sobre ela puderam exercer o contraditório.

  2. Não obstante, tal prova terá contribuído de maneira determinante para a convicção do julgador, 4. Essa circunstância, limitadora do aludido contraditório, configura uma inconstitucionalidade por violação dos comandos do n.º 4 do art. 27.º e do n.º1 do art. 28.º da C.R.P..

  3. Devendo, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, 6. De uma outra perspectiva, e de acordo com o explanado supra no ponto II que aqui se dá por reproduzido, inexistem fortes indícios da prática, pelas arguidas, dos crimes que se lhes imputam.

  4. Constata-se que a investigação assenta no pré-juízo de que as arguidas estariam mancomunadas com os assaltantes, sendo a partir desse pré-juízo que se interpretam os factos.

  5. Inexistem, porém, como era mister, indícios sólidos e inequívocos, enquadráveis no conceito legal de fortes indícios.

  6. As simples suspeitas que se colhem dos autos, porque imprecisas e não concordantes, não são suficientes para integrarem esse conceito.

  7. Na falta de tais fortes indícios, é ilegítima a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva, atentas as regras do art.202.º do C.P.Penal, que assim resultou violado.

  8. Ainda que se concedesse, o que apenas se faz por hipótese de raciocínio, que as violações supra referidas não ocorreram, sempre a medida coactiva aplicada às arguidas - prisão preventiva - se revela violadora dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, plasmados no art.193.º do C.P.Penal.

  9. De facto, não se vislumbra, em concreto, a verificação dos perigos para aquisição e conservação da prova ou de continuação de actuação delituosa.

  10. Tais perigos, para relevarem no sentido do normativo terão de ser reais e iminentes e não meramente hipotéticos, virtuais ou longínquos.

  11. No caso dos autos, as razões invocadas para a presumida existência de tais perigos são inconsistentes porque subjectivas e não concretizadas.

  12. Consequentemente, foi violado o art.204.º do C.P.Penal, por erro de interpretação e aplicação, devendo as arguidas ser sujeitas apenas e tão só a TIR.

  13. Sem conceder, a medida aplicada - prisão preventiva – é manifestamente desadequada e desproporcionada, tendo em vista o facto de as arguidas não terem antecedentes criminais (relevando, no que à arguida A...concerne, o facto de ter já 54 anos de idade) e terem situações profissionais e sociais estáveis.

  14. Sendo certo que, como se referiu na parte final do ponto III e aqui se dá como reproduzido por economia processual, existem condições que permitem a substituição da prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação com vigilância, electrónica, 18. Medida que, embora gravosa, satisfará plenamente as exigências cautelares e, do mesmo passo, permitirá que a primeira arguida prossiga com os tratamentos médicos e psiquiátricos de que carece, e a segunda arguida possa prestar a necessária assistência ao seu filho menor de seis anos.

    Termos em que, na procedência do recurso, deverá ser revogada a medida coactiva aplicada, ficando as arguidas apenas sujeitas a termo de identidade e residência - TIR.

    Subsidiariamente, e ainda que se entendesse necessária medida mais gravosa, deverá substituir-se a aplicada (prisão preventiva) pela prevista no art.201.º do C.P.Penal.

    O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelas arguidas A...e B... pugnando pelo não provimento do mesmo.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelas arguidas A...e B....

    Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal, responderam as arguidas A...e B..., mantendo a posição assumida no recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação [...] * * O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

    São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

    No caso dos autos, face às conclusões da motivação das recorrentes A... e B... as questões a decidir são as seguintes: - se ao não haver sido dado conhecimento integral às arguidas dos indícios contra elas recolhidos, nem conhecimento da prova testemunhal de folhas 586 a 591, foi violado o direito ao contraditório a que aludem os art.141.º, n.º 4, alíneas c) e d), do C.P.P. e 27.º n.º 4 e 28.º, n.º1, da C.R.P.; - se inexistem fortes indícios da prática dos crimes imputados às arguidas, pelo que foram violadas as regras do art.202.º do C.P.P. na aplicação da medida coactiva de prisão preventiva; e - se é desadequada a medida da prisão preventiva que lhes foi aplicada, por não verificação dos pressupostos a que aludem os artigos 193.º e 204.º do C.P.P., pelo que deve ser revogada aquela medida e substituída por TIR ou mesmo pela medida prevista no art.201.º do mesmo Código.

    - Passemos ao conhecimento da primeira questão As arguidas B... e A... defendem que o despacho recorrido violou as regras do art.141.º, n.º4, alíneas c) e d), do C.P.P., porquanto no auto de interrogatório a Ex.ma Juíza se limitou a ler a promoção do Ministério Público e da mesma não constam as circunstâncias de tempo, lugar e modo da prática dos factos que indiciariamente lhe são imputados, dela constando apenas a descrição factual de um assalto a uma instituição bancária por dois indivíduos do sexo masculino. Relativamente à participação das arguidas na preparação do assalto e actuações posteriores inexiste factualidade concreta.

    Por outro lado, como se alcança da mesma promoção do Ministério Público e do despacho recorrido, foi decidido que não fosse dado conhecimento dos depoimentos constantes de fls. 585 a 591, classificados de reservados, em razão de segredo de justiça, pelo que as arguidas não tiveram conhecimento desta prova, que terá contribuído de maneira determinante para a convicção do julgador. Esta circunstância, limitadora do contraditório, configura uma inconstitucionalidade por violação dos comandos do n.º 4 do art. 27.º e do n.º1 do art. 28.º da C.R.P..

    Vejamos.

    O art.27.º, n.º4 da Constituição da República Portuguesa, estabelece que « Toda a pessoa privada de liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.».

    O dever de informação imediata e de forma compreensível, das razões da privação da liberdade, destina-se a garantir a proibição de privações da liberdade arbitrárias e assegurar o direito de defesa.

    No mesmo sentido, o art.28.º, n.º1, da Lei Fundamental, estabelece que « A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.». A ideia geral que pode formular-se a respeito do direito de defesa, que resulta destes preceitos constitucionais e do art.32.º da Constituição, é a de que o processo criminal há-de configurar-se como um “due processo of law”, um processo equitativo e leal.

    Na concretização das garantias de defesa em processo criminal, o art.141.º do Código de Processo Penal, a propósito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, estabelece no seu n.º 4 – na redacção vigente à data dos factos – que o Juiz de Instrução deve informar o arguido: « a) Dos direitos referidos no n.º1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário; b) Dos motivos da detenção; c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime, ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.».

    As alíneas c) e d), deste n.º4 do art.141.º do C.P.P., dão tradução à jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada designadamente no acórdão n.º 416/2003, que decidiu «Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP, a norma do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” pode consistir na formulação de perguntas gerais e abstractas, sem concretização das...

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