Acórdão nº 33/12.4TAGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução19 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1. No âmbito do inquérito registado sob o n.º 33/12.4TAGVA que correu termos no Tribunal Judicial de Gouveia, o MP decidiu acusar em processo comum e com intervenção do tribunal singular, o arguido A...

, melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de quatro crimes de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, 183º, n.º1, al. a), 184º e 132º, n.º2, al. l), todos do Código Penal. 2. Inconformado com o despacho de acusação, o arguido requereu a abertura de instrução. 3.Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho, no qual ficou decidido não pronunciar o arguido pelos factos e qualificação jurídica constantes da acusação pública.

  1. Desta decisão recorreram o MP e os assistentes B..., C..., D... e E..., formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões: 4.1 - Do MP 1 - Mostra-se suficientemente indiciado que o arguido, no dia 26 de Dezembro de 2011, pelas 15:30 horas, numa reunião ordinária da Câmara Municipal de Gouveia, que teve lugar na sala de reuniões do edifício dos Paços do Concelho de Gouveia dirigindo-se a todos (4) os assistentes, que exercem funções executivas na Câmara, disse, em voz alta e em tom sério, e perante as várias pessoas que ali se encontravam que: "...ultimamente fui confrontado com três casos mas, pelo menos, um muito grave. O primeiro prende-se com o facto de terem ido referindo-se ao pessoal da Câmara - desligar dois candeeiros que ficam mesmo emfrenteao acesso ao meu parque TIR .... não há necessidade de fazer uma coisa daquelas. Perseguição, chega, Basta" e "... Tem que haver mais respeito pelas pessoas que trabalham por aqui e os senhores não têm tido respeito por mim e o Senhor - falando para o Presidente da Câmara - é um deles que é de Ribamondego, não tem vergonha, passa lá todos os dias.

    É uma vergonha, pois só fazem trabalho para um grupo de amigalhaços"...

    2 - Tais expressões porque levantam suspeitas de parcialidade e favorecimento, são objectivamente ofensivas da honra e consideração dos assistentes.

    3 - Integram por isso, o crime de injúria agravada p. e p., pelos arts. 181.º, 183.º, n.º 1, al. a), 184.º e 132.º, n.º 2, al. j), todos do C.Penal.

    4 - Assim, deverá o despacho de não pronúncia ser substituído por outro que pronuncie o arguido pela prática de quatro crimes de injúria agravada, p. e p., pelos art°s. 181°, 183.º, n.º 1, al. a), 184° e 132°, n.º 2, al. j), todos de C.Penal.

    5 - A decisão recorrida violou o disposto nos art°s 181.º, 183.º, n.º 1, al. a), 184.º e 132.º, n.º 2, al. j), todos do C.Penal.

    TERMOS EM QUE, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que pronuncie o arguido pelos factos e crimes constantes da Acusação Pública, seguindo-se os ulteriores trâmites até final.

    ASSIM, farão V EXAS como sempre Justiça.” 4.2 - Dos assistentes B..., C..., D... e E...: “CONCLUSÕES 1) As expressões ‘Perseguição, chega, basta, é uma vergonha pois só trabalham para um grupo de amigalhaços” proferida por um cidadão numa sessão de Câmara e dirigida para o Presidente e para os vereadores do executivo municipal são objetiva e subjetivamente injuriosas, por ofenderem a honra e consideração pessoal, política e funcional dos visados.

    2) O povo atribui a estas expressões conotação depreciativa, associando-as a um juízo negativo sobre o caracter e a personalidade dos assistentes, que qualificam como pouco transparentes, isentos, imparciais e até corruptos e vulneráveis a favorecimentos e abusos de poder.

    3) As expressões em causa, mesmo tendo políticos como destinatários, extravasam o direito à livre crítica e à liberdade de expressão do cidadão que as proferiu e ofendem o direito à reputação e à honorabilidade desses políticos, ainda que a tutela dos bens pessoais destes seja mais reduzida ou fragmentada que a do cidadão comum.

    4) Era importante apurar-se se os factos alegados no art. 6 do pedido de indemnização civil (também constantes da participação criminal), se encontravam ou não indiciados, sendo que se viesse a demonstrar-se que as relações pessoais entre o arguido e os assistentes eram já de conflito e de atrito, favorecendo a retaliação e as agressões gratuitas, mais verosímeis e preenchíveis se tornariam os elementos subjectivos do tipo ilegal do crime de injúria agravada que o arguido vinha acusado.

    5) Há nos autos indícios suficientes de que o arguido praticou quatro crimes de injúria agravada, previsto e punido nos arts. 181º, 183 n.º 1, al. a), 184º e 132º, n.º 2, al. j) do Código Penal, pelo que teria de ser - e deve ser - pronunciado por esses crimes e sujeito a julgamento.

    6) Mesmo que a decisão instrutória fosse de não pronúncia ou absolutória, o arguido devia e deve ser sempre condenado na indemnização cível que foi peticionada, por se revelar fundada.

    7) A sentença recorrida violou ou interpretou incorretamente os arts. 181º, 183º, n.° 1, al. a), 184º e 132º, n.° 2, al. a) e 1) do C. Penal e 377º do C.P.Penal, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que submeta o arguido a julgamento.

    Assim se fará JUSTIÇA!” 4.3.

    O recorrido respondeu ao recurso do MP nos seguintes termos: “Não merece qualquer censura a douta decisão instrutória que não pronunciou o arguido pelos crimes de que vinha acusado, que se encontra, como bem reconhece o recorrente Ministério Público, bem fundamentada e com todo o brilhantismo intelectual.

    O recorrente Ministério Público vem dizer que o arguido, numa reunião pública da Câmara, ao pronunciar as palavras “é uma vergonha pois só fazem trabalho para um grupo de amigalhaços"quis insinuar que há especiais interesses que os assistentes procurariam salvaguardar com um tal grupo que na opinião do arguido seria por eles beneficiado.

    E acrescenta, insinua-se, assim, um favorecimento de um determinado grupo de pessoas por parte dos assistentes, ou seja, na prática que os assistentes estariam a praticar atos corruptivos Por fim refere que tais expressões, por desnecessárias, excessivas e ultrajantes são objetiva e subjetivamente ofensivas da honra e consideração de quem quer que seja, designadamente de quem exerce funções políticas." E para alicerçar estas conclusões procura nos textos legais f artigo 132.º nº 2 alínea I) do CP, artigo 4.° da Lei 29/87, artigo 84º da lei 169/99 das autarquias locais) um espécie de “salvo conduto” para que os assistentes não possam estar sujeitos a crítica por parte dos munícipes e no lugar próprio - a reunião pública da câmara.

    Ora, as normas invocadas tem o desiderato oposto àquele que o recorrente pretende dar.

    Começamos pela norma do artigo 84.° da lei das autarquias locais para dizer que o arguido, conforme resulta da ata da reunião pública, não se intrometeu em qualquer discussão que os assistentes estivessem a ter, nem aplaudiu ou reprovou as opiniões que aqueles emitissem, as votações ou as deliberações tomadas.

    O arguido pediu ao Presidente do órgão colegial para usar da palavra, o que lhe foi deferido, dizendo aquilo que consta da ata.

    Em momento algum usou da palavra sem estar autorizado.

    Respeitou escrupulosamente as normas que devia observar enquanto usava da palavra na reunião pública.

    Não deixa de ser estranho o raciocínio percorrido pelo recorrente ao afirmar que as palavras imputadas ao arguido “é uma vergonha só fazem trabalho para um grupo de amigalhaços” são objetiva e subjetivamente ofensivas para quem quer que seja na medida em que a amizade entre as pessoas não é proibida, assim como não é proibido não ter inimigos.

    Dito de outro modo não é crime, nem é ética e moralmente reprovável uma pessoa trabalhar só para os amigos.

    Não pode, por isso, o recorrente comparar os assistentes enquanto membros de um órgão da autarquia local que têm como atribuições a satisfação do bem comum com a generalidade das pessoas que têm o direito de escolher trabalhar só para os amigos.

    Quanto à qualificação agravada prevista no artigo 132.° n.° 2 alínea I) do CP, a mesma resulta do facto daquelas pessoas, ao contrário da generalidade dos cidadãos, exercerem especiais funções - públicas - na sociedade em prol do bem comum É por esta razão, por exercerem funções públicas em nome e por conta da generalidade dos cidadãos, que estão sujeitas à crítica mais assertiva do que a generalidade das pessoas.

    Como tivemos oportunidade de dizer no nosso requerimento de abertura de instrução, a atuação dos titulares dos órgãos eleitos pelo povo, como são os assistentes, é de proximidade com os cidadãos, com conhecimento direto das pessoas, enfim, atuando em conformidade com a relação de amizade que, muitas da vezes, vão estabelecendo sem qualquer intenção de os beneficiar ou causar prejuízo a outrem, mas desconhecendo aqueles que não são amigos e que por isso muitas das vezes não conseguem, até por vergonha, manifestar os seus anseios e desejos.

    Não é proibido aos eleitos locais ter amigos e de tomarem decisões que apenas a estes digam respeito.

    Aliás, mal feito seria se os eleitos locais estivessem proibidos ou inibidos de atuarem sempre que estejam em causa decisões que dizem respeito ao bem comum em que os amigos estão por elas abrangidos.

    O mal está em ignorarem, por omissão, os outros que por não serem seus conhecidos e amigos, também são destinatários...

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