Acórdão nº 236/11.9TTCTB.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução07 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I) Relatório A AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO, Centro Local da Beira Interior, condenou a recorrente ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE A...

, com sede ..., na coima de € 2.754,00 pela prática da contra-ordenação muito grave negligente prevista e punível pelos arts. 29º/1/3 e 554º/4/a do CT/09.

*Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, tendo a decisão da entidade recorrida sido integralmente confirmada pelo Tribunal do Trabalho de Castelo Branco (fls. 316 a 328).

*Mais uma vez inconformada, recorreu a arguida para esta Relação, pugnando pela anulação do julgamento; a não entender-se assim, deveria a recorrente ser absolvida da contra-ordenação pela qual foi condenada.

Apresentou as seguintes conclusões: […]*Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela integral improcedência do recurso e manutenção do julgado.

*Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público entende que o recurso não merece provimento.

*Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

*II) Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir no âmbito deste recurso: 1ª) se o disposto no art. 47º/3 da Lei 107/09, de 14/9, padece de inconstitucionalidade; 2ª) se a sentença recorrida é nula por violação do art. 374º, nº 2, do CPP, e 659º, nº 2, do CPC; 3ª) se os factos provados permitem concluir pela comissão, pela recorrente, da contra-ordenação pela qual foi condenada.

*III) Fundamentação A) De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os factos a seguir transcritos: […] B) De direito*Atento o disposto no art. 75º/1 do RGCO (DL 433/82, de 27/10, na redacção em vigor), os poderes de cognição deste tribunal abrangem apenas a matéria de direito.

*Primeira questão: se o disposto no art. 47º/3 da Lei 107/09, de 14/9, padece de inconstitucionalidade.

Importa referir, antes de mais, que estamos no âmbito deste processo no domínio do direito contra-ordenacional, diferente do direito penal, sendo de natureza distinta a tutela conferida por cada um desses ramos do direito: enquanto o ilícito penal empresta uma protecção jurídico-penal, o ilícito de mera ordenação social limita-se a proporcionar uma tutela mais administrativa.

Por outro lado, enquanto no ilícito penal se exige sempre a intervenção judicial, quem aplica as coimas no ilícito de mera ordenação social é a administração e só em caso de não conformação ou de concurso de crime e contra-ordenações é que poderá haver a intervenção jurisdicional.

Além disso, são de natureza distinta as sanções correspondentes a esses dois tipos de ilícito: a sanção típica do ilícito penal é a pena, sendo a coima aquela que corresponde ao ilícito de mera ordenação social.

O direito de mera ordenação social está ligado historicamente à concretização do princípio da subsidiariedade do direito penal e ao movimento de descriminalização, tendo-se pretendido construir, através dele, um modelo de protecção de interesses eticamente neutros, de natureza eminentemente administrativa, mas cuja violação ainda assim justificaria reacções que devam exprimir uma censura de natureza social levada a cabo através da previsão e aplicação de sanções de natureza administrativa.

Estão aqui em causa comportamentos humanos igualmente ilícitos, mas merecedores de uma censura com menor ressonância que as condutas criminais.

Tendo em consideração as diferenças acabadas de apontar, bem se compreende que normas processuais contra-ordenacionais tenham uma dimensão não tão marcadamente garantística como as congéneres penais, sem prejuízo de deverem assegurar os direitos de audiência e de defesa (art. 32º/10 da CRP).

Note-se, apesar disso, que o art. 32º/10 da CRP não exige que o processo contra-ordenacional, enquanto processo sancionatório, assegure um conjunto de garantias equivalentes às previstas no processo criminal; o que essa norma implica é, apenas, a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. acórdão do TC n.° 659/06; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo 1, Coimbra, 2005, p. 363), tendo sido inclusivamente rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar a extensão, ao arguido nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios, de “todas as garantias do processo criminal” (...).

Tudo a significar, assim, que conquanto o processo contra-ordenacional tenha de subordinar-se ao reconhecimento de um conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, tal não o equipara ao processo penal, não conduzindo, por isso, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição para o primeiro de todas e quaisquer garantias expressamente previstas para o segundo, É justamente nesse âmbito de menores garantias conferidas pelo processo de contra-ordenação que surge a limitação imposta pelo art. 47º, nº 3, da Lei 107/09, de 14/9, ao determinar o MP e o arguido podem arrolar, apenas, duas testemunhas por cada infracção.

Em tese e abstractamente, não vislumbramos que essa norma seja de molde a ofender o direito de defesa do arguido em processo contra-ordenacional, contanto que se conjugue devidamente esse direito de arrolar duas...

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