Acórdão nº 01122/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1. B……….. LTD propôs no TAC de Lisboa pedido de suspensão da eficácia da autorização de introdução no mercado concedida (AIM) pelo INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde IP, e de intimação do Ministério da Economia e do Emprego (MEE), pela Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE), a abster-se de fixar o preço de venda ao público (PVP) a favor das contra interessadas C……….., D……….. e E…………, relativamente a diversos medicamentos genéricos.

Invocou a protecção dos medicamentos decorrente de titularidade de patente e de certificado complementar de protecção.

1.2. Por sentença de 16-01-2012, o TAC de Lisboa julgou improcedentes os pedidos, por manifesta improcedência da pretensão principal, face ao Estatuto do Medicamento, o que se teria tornado claro com a entrada em vigor da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro.

1.3.

A requerente da providência recorreu da sentença para o Tribunal central Administrativo Sul que, por Acórdão de 26 de Abril de 2012 (fls. 906-921), negou provimento ao recurso, também manifesta falta de fundamento jurídico da pretensão impugnatória ou “fumus malus”.

1.4. É desse acórdão que a requerente da providência veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

1.5. A recorrente apresentou alegação na qual formulou as seguintes conclusões: «1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  3. Face ao corpo factual que deve resultar provado é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

  4. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  5. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.°.

  6. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indireta ou reflexa, decorrente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.

  7. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade.

  8. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva.

  9. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  10. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  11. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento.

    13.° Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal atividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade.

  12. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  13. A nova norma do artigo 23.º-A do Estatuto do Medicamento apenas tem a ver com os pressupostos de facto dos atos de emissão das AIMs, relativos à saúde pública e não já com a teleologia dessas mesmas AIM, que é o que releva para a decisão desta causa, tal como formulada pela ora Recorrente, não impedindo a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  14. As normas dos artigos 25.°, n.º 2 e 179.°, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.º 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.° e 135.° do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos atos praticados pelo INFARMED tendentes à violação desses direitos, à luz dessas disposições.

  15. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  16. Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais...

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