Acórdão nº 161/11 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução24 de Março de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 161/2011

Processo n.º 593/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. No presente incidente de actualização de pensões por acidente de trabalho, que correu termos perante o Tribunal de Trabalho de Setúbal, por decisão de 31 de Maio de 2010, foi recusada a aplicação da norma do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, na parte em que aditou um n.º 5 ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, e, nesse sentido, determinou-se que o Fundo de Acidentes de Trabalho, regulamentado por esse diploma, e ao caso aplicável, procedesse ao pagamento do diferencial das pensões devidas aos beneficiários, quer pela parte da remuneração não transferida para a seguradora, quer pelas pensões agravadas, devidas em consequência da actuação culposa da entidade patronal.

    Para tanto, considerou-se que a norma em causa, ao alterar a redacção do artigo 1.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, restringe direitos dos trabalhadores em matéria de acidentes de trabalho, e foi emitida sem precedência de autorização legislativa e sem indicação expressa de ter sido editada em desenvolvimento dos princípios ou bases gerais da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (que aprovou a Lei dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), e encontra-se, por isso, inquinada de inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República; além de que, ao excluir a responsabilidade do Fundo pelo pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante de actuação culposa da entidade empregadora, enferma também de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, na medida em que faz depender o direito à justa reparação da capacidade económica da respectiva entidade patronal.

    Tendo sido interposto recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, veio o Ministério Público, no seguimento do processo, apresentar as suas alegações, em que conclui do seguinte modo:

  2. O presente recurso foi interposto, pelo Ministério Público, como recurso obrigatório, “nos termos do artigo 70º, n.º 1 alínea a)” da LOFTC.

  3. Vem impugnada a douta sentença, do Tribunal do Trabalho de Setúbal, de 31 de Maio de 2010, proferida nos autos de “Acidente de Trabalho – Morte (Fase Contenciosa)”, Proc. n.º 920/07.1TTSTB, em que é beneficiária A., entidade responsável a Companhia de Seguros B., SA e interveniente acidental o Instituto de Seguros de Portugal – FAT.

  4. É um recurso por inconstitucionalidade (decisão positiva), emergente da recusa de aplicação [“declara-se a inconstitucionalidade”] do artigo 2º do Decreto-lei 185/2007, de 10 de Maio, na parte em que introduz um novo n.º 5 ao artigo 1º do Decreto-lei 142/1999, de 30 de Abril”.

  5. O art. 2º do DL n.º 185/2007, cit., na parte em que adita um novo n.º 5 ao art. 1º do DL n.º 142/1999, cit., tem carácter inovatório face ao regime deste último diploma, pois lhe adita uma nova norma disciplinando o âmbito das prestações subsidiariamente garantidas pelo FAT, por facto de “acidente de trabalho”, no sentido de as restringir às “prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa” da entidade responsável.

  6. Interveio, assim, o Governo-legislador numa “dimensão essencial” da garantia, qual seja a da extensão das prestações (geral e agravada, na lei antiga, só a geral, na lei nova, mais restritiva) da responsabilidade do FAT.

  7. Portanto, em última análise a norma, ora em exame, conformou, inovatória e restritivamente, uma “dimensão essencial” do conteúdo do “direito dos trabalhadores” à percepção de “justa reparação”, quando vítimas de “acidente de trabalho” [CRP, art. 59.º, n.º 1, al. f)].

  8. Ora, como é jurisprudência reiterada deste Tribunal Constitucional, o “direito dos trabalhadores” à percepção de “justa reparação”, quando vítimas de “acidente de trabalho”, é um “direito fundamental de natureza análoga” aos “direitos, liberdades e garantias”.

  9. De modo que é de aplicar a este “direito (fundamental) dos trabalhadores” o regime dos “direitos, liberdades e garantias” [CRP, arts. 17.º e 59.º, n.º 1, al. f)]. Nomeadamente o respectivo regime orgânico, em particular a reserva relativa de lei parlamentar que, tipicamente, é seu timbre [CRP97, art. 165.º, n.º 1, al. b), e 198.º, n.º 1, al. b), e n.º 3].

  10. No caso, porém, o Governo emanou o diploma, onde consta a norma arguida de inconstitucionalidade, no exercício da sua competência legislativa, concorrente com a do Parlamento, portanto, sem estar credenciado com a autorização legislativa que, no caso, era exigida [CRP97, arts. 17.º, 59.º, n.º 1, al. f), 165.º, n.º 1, al. b), e 198.º, n.º 1, al. b), e n.º 3].

  11. Com o que usurpou competência legislativa reservada ao Parlamento, salvo autorização ao Governo, infringindo, assim, disposições orgânicas da Constituição, donde a norma constante do art. 2º do DL n.º 185/2007, cit., na parte em que introduz um novo n.º 5 ao art. 1º do DL n.º 142/1999, cit., enfermar de inconstitucionalidade orgânica, o que a torna inválida (CRP, art. 3.º, n.º 3, 17.º, 59.º, n.º 1, al. f), e 165.º, n.º 1, al. b) e 198.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, e 277.º, n.º 1).

    Não houve contra-alegações.

    Cabe apreciar e decidir.

    II - Fundamentação

  12. A Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que aprovou a Lei dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (entretanto revogada pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho), estabelece a criação de um fundo, dotado de autonomia financeira e administrativa, no âmbito dos acidentes de trabalho, destinado a prevenir que os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe são devidas, prevendo para isso que o fundo garanta «o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável» (artigo 39.º).

    No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido por esse diploma, e com invocação do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 198.º da Constituição, o Governo, através do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, veio regulamentar o referido fundo, designado como Fundo de Acidentes de Trabalho, conferindo-lhe, entre outras, competências para garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que verifique alguma das situações mencionadas no citado artigo 39.º, n.º 1, da Lei n.º...

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