Acórdão nº 622/05.3TCSNT -A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO TRINDADE
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Tribunal da Relação de Lisboa Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : 1- AA - Gestão de Investimentos e Participações, S.A.

veio em 2005-06-20 deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa contra ela requerida pelo Banco BB (Portugal), S.A, .

2 - Para tanto e em síntese alegou que - O exequente apresentou como título executivo uma escritura pública de confissão de dívida e de hipoteca outorgada em 10 de Março de 1994 entre o então Banco .............., S.A. (B..) e a sociedade comercial G........r - Sociedade de Construções Turísticas, Lda. (G........R), esta representada por CC e DD.

- No mesmo dia, em momento anterior, o aludido CC, na qualidade de gestor de negócios de EE e FF, vendeu à "G........R", representada por DD, o prédio objecto da aludida escritura pública de confissão e dívida e de hipoteca.

- Esta venda a favor da "G........R", que lhe permitiu, na qualidade de proprietária, constituir a hipoteca a favor do "B", foi declarada nula, por simulação, por sentença transitada em julgado.

- Nos termos do artigo 289.º do Código Civil, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que foi prestado.

- Operando tanto em relação às partes como em relação a terceiros.

- Em consequência da declaração de nulidade do negócio de compra e venda, o imóvel sobre o qual incidiu a hipoteca nunca foi propriedade da "G........R" e, por conseguinte, esta “não o podia ter dado de hipoteca".

- Na sequência da referida sentença, o registo da aquisição do imóvel a favor da "G........R" veio a ser cancelado.

- Em todo o caso, a nulidade do negócio de venda à "G........R" acarreta, necessariamente, a nulidade de todos os negócios feitos “à sombra do acto nulo", designadamente, a hipoteca constituída a favor do então "B..".

- Sendo nula a hipoteca, não pode a mesma ser usada como garantia do crédito contratado pela exequente com a referida sociedade "G........R".

- A acção de declaração de nulidade foi proposta e registada muito antes de expirado o prazo de três anos previsto no art. 291.º do C. Civil.

- No acto de constituição da hipoteca o exequente tinha conhecimento das circunstâncias em que o prédio com ela onerado tinha sido adquirido nesse mesmo dia. E também acompanhou, e tentou mesmo intervir, na acção de declaração de nulidade.

- Pelo que não pode ser considerado terceiro de boa fé.

- Devendo, antes ser considerado litigante de má fé.

Concluiu pedindo o reconhecimento da nulidade do contrato de constituição de hipoteca e o cancelamento do respectivo registo.

E, ainda, a condenação do exequente, por litigância de má fé, em multa e indemnização.

3- Notificado, o exequente, para além de questionar o valor da causa, opôs, em síntese: A declaração de nulidade da compra e venda não lhe é oponível, por a situação se enquadrar na previsão do art. 291.°, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, pois que: O exequente é titular de um direito real; Esse direito foi adquirido a título oneroso; Tem por objecto um bem sujeito a registo; O exequente é terceiro de boa-fé, pois que, no momento da aquisição do seu direito desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo.

A acção de nulidade começou por ser registada a 17-01-1995, mas este registo, tendo sido renovado em 1998, caducou em 13-01-2001. E voltou a ser registada a 18-01-2001, muito depois de decorridos três anos sobre a conclusão do negócio; - Sendo que a hipoteca em favor do exequente foi constituída a 10-03-1994 e registada 29-03-1994.

- A validade do negócio de constituição da hipoteca não foi discutida naquela acção, nem a decisão ali proferida faz caso julgado em relação ao exequente, que não foi admitido a intervir nela.

- A presente oposição não foi registada.

- É infundada a alegação de litigância de má fé.

# 4-Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença (fls.103 e segs) na qual julgando parcialmente procedente a oposição: - Declarou nulo e de nenhum efeito o contrato de constituição de hipoteca sobre o imóvel "M.... – Junto à .......... de S. Sebastião – Parte urbana: ........... ....andar e águas-furtadas – I94m2; dependência – 49,50m2 e jardim – 2006m2 – parte rústica; cultura arvense – 860m2 – norte: Igreja – sul: GG – nascente: linha eléctrica – poente: estrada – V.V. 160 900$00 – arts. Urbano: 000 e rústico: 000", celebrado entre "G........r – Sociedade Construções Turísticas, Limitada" e a sociedade anónima espanhola denominada "Banco .............. de Espana, S.A."; - Declarou nula a hipoteca voluntária que incide sobre o prédio "M.... – Junto á .......... de S. Sebastião – Parte urbana: .........; ..... andar e águas-furtadas – 194m2; dependência – 49,50m2 e jardim – 2006m2 – parte rústica; cultura arvense – 860m2 – norte: Igreja – sul: GG – nascente: tinha eléctrica – poente: estrada – V.V. 160 900$00 arts. Urbano: 000 e rústico:000-1", registada a favor de "BANCO DE .............. DE ESPANA, S.A." sob a inscrição C-1 (Ap.0000000000); - Ordenou o cancelamento do respectivo registo sob a inscrição C-1 (Ap.0000000000); - Absolveu a executada AA – Gestão de Investimentos e Participações, S.A. do pedido executivo; - Absolveu a exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé;» 5-Inconformado, recorreu desta decisão o exequente

  1. O caso em apreço não é subsumível à previsão do art. 5.º, n.° 4, do CRgP, tanto assim que a controvérsia entre exequente e a executada, patente na oposição à execução e contestação, fundou-se no preenchimento (ou não) dos requisitos estabelecidos no art. 291°, n.°s 1 a 3, do CC, para a ocorrência de aquisição tabular a favor do exequente.

b) O Tribunal a quo recusou liminarmente que o exequente pudesse ser qualificado como terceiro para efeitos do disposto no art. 291° do CC, aparentemente no pressuposto de que a factispecie da norma em causa apenas abrange os casos de subadquirente de direito de propriedade sobre bem (imóvel ou móvel sujeito a registo).

c) A letra e a razão do art. 291° do CC repelem a interpretação restritiva do seu âmbito de aplicação propugnada no despacho saneador, pois, desde logo, o n.º 1 daquele preceito não distingue o tipo de direitos (reais) susceptíveis de ficaram salvaguardados do efeito retroactivo da declaração de nulidade da compra e venda antecedente.

d) Devendo presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, segundo o preceituado no art. 9°, n.º 3, do CC, a utilização da expressão «direitos adquirido»», no plural, é sintomático da intenção de não restringir o âmbito de aplicação do art. 291.º do CC ao direito de propriedade registado a favor de terceiro.

e) Atento o fim de preservação da estabilidade dos negócios jurídicos, não se afigura existir fundamento para excluir da protecção conferida pelo art. 291° do CC terceiros que tenham adquirido outro tipo de direitos reais sobre um imóvel, confiando na validade de um negócio jurídico que só a posteriori vem a ser declarado nulo - ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

t) Na doutrina é pacífico o entendimento de que o terceiro objecto de tutela pelo art. 291° do CC poder ser um subadquirente de um direito real de gozo menor ou de um direito real de garantia, como é o caso da hipoteca (vd. posição defendida pelos Profs. José Alberto Gonzalez, Antunes Varela, Carvalho Fernandes e Pinto Duarte).

g) Na jurisprudência também não tem sido posta em causa a aplicabilidade do art. 291° do CC nos casos em que o terceiro é um credor a favor de quem o devedor constituiu uma hipoteca sobre bem imóvel que, afinal, não lhe pertencia, por a sua aquisição ser inválida (vd. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 18.05.2008 e 03.03.2004, e do Tribunal da Relação de Évora de 25.01.2007).

h) Por conseguinte, o exequente, que sucedeu ao B.. enquanto titular de um direito real de garantia sobre o prédio M.... da executada - especificamente, hipoteca constituída pela G........r subsequentemente à aquisição do imóvel, que posteriormente foi declarada nula - não poderá deixar de ser considerado terceiro para efeitos do disposto no art. 291° do CC.

i) Assim não julgando, a decisão recorrida violou a norma contida no art. 291°, n.° 1, do CC.

j) A matéria de facto dada por assente no despacho saneador (a fls. 106 a 110) é suficiente para se concluir pela inoponibilidade ao exequente da declaração de nulidade da venda do imóvel à G........r, com a consequente manutenção em vigor do registo da hipoteca a favor do exequente sobre o prédio M.... da executada.

k) Destarte, resulta da escritura do empréstimo com hipoteca, reproduzida no ponto 3 dos factos assentes no despacho saneador, que esta serviu de garantia do cumprimento de um mútuo oneroso realizado pelo exequente, pelo que é óbvio o carácter oneroso do negócio de constituição da hipoteca.

l) Não constando da matéria assente quaisquer factos que permitam inferir que o B.. estivesse de má fé à data da constituição da hipoteca, o exequente...

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