Acórdão nº 453/06 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução13 de Julho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º453/2006

Processo nº 468/06

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Gil Galvão

    Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

    1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figuram como recorrente A. e como recorrido o Conselho Superior do Ministério Público, a ora recorrente, Oficial de Justiça, a exercer funções nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Felgueiras, interpôs recurso contencioso de anulação do acórdão do Conselho recorrido que julgou improcedente o recurso hierárquico por si interposto da decisão proferida pelo Conselho dos Oficiais de Justiça de 19 de Setembro de 2002, que lhe aplicou uma pena disciplinar de multa. Por acórdão de 26 de Maio de 2004, da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, foi negado provimento ao recurso.

    2. Inconformada com esta decisão, a recorrente veio interpor recurso para o Pleno da Secção, nos termos do disposto no artigo 24º do ETAF. Concluiu assim a alegação:

    “[...] 7ª) Os art°s 98° e 111º do DL n.° 343/99, de 26 de Agosto, (Estatuto dos Oficiais de Justiça), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do D. L. n° 96/2002, de 12/04, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do artigos 218°, n.° 3. da Constituição da República Portuguesa:

  2. ) O D.L. n.° 96/2002 de 12/04 que alterou o Dec. Lei n.° 343/99 de 26/08 (Estatuto dos Oficiais de Justiça) não se aplica aos factos que originaram o presente procedimento, os quais são anteriores à data da sua entrada em vigor, pelo que, atento o principio de aplicação das leis no tempo, plasmado no art° 12° do Código Civil, a lei nova só dispõe para o futuro, ou seja, produz efeitos não retroactivos ou “ex. tunc”;

  3. ) Mesmo que se admitisse, por mero raciocínio académico, que a deliberação do COJ de 19/09/2002 fosse válida, os seus efeitos não se aplicam aos factos objecto do presente recurso, atento o disposto no art° 282° da C.R.P., uma vez que, por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória, operada pelo Acórdão n.° 73/2002 do TC, publicado no DR. n.° 64 - I série de 16/03/2001, tomaram-se inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor das normas que haja revogado), mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo, pelo que o procedimento é inválido desde a sua origem; [...]”

    1. Tendo, além disso, sido igualmente arguida pela recorrente, nas alegações deste recurso, a nulidade do acórdão recorrido, veio a Secção de Contencioso Administrativo, por acórdão de 9 de Dezembro de 2004, julgar improcedente tal arguição de nulidade.

    2. Sempre inconformada, a recorrente, “notificada do douto acórdão que antecede, mas com o mesmo não se conformando”, veio “dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional”. Pela decisão sumária n.º 113/2005, foi decidido não tomar conhecimento do recurso, por se entender que, continuando o recurso a sua tramitação no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, o acórdão sobre a nulidade não seria susceptível de impugnação perante este Tribunal.

    3. Foi, então, em 21 de Março de 2006, proferido acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo que negou provimento ao recurso, fundamentando assim, na parte que ora releva, a sua decisão:

      “[...](ii) inconstitucionalidade dos artigos 98° e 11° do Estatuto dos Oficiais de Justiça, na redacção introduzida pelo Dec. Lei 96/2002. de 14/04.

      Vejamos antes de mais as vicissitudes por que passaram os referidos preceitos legais.

      O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos art.s 98.° e 111., al. a), do Estatuto dos Oficias de Justiça aprovado pelo DL 343/99, de 26/8.

      [...]

      A declaração de inconstitucionalidade não atingiu a totalidade das normas citadas mas apenas “a parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar relativamente aos oficiais de justiça”.

      Na sequência do julgamento de inconstitucionalidade das referidas normas o legislador, “independentemente da solução definitiva que venha a ser consagrada em sede constitucional,” sentiu necessidade de evitar “uma situação de profunda instabilidade e insegurança” e através do DL 96/02, procedeu a uma “imediata redefinição de competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício do poder disciplinar sobre os oficias de justiça, que vem sendo exercida pelo Conselho Superior dos Oficiais de Justiça, por forma a que estas percam a sua natureza de competências exclusivas e admitam, em qualquer caso, uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro de pessoal que integram” - cfr. preâmbulo do referido diploma.

      Tais intenções reflectiram-se na nova redacção dos preceitos do Estatuto dos Oficiais de Justiça que haviam sido julgados inconstitucionais,

      [...].

      Defende a recorrente que, pese embora alteração das normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral, tal não afasta a sua inconstitucionalidade. Em seu entender, e em termos claros e simples, o exercício da competência para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar dos oficiais de justiça estaria constitucional e exclusivamente adstrita ao Conselho Superior da Magistratura e não a qualquer outro órgão, designadamente o Conselho Superior do Ministério Público.

      O acórdão recorrido não entendeu assim e, a nosso ver, bem, tanto mais que é também esse o entendimento do Tribunal Constitucional, como vamos ver.

      No acórdão do Tribunal Constitucional n.° 299/2005, proferido no processo 598/2004, foi apreciado um caso idêntico ao presente, onde se levantou a questão de saber se a admissão de um recurso administrativo para o Conselho Superior do Ministério Público, no caso de estar em causa um oficial de justiça afecto aos serviços do Ministério Público, satisfazia a exigência Constitucional, sobre a intervenção do Conselho Superior da Magistratura no art. 218°, 3 da Constituição.

      Aí se decidiu, em primeiro lugar, o seguinte:

      “(…) Na sequência desta declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o Governo editou o Decreto- Lei n.° 96/2002, de 12 de Abril, cujo objectivo foi, como se assinala no respectivo preâmbulo, retirar às competências exercidas pelo COJ quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça “a actual natureza de competências exclusivas”, admitindo-se, “em qualquer caso, urna decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro de pessoal que integram”. Assim, continuando a competir ao COJ “apreciar o mérito profissional e exercer o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.° 2 do artigo 68.°” (alínea a) do n.° 1 do artigo 111.º do EFJ) e “apreciar os pedidos de revisão de processos disciplinares e de reabilitação” (alínea b) do n.° 1 do mesmo artigo 111.º), passou a estar previsto que: (i) “O Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público, consoante os casos, têm o poder de avocar bem como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto na alínea a) do número anterior” (artigo 111.°, n.° 2); e (ii) “Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 111.º, bem como das decisões dos presidentes dos tribunais proferidas ao abrigo ao n.° 2 do artigo 68.°, cabe recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis” (n.° 2 do artigo l18.°).

      Nos recursos que, posteriormente à entrada em vigor do Decreto Lei n.° 96/2002, têm sido apreciados por este Tribunal — estando em todos eles em causa funcionários adstritos ao serviços dos tribunais judiciais (que não funcionários dos serviços do Ministério Público ou dos tribunais administrativos e fiscais) —, tem sido uniforme e pacificamente entendido que a concessão dos referidos poderes de avocação e de revogação “permite concluir que a última palavra em matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de justiça, cabe ao Conselho Superior da Magistratura”, pelo que deixou de ser possível “continuar a entender que as normas que atribuem competência em matéria disciplinar ao Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o disposto no n.° 3 do artigo 118.° da Constituição”, já que “não se encontra nesse preceito, nem a proibição de conferir tal competência em especial ao Conselho dos Oficiais de Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça”, como se escreveu no Acórdão n.° 378/2002, da 3ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.°...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT