Acórdão nº 07A2680 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução02 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA., com sucursal em Portugal, intentou, em 30.8.2006, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 8ª Vara - procedimento cautelar de apreensão judicial de veículo automóvel e respectivos documentos, nos termos do artigo 15° do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, contra: BB - Viagens e Turismo, Ldª.

Pedindo que seja decretada, sem audiência prévia da requerida, a imediata apreensão dos veículos automóveis de marca Land Rover, modelo Freelander, e matrícula ..-..-.. e de marca Ford, modelo Transit, e matrícula ..-..-.., e a respectiva entrega a fiéis depositários que indigita.

Invoca ter celebrado com a requerida dois contratos de financiamento para aquisição a crédito de duas viaturas automóveis, em que a vendedora F.I.A.A.L cedeu à requerente, com o consentimento da requerida, a reserva de propriedade constituída a favor daquela.

A requerida deixou de pagar prestações de cada um dos contratos e, mesmo depois de interpelada para em prazo indicado pôr termo à mora, não procedeu ao pagamento das quantias em dívida, o que levou a requerente a, por escrito, declarar à requerida que procedia à resolução desses contratos, reclamando a entrega dos veículos, o que ainda não aconteceu.

Diz desconhecer o estado em que as viaturas se encontram, mas, face à ocultação das mesmas, é levada a presumir que se encontrem completamente desvalorizadas.

Invoca ainda a inscrição no registo automóvel a seu favor da reserva de propriedade de cada um dos veículos e requer que a providência seja decretada sem audiência prévia da requerida, por esta poder colocar em risco o seu fim e a sua eficácia, dada a natureza móvel dos bens a apreender.

Dispensada a audiência prévia, teve lugar a inquirição das testemunhas arroladas e, no final, foi proferida, em acta, sentença que, considerando não estarem preenchidos os pressupostos de procedência da providência, por a requerente não ter celebrado um contrato de alienação com a requerida, a julgou totalmente improcedente.

Inconformada, interpôs a requerente o presente recurso de agravo, para o Tribunal da Relação de Lisboa que por Acórdão de 1.3.2007 negou provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida.

De novo inconformada recorreu para este Supremo Tribunal invocando oposição do Acórdão recorrido, com os Acórdãos da mesma Relação de Lisboa, datados de 13.02.2003 in CJ, Ano XXVII, I, pág. 102 - "Celebrado contrato de mútuo para financiamento de aquisição de veículo com reserva de propriedade, deve ser decretada a apreensão daquele, ao abrigo do Dec-lei n.°54/75 (art. 16º nº1) se o mutuário deixar de pagar prestações a que se obrigou, ainda que o mutuante não seja o reservatário.

e 20.10.2005, e, nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões:

  1. A agravante provou, nomeadamente na petição inicial apresentada nos presentes autos, e através da junção dos respectivos documentos, que a agravada incumpriu ambos os contratos de financiamento celebrados entre as partes.

  2. Fez ainda a agravante prova de que é titular dos registos de reserva de propriedade sobre os veículos objecto da presente Providência Cautelar.

  3. Desse modo, estão reunidos, no caso em apreço, todos os pressupostos de admissão e posterior decretação da providência de apreensão de veículo, previstos nos artigos 15°, e 16° do DL 54/75, de 12.02.

  4. A reserva de propriedade constituída a favor do vendedor do veículo e cedida à ora Agravante é válida para o efeito da alínea f) do nº3 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 359/91, de 21 de Setembro pois a menção em tal preceito ao acordo de reserva de propriedade apenas é aplicável aos contratos de financiamento de aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações.

  5. A referência efectuada no artigo 18°, n°1, do DL 54/75 tem de ser objecto de uma interpretação actualista, conjugada com o disposto no artigo 409° do Código Civil, devendo desse modo entender-se que o contrato ali em causa é aquele cujo regular cumprimento das obrigações se encontra garantido pela reserva de propriedade, in casu, o contrato de financiamento.

  6. Caso contrário, a reserva de propriedade, legalmente constituída, seria totalmente inútil por o crédito da Agravante resultar sem garantia.

  7. Tal entendimento é perfilhado por variada jurisprudência, de entre a qual se destaca o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.02.2003, que refere "a referência no art. 18° n.º1 do DL nº54/75, ao "contrato de alienação" pode ser entendida como referindo-se também ao contrato de mútuo conexo com o da compra e venda e que esteve na origem da reserva de propriedade".

  8. Ainda a propósito de uma necessária interpretação actualista do conceito de "contrato de alienação" dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.10.2005 que "na leitura do disposto no art. 18°, n°1, do DL 54/75, é de entender como extensiva ao contrato de mútuo conexo com o de compra e venda e cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade, a referência ao contrato de alienação".

  9. Desse modo, "a formal e redutora interpretação de que só o incumprimento e consequente resolução do contrato de alienação conduz à apreensão e entrega do veículo alienado, tornaria inútil e sem efeito prático a cláusula de reserva de propriedade, sempre que a aquisição do veículo fosse feita através do financiamento de terceiro, o que constitui hoje a regra, face à evolução verificada nessa forma de aquisição" idem.

  10. Face ao exposto, tem a Agravante legitimidade activa para requerer a presente providência, porquanto logrou preencher, e disso fez prova, todos os requisitos exigidos pelas disposições do DL 54/75 de 12.02.

  11. Assim, não deve proceder o entendimento do Tribunal "a quo", e deve desse modo ser decretada a presente providência e determinada a apreensão dos veículos automóveis de marca Land Rover, modelo Freelander com a matrícula ..-..-.. e de marca Ford, modelo Transit, com a matrícula ..-..-.., bem como dos respectivos documentos, e feita a sua entrega ao fiel depositário indicado nos autos.

  12. Decidindo nos termos em que o fez, o Tribunal "a quo" violou, entre outras disposições legais, os artigos e 409° do Código Civil, bem como o artigo 5°, 15°, 16° e 18° do Decreto-Lei 54/75 de 12.02.

Não houve contra-alegações.

*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que se consideraram provados os seguintes factos: 1. A requerente AA - Sucursal em Portugal, dedica-se ao financiamento para aquisição a crédito de veículos automóveis.

  1. A 20.06.03. a AA e a requerida, BB - Viagens e Turismo, Ldª, subscreveram o instrumento junto por fotocópia a fls. 8, denominado "Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito nº1-1-3-38", constituído por "Condições Particulares" e "Condições Gerais", instrumento que aqui se dá integralmente por reproduzido.

  2. Nesse instrumento e sob "Condições Particulares" consignou-se: - Veículo marca Land Rover, modelo Freelander 3 P, chassis LNA........., matrícula ..-..-..; - Vendedor registado do veículo: [em branco]; - Promotor da venda (que não intervém neste Contrato) - FIML; - Preço do veículo a contado -...

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