Acórdão nº 06A1980 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Tribunal da Comarca de Monção, AA e mulher BB intentaram contra CC e mulher DD a presente acção negatória de servidão, com processo ordinário, pedindo: a) A declaração de que os A. A. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano identificado no art. 1.º da petição inicial; b) A declaração de que esse prédio não está onerado com nenhuma servidão, de aqueduto ou de passagem a pé, excepto de 24 de Junho a 8 de Setembro, 24 horas de 30 em 30 dias, para rega do campo chamado "Fonte", e, em caso de sobra desse campo, também durante o mesmo período de tempo, a favor do prédio rústico chamado "Campo de Leiças", pertencente a EE; c) Pelo contrário e principalmente que o prédio não está onerado com nenhuma servidão, quer de aqueduto quer de passagem para o imóvel denominado "Campo de Leiças", identificado no artigo 19.º da petição inicial e com nenhuma servidão de passagem a pé para o imóvel urbano identificado no artigo 26.º (por lapso é referido o artigo 25.º) da petição inicial; d) A condenação dos Réus a absterem-se, de imediato, de por aí fazerem transitar águas, ou transitarem a pé, seja para os campos, seja para a casa em ruínas que dizem pertencer-lhes e que fica situada do lado norte da casa dos Réus; e) A condenação dos réus a pagar, solidariamente, como sanção pecuniária compulsória a importância de 15.000$00, por cada vez que abusivamente passem no prédio dos A.A., a partir do trânsito em julgado da sentença.

Alegam, sumariamente, a posse e titularidade do referido prédio urbano referido no artigo 1.º da petição inicial, adquirido por via hereditária pelo autor marido, o rústico onde veio a construir a casa de habitação, após a morte de seus pais. Invocam, ainda, factos tendentes a demonstrar a aquisição desse prédio por via originária, por usucapião e as atitudes abusivas dos R. R. não abrangidas por qualquer direito de servidão.

Citados, os Réus contestaram e reconvieram.

Excepcionam a sua ilegitimidade para intervir no processo, pelo facto de não serem proprietários do "Campo das Leiças" e a ineptidão da petição inicial. Alegam que os proprietários dos prédios identificados nos artigos 19.º e 26.º da petição inicial sempre passaram no prédio dos A.A. durante todo o ano e a todo o tempo. Mais alegam factos destinados a provar a aquisição originária dos direitos de servidão, por usucapião.

No pedido reconvencional pedem o reconhecimento e declaração de que o prédio identificado no artigo 26.º lhes pertence; que o prédio dos AA está onerado com uma servidão de passagem a pé a favor desse prédio e com uma servidão de aqueduto, durante todo o ano, a favor do prédio identificado no artigo 19.º da petição inicial; e a condenação dos A.A. a absterem-se, de praticar quaisquer actos que prejudiquem o exercício desses direitos e a pagarem aos reconvintes uma indemnização de perdas e danos que vier a liquidar-se em execução de sentença.

Ao A.A. replicaram e deduziram incidente de intervenção de terceiros, solicitando a intervenção dos proprietários do "Campo das Leiças", dado o seu interesse em contradizer o pedido formulado de inexistência de servidão de aqueduto, a favor desse prédio, fora do período referido pelos A.A.

Excepcionaram a ineptidão do pedido reconvencional, por contradição entre o pedido da alínea d) e a causa de pedir e a sua ilegitimidade relativamente ao pedido formulado na alínea b).

Houve tréplica, na qual os réus responderam à matéria da excepção e opuseram-se ao pedido de intervenção provocada.

O pedido de intervenção foi decidido favoravelmente e foi, por isso, citada a chamada EE, que não interveio.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal.

Nesta fase apresentaram os autores articulado superveniente, em que alegaram novos factos relativos à discussão da causa, designadamente da matéria reconvencional.

Os réus foram notificados e responderam, invocando a extemporaneidade do mesmo, arguindo a sua ineptidão e impugnando os factos alegados.

Tal articulado veio a ser alvo de despacho de rejeição, ao abrigo do disposto no artigo 506.º, n.º 4, do C.P.C.

Entretanto, vieram os autores requerer a ampliação do pedido que formularam nos autos no sentido de, caso venha a reconhecer-se que existe servidão de passagem pelo seu prédio a favor dos réus, constituída por usucapião, como é alegado e peticionado em sede reconvencional, ser declarada extinta tal servidão, por desnecessidade.

Tal pretensão veio a ser alvo de despacho de indeferimento por inadmissibilidade legal.

A final foi proferida sentença que julgou procedente, por provada, a acção.

Dessa sentença apelaram os R.R.

A Relação de Guimarães veio a proferir acórdão a julgar improcedente o recurso.

Inconformados, interpuseram os R.R. recurso de revista, recurso que foi admitido.

Os recorrentes apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1- O Acórdão recorrida deu como provado que: "Há mais de 30 anos que os RR., por si e antecessores, para acederem ao prédio identificado em N), utilizam o carreiro localizado junto ao rego de água em causa nos autos tanto da forma indicada na resposta ao quesito 11.º, como através de um outro prédio, situado a norte, hoje pertencente à filha dos RR, o que faziam indistintamente e conforme lhes fosse mais conveniente - resposta ao quesito 14.º; À vista de toda a gente, sem interrupção, de forma pacífica, sem oposição de ninguém - resposta ao quesito 15.º; 2- Os recorrentes provaram factos reveladores do "corpus possessório" sobre o carreiro, conforme consta das respostas aos quesitos 14.º e 15.º; 3- Logo, não estavam onerados com ter de provar o "animus", pois, a favor deles presume-se a posse e quem tem a seu favor uma presunção legal está dispensado de provar a factualidade que a ela conduz - artigos. 1252.º, n.º 2, e 350.º, n.º 1, do C.Civil; 4- Ao declarar que o prédio dos recorridos não está onerado com nenhuma servidão de passagem a pé a favor do prédio urbano composto de casa com um pavimento, r/c com duas divisões, que confronta de nascente com diversos, poente com rego foreiro, norte com I... R... e sul com J... da S..., inscrito na matriz urbana sob o art. 72.º da freguesia de Merufe, pertencente aos recorrentes, o Acórdão recorrido violou os artigos 342.º, n.º.2, 343.º, n.º.1, 350.º, n.º 1, 1251.º, 1252.º, n.º 2, 1287.º, 1543.º e 1550.º todos do C.Civil e Assento do STJ, de 14.05.96, in D.R., II S, de 24.06.96; 5- Aliás, nem sequer alegado foi que os recorrentes tivessem praticado os actos que constituem o "corpus" como simples detentores; 6- Os recorridos não afastaram a presunção legal que favorece os recorrentes; 7- Assim sendo, a matéria de facto constante da resposta aos quesitos 14.º e 15.º encontra-se incorrectamente julgada; 8- Pelo que, se deve concluir que os recorrentes praticaram os actos descritos nas respostas aos quesitos 14.º e 15.º da base instrutória nos termos e circunstâncias ali sentenciadas, na convicção de estarem a exercer um direito próprio; 9- O Tribunal da primeira instância não logrou alcançar resposta afirmativa, como consta da resposta ao quesito 15.º, quanto à intenção de os recorrentes exercerem os descritos actos materiais na convicção de estarem a exercer um direito próprio, como quem detém coisa sua, porém, a pretensão dos recorrentes não podia, por isso, improceder; 10- Compulsando a matéria factual dada como assente, no que concerne à posse, verifica-se que, apenas, o "corpus" se mostra provado; 11- O "corpus", à luz do citado art. 1252.º, n.º 2, faz presumir o "animus". Presunção essa que não foi elidida pelos AA., aqui recorridos, tal como lhes competia, e nomeadamente através da prova de que aqueles actos materiais (de passagem) pelo seu prédio para o prédio dos RR. são meramente praticados devido a tolerância sua ou que os últimos não efectuam tal passagem assumindo--se como se, na verdade, beneficiasse de um direito que ali lhe permite passar, sendo certo que quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz - art. 350.º, n.º 1 e 2, do C.Civil; 12- Na verdade, ficou provado a prática de actos materiais reveladores da utilização do prédio dos AA. como passagem para o prédio dos RR., identificado em N), de forma ininterrupta, há mais de 30 anos, de forma pacífica e pública; 13- Não tendo os AA. ilidido a presunção legal prevista no art. 1252.º, n.º 2, ter-se-á de concluir pela existência de uma servidão de passagem constituída, por usucapião, sobre o prédio daqueles a favor do prédio dos RR; 14- Tendo os recorrentes provado os sinais materiais da posse adequada à constituição por usucapião de servidão de passagem que invocam, e não se tendo provado que praticaram os actos por...

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