Acórdão nº 13172/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO · O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa Ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra · MARIA ……………………………………., casada, de nacionalidade brasileira.
* Discutida a causa, o referido tribunal decidiu julgar a ação procedente, tendo por base a factualidade apurada e a conclusão de haver um casamento “de fachada”.
* Inconformada, a ré recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. Segundo se consegue apurar da Douta Sentença, a Meritíssima Juiz a quo julga a ação de oposição à aquisição da nacionalidade procedente por duas ordens de razões: “A não verificação do requisito legal – existência de um núcleo familiar efetivo”; “Nenhuma prova inequívoca, consistente e inabalável foi feita acerca da sua inserção na comunidade portuguesa, incluindo a radicada na Suíça” - ou seja, no entender do Douto Tribunal a quo não ficou provada a efetiva ligação da Recorrente à comunidade portuguesa”
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Para a primeira das situações, a convicção do Tribunal baseia-se no registo de nascimento do menor Gabriel, onde consta que os pais do mesmo – o cônjuge da Ré e a mãe do menor (Credeir ………………….) – viviam na morada indicada na Conservatória do Registo Civil (Alto da Relvinha) aquando da declaração de nascimento do Gabriel
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Ou seja, parece querer inferir que os mesmos viviam em união de facto naquela morada
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Tal conclusão é completamente falsa e, no entender da ora recorrente, bastante forçada, não podendo, ao contrário do referido pelo Douto Tribunal a quo, derivar das regras da experiência comum
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De facto, os factos dados como provados que decorrem dos documentos registais, provam apenas o que nos registos se contém, não podendo de o mesmo extrair-se nenhuma outra conclusão, para além da que o próprio registo permite – isto é, o nascimento do menor, em determinada data, tendo o mesmo sido registado como filho de Cláudio ………………… e de Credeir ………………………
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Do mesmo não se pode concluir, como o faz a Meritíssima Juiz a quo, que, quando falamos do casamento da Ré e de Cláudio …………. estamos perante uma “manobra de disfarce”, apenas porque da certidão do registo de nacimento de Gabriel consta como residência habitual comum do cônjuge da Ré, com a mãe do filho, o ………………., Coimbra
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A ora recorrente desconhece por que é que foi indicada esta morada aquando do Registo, como sendo a residência habitual comum da mãe do menor, porque efetivamente, aquela Sra. Credeir ……………… nunca residiu no …………………….
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Contudo, pode avançar várias explicações: a mãe do menor poderia não dispor de uma morada fixa e, como tal, indicou uma morada (mais certa) apenas para efeitos de eventuais notificações
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Outra explicação bastante razoável e comum, como por certo o Douto Tribunal a quo terá consciência, é a possibilidade de ter ocorrido um erro no registo
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A Ré não esconde (e nunca escondeu durante o julgamento) que o seu casamento com Cláudio Monteiro passou por algum período de desentendimento, motivado designadamente, pela relação extraconjugal daquele
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Contudo, esta relação extraconjugal foi apenas pontual, não tendo o mesmo mantido uma relação amorosa com a mãe do seu filho
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A Ré perdoou o seu marido, tendo-se os mesmos se reconciliado, e estando de momento a refazer a sua vida em conjunto em Portugal
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A maior prova disso mesmo foi o facto de o cônjuge da Ré, Cláudio …………….., ter desistido do processo de divórcio que se encontrava a decorrer no Tribunal de Família e Menores de Coimbra
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Pelo exposto, facilmente se conclui que não assiste razão ao Douto Tribunal a quo quando refere que não se verifica o requisito legal – existência de um núcleo familiar efetivo
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Quanto à segunda das razões invocadas, também facilmente se conclui que carece o Douto Tribunal a quo de razão, como se demonstrará infra
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A recorrente considera que foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada: “7. Depois emigrou para a Suíça, onde ainda hoje reside; 8. Vem esporadicamente a Portugal”
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Quanto ao ponto 7. da matéria de facto dada como provada, a Recorrente não percebe como chegou o Douto Tribunal a quo a tal conclusão
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Efetivamente, não é verdade que a Recorrente ainda hoje resida na Suíça
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Isso mesmo resulta não só da documentação junta aos autos – veja-se o atestado de residência emitido pela União de Freguesias de ………… e São …………… junto aos autos, datado de 6 de novembro de 2013 – como ainda dos depoimentos das testemunhas Cláudio ……………, que referiu que desde outubro de 2013 que reside em Portugal com a esposa, e de Albertina ……………, sogra da ora recorrente, na medida em que esta refere que atualmente o seu filho e a ora recorrente atualmente residem consigo. 20. Pelo exposto, também não corresponde à verdade o constante do ponto 8 da matéria de facto dada como assente, nos termos da qual a Recorrente “Vem esporadicamente a Portugal”. 21. Efetivamente, se a mesma reside em Portugal desde outubro de 2013, não tem sentido a afirmação, segundo a qual a Recorrente “Vem esporadicamente a Portugal”. 22. Por outro lado, do depoimento da testemunha Cláudio …………………. resulta ainda claro, que mesmo quando residiam na Suíça, não vinham apenas esporadicamente a Portugal
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Por outro lado, a Meritíssima Juiz a quo, com o devido respeito que é sempre muitíssimo, só considerou como assentes factos que considerava importantes para a decisão de procedência da Ação de Oposição à Aquisição de Nacionalidade Portuguesa, intentada pelo Ministério Público
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Contudo, há outros factos que deveriam ter sido dado como assentes, por provados, apesar de imporem, se assim fosse, decisão diversa da Recorrida
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Deveria ter sido considerado provado que a Ré domina a língua portuguesa, quer no âmbito oral, quer escrito
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Devia, ainda, ter sido considerado facto assente, porque relevante, para a decisão do Douto Tribunal a quo o seguinte: A Ré participa na vida comunitária portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, tendo, durante o período que residiu na Suíça, frequentado as Casas Portuguesas, juntamente com o seu marido
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Este facto tem que se considerar provado por força do depoimento da testemunha Cláudio Monteiro, que referiu isso mesmo
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Por outro lado, deveria ainda ter sido considerado assente que a Recorrente se encontra com a sua situação regularizada do ponto de vista contributivo-financeiro, encontrando-se inscrita na Segurança Social Portuguesa, como trabalhadora independente
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De facto, consta da Certidão dos Registos Centrais de Lisboa, junta aos autos com a Petição Inicial, concretamente do doc. 68 da mesma, que a ora recorrente se encontra inscrita na Segurança Social Portuguesa, como trabalhadora independente
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O facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento - o estabelecimento de uma relação familiar-, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português - cfr., os citados arts. 3º, da Lei da Nacionalidade, e 14º nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa
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A aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade
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No entanto, é ainda necessário “que ocorra uma condição negativa: que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela seja considerada judicialmente improcedente”. – Cfr. Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/05/2011, proc. nº 04881/09
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Estipula o art. 9º, da Lei da Nacionalidade (cfr. em sentido idêntico o art. 56º nº 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006), que: "Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”
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A "ligação efetiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objetivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País
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No caso vertente verifica-se que a Ré está casada com cidadão português há quase 4 anos, o que repudia a ideia de que se esteja perante um casamento de ocasião, simples meio de aquisição da nacionalidade portuguesa
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A Ré, para além de falar a língua portuguesa (que, coincidentemente, é também língua oficial do seu país de origem), reside desde, pelo menos, abril de 2009, em Portugal, onde se encontra inserida do ponto de vista económico e social, com situação regularizada do ponto de vista contributivo- financeiro (relembre-se que a ora recorrente se encontra inscrita na Segurança Social como trabalhadora independente)
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É certo que o período de tempo em referência poderá ainda ser pequeno e ser até discutível que se possa afirmar que a Ré possui já uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa
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Porém, também não se pode afirmar que essa ligação inexiste, já que não se apurou se aquela desconhece os usos, costumes e tradições da comunidade portuguesa, se conhece a História de Portugal e se "interiorizou" o sistema de valores e cultura da comunidade portuguesa
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Ora, face à atual Lei da Nacionalidade, é sobre o Ministério Público que recai o ónus da prova da "inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional” - cfr. Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/05/2011, proc. nº 04881/09
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O instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, funcionava como válvula de segurança que permitia paralisar determinadas aquisições de nacionalidade decorrentes da vontade ou da adoção quando...
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