Acórdão nº 096/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução27 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…, identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, contra o Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores e o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores, recurso contencioso das deliberações do CR do Norte, proferidas em 26-09-2000, 27-06-2000 e 28-03-2000, da deliberação, não datada, do Conselho Geral que o considera Não Apto no Estágio de Solicitadores 1997/1999 e dos actos de indeferimento tácito do Conselho Geral que se formaram relativamente aos recursos hierárquicos interpostos pelo recorrente em 14-08-2000 e 17-10-2000.

Por sentença de 3 de Julho de 2002 o Tribunal Administrativo do Círculo considerou que de todos os actos contenciosamente impugnados o único recorrível era "o acto de indeferimento tácito que se formou relativamente ao recurso interposto pelo recorrente para o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores, em 17-10-2000 (…) quanto á deliberação do CRN proferida em 26-09-2000, que indeferiu o seu pedido de inscrição" e, dando provimento ao recurso anulou tal acto.

1.1. Inconformado, o Conselho Regional do Norte, recorre dessa decisão para este Supremo Tribunal, apresentando alegações com as seguintes conclusões: A) No que diz respeito ao Regulamento de Estágio vale a regra de que deverão ser os órgãos executivos da Câmara (o Conselho Geral e os Conselhos Regionais), no âmbito das respectivas competências, e emanar os regulamentos necessários ao regular funcionamento desta associação pública; B) É um facto que o antigo Estatuto dos Solicitadores atribui aos GOE a competência para a emissão de um juízo final sobre a aptidão dos candidatos ao exercício da profissão de solicitador. Mas tal nunca é posto em causa pelos contestados regulamentos emanados pela Câmara e pelos GOE.

C) Desde logo, os GOE não são órgãos no sentido próprio do termo, em primeiro lugar por não ser sequer determinável qual a pessoa colectiva a que seria juridicamente imputável a vontade por eles manifestada, como seria imprescindível se de órgãos de um ente público se tratasse; mas também por não lhes caber a tomada de qualquer decisão final; e mais importante, por lhes faltar o elemento de estabilidade inerente a qualquer órgão.

D) Pelo que urge a conclusão de que os GOE são meras comissões, ou seja, grupos de pessoas nomeadas para desempenhar "uma tarefa especial e temporária".

E) Não decorre da letra do Estatuto - e muito menos do seu espírito - o serem os GOE conjuntos estanques, sem relação entre si, sendo admissível (e mesmo exigível) que actuem com base em critérios e regras comuns fixadas por comum acordo, sendo por isso admissível (e mesmo exigível) que as definem conjuntamente, em sessão plenária, tal como aconteceu.

F) A transferência da tarefa de correcção da prova escrita pelos próprios GOE para um conjunto restrito de membros dos mesmos GOE (o Júri da Prova Escrita), deve considerar-se legítima, no sentido de que se trata de uma simples repartição interna de tarefas, levada a cabo por deliberação unânime.

G) Pelo que, ao contrário do que pressupõe a sentença recorrida, o Júri das Provas Escritas, a quem compete a classificação destas provas, não pode ser considerado um órgão distinto dos referidos GOE (desde logo por nenhum deles se tratar de um órgão), não lhes cabendo "atribuições próprias e diferentes " dos GOE.

H) Não procede o entendimento de que o disposto no referido Regulamento contraria o regime legal vigente, violando o "princípio constitucional da hierarquia das fontes e normas de direito".

I) Na verdade, as regras definidas nos Regulamentos aqui em causa não só não contrariam o Estatuto dos Solicitadores aprovado pelo DL 483/76, como consubstanciam uma legítima manifestação da autonomia regulamentar reconhecida às associações públicas desde a sua consagração constitucional como integrantes da administração autónoma.

J) Trata-se tão-só de regulamentos funcionais, que se limitam a conferir ao Estatuto dos Solicitadores a regulamentação necessária na vertente avaliatória.

M) Mesmo admitindo-se que nessa tarefa de execução os regulamentos tenham ido para além da lei, tal é legítimo não só à luz da autonomia regulamentar reconhecida à administração autónoma, como também pelo facto dos referidos regulamentos terem como destinatários sujeitos que se encontram numa posição de sujeição, no âmbito de uma relação especial de poder.

L) Privar a Câmara dos Solicitadores e o Conselho Regional do Norte da dita autonomia regulamentar ou proceder a uma interpretação restritiva do Estatuto no que se refere a essa autonomia consubstanciará uma clara violação conjugada dos arts. 6º, nº 1 e 267º, nº 1 CRP.

M) Por último, tendo em conta que a relação que se estabelece entre a Câmara dos Solicitadores e os GOE, por uma banda, e os solicitadores estagiários, por outra banda, configura uma relação especial de poder, no âmbito da qual são admissíveis regulamentos que comportem alguma compressão ou restrição de direitos fundamentais - no caso o direito de acesso à profissão - os ditos regulamentos também não serão inválidos por violação do conteúdo essencial da liberdade de escolha da profissão (art. 47º, 1 CRP).

N) E essa compressão, se existisse na letra ou no espírito da lei - que não existe, como se demonstrou -, seria inquestionavelmente ligeira, porquanto por demais ténue (quando não mesmo contrário aos princípio da justiça e imparcialidade) se afiguraria um direito absoluto dos solicitadores estagiários a verem as suas provas escritas corrigidas pelos membros dos GOE que acompanharam o respectivo estágio, com peremptória exclusão da possibilidade de correcção por outros membros dos GOE expressamente indigitados para o efeito, e com idêntica competência técnica e idêntica legitimidade.

O) Assim sendo, não se afigura nos regulamentos contestados qualquer violação do "princípio da hierarquia das fontes e das normas de direito".

1.2. No recurso jurisdicional assim interposto, contra-alegou o impugnante contencioso, formulando as seguintes conclusões: 1ª O Meritíssimo Juiz a quo decidiu que o único acto recorrível - por ser aquele que se pronuncia, tacitamente, de forma definitiva, sobre todo o processo de ingresso na Câmara dos Solicitadores - é o acto de indeferimento tácito, pelo Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores, do pedido de inscrição do ora recorrido na dita Câmara, que se formou relativamente ao recurso hierárquico interposto pelo ora recorrido para o dito Conselho Geral, em 17.10.2000, designadamente quanto à anterior deliberação do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, proferida em 26.09.2000.

  1. O ora recorrente, Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, nas conclusões das suas doutas alegações de recurso, não apontou qualquer vício ou erro de julgamento à douta sentença recorrida no que respeita a tal matéria de determinação da recorribilidade dos actos, restringindo, tacitamente, o objecto deste recurso jurisdicional - artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil.

  2. O Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores não recorreu da douta decisão em crise, não tendo o Conselho Regional do Norte, órgão distinto da Câmara dos Solicitadores, assim, legitimidade para o presente recurso jurisdicional - artigo 104º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos - devendo o mesmo, com o devido respeito, ser rejeitado, não se tomando dele conhecimento, dando-se sem efeito, se assim se entender, o douto despacho de admissão do recurso.

  3. A douta decisão recorrida ao anular, na procedência do recurso contencioso de anulação, o mencionado acto de indeferimento do Conselho Geral, não merece qualquer censura, nomeadamente, no que respeita à aplicação do disposto no Decreto - Lei nº 483/76, de 19 de Junho (Estatuto dos Solicitadores), cujo regime é o aplicável à situação dos autos - cfr. artigos 2º, nº 2, 3º, alínea b), e 119º do Decreto-Lei nº 8/99, de 8 de Janeiro.

  4. De tal regime jurídico decorre que ao Conselho Regional do Norte apenas competia instruir o processo de inscrição, enviando-o, com parecer, ao Conselho Geral, competindo a este apenas apreciar a regularidade formal do requerimento e a existência de acórdão, proferido pelo Grupo Orientador de Estágio, considerando o ora recorrido apto para o exercício da profissão de solicitador - artigos 21º, nº 1, 30º, 48º, 49º, 51º e 52º, do Decreto-Lei nº 483/76, de 19 de Junho (Estatuto dos Solicitadores).

  5. A Lei impõe, assim, a competência exclusiva e final do Grupo Orientador de Estágio de Aveiro, órgão criado pela Lei para o efeito, para se pronunciar sobre a aptidão do ora recorrido, por acórdão individual a proferir no respectivo processo, apreciando todos os elementos recolhidos no decurso do estágio - artigos 42º e 48º, do Decreto-Lei nº 483/76, de 19 de Junho (Estatuto dos Solicitadores).

  6. Tendo sido proferido pelo referido Grupo Orientador de Estágio de Aveiro acórdão determinando a aptidão do ora recorrido para o exercício da profissão de solicitador, qualquer acto que indefira o pedido de inscrição efectuado, designadamente o acto anulado pela douta decisão recorrida, viola a lei aplicável e as normas legais supra indicadas.

  7. O poder regulamentar concedido à Câmara dos Solicitadores é estritamente vinculado e sujeito ao princípio da precedência da Lei, competindo a sua aprovação à Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores, sob proposta e redacção do Conselho Geral, não tendo o Conselho Regional do Norte qualquer competência nessa matéria - artigo 7º, 19º, alínea c) e 30º, do Decreto-Lei nº 483/76, de 19 de Junho (Estatuto dos Solicitadores).

  8. Qualquer acto, de carácter regulamentar ou administrativo, que determine regras que impeçam o Grupo Orientador de Estágio de se pronunciar sobre a aptidão do candidato à inscrição na Câmara dos Solicitadores, apreciando todos os elementos que informem sobre os conhecimentos teóricos e práticos adquiridos, impondo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT