Acórdão nº 0957/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução23 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…, já identificado nos autos, intentou, neste Supremo Tribunal, recurso contencioso de anulação do acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, de 19-3-2002, que confirmou o acórdão da Secção Disciplinar do mesmo Conselho que o puniu com a pena de inactividade por 12 meses.

Por acórdão de 10 de Novembro de 2004, da 3ª Subsecção, proferido a fls. 412-442 dos autos, foi negado provimento à impugnação contenciosa.

1.1. Inconformado, o impugnante recorre para o Pleno da 1ª Secção, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1) Constitui vício de violação de lei, por violação do princípio da imparcialidade ínsito no art. 6º e da norma constante na al. d) do art. 44º, ambos do CPA, a intervenção do mesmo agente administrativo nas diversas e sucessivas fases.

2) Todas as fases procedimentais (Inspecção, Inquérito e Processo Disciplinar) que conduziram à aplicação da sanção disciplinar ao ora recorrente são da autoria e responsabilidade de um único agente: o Inspector do Ministério Público, Procurador-Geral Adjunto ..., sendo portanto "anuláveis nos termos gerais" os actos em que interveio o agente impedido (cfr. art. 51º do CPA).

3) A circunstância de o agente ter sido o autor do Relatório de Inspecção sempre deveria determinar a sua não participação nem no Inquérito, nem no processo disciplinar subsequentes, porquanto estes se destinariam, entre outras dificuldades, a ponderar da bondade do teor e conclusões daquele. À semelhança dos peritos, ao autor de uma inspecção sempre deveria estar vedada a intervenção activa em qualquer outra fase processual, devendo a sua intervenção reduzir-se, se necessário, à sustentação do teor da sua "perícia".

4) O invocado vício, ao ferir os actos de Inquérito e de processo disciplinar, inquinam, de igual forma e decisivamente, a deliberação sancionatória proferida pelo Conselho Superior do Ministério Público a qual sempre deverá ser anulada por violação dos invocados preceitos legais.

5) Ao limitar a matéria a que as testemunhas poderiam responder, quer por "a priori" as considerar ignorantes dos factos, ou por as mesmas poderem vir a dar respostas "óbvias" e "desnecessárias", impedindo, desta forma que trouxessem ao processo o testemunho decorrente da sua convivência profissional e pessoal como o Arguido, o Instrutor pôs em causa o princípio da mais ampla defesa e condicionou o apuramento da verdade material dos factos que se encontrava Constitucionalmente e processualmente obrigado (cfr. art. 269º nº 3 da CRP e art. 179º, nº 1 da LOMP), o que gera nulidade insuprível do processo.

6) Os arts. 141º, nº 1 e 151º, nº 1 da LOMP, ou art. 170º nº 1 e 183º do Estatuto do Ministério Público, ao não preverem, expressamente, tal como fazem os arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Púbicos e agentes da Administração Central, Regional e Local, as infracções que implicam a cominação de uma e de outra pena, revestem carácter inconstitucional por violação do disposto no art. 29º nº 3 da CRP.

7) Inexiste fundamento legal que justifique a pena de inactividade imposta -, porquanto essa pena tem de basear-se em condutas dolosas e em casos de procedimento que atentem gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente da função (cfr. art. 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável); 8) A pena aplicável a comportamento que integra "negligência grave e grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais" é a suspensão de exercício (cfr. art. 24º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável); a aplicação da pena constitui um poder vinculado da administração, devendo o art. 138º nº 1 do Estatuto do Ministério Publico ser interpretado e integrado com os critérios subjacentes ao disposto nos arts. 24º e 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, subsidiariamente aplicável; 9) A fundamentação para a aplicação das penas de suspensão do exercício ou de inactividade é bem diversa, estando a primeira voltada para os casos de negligência grave ou de grave desinteresse dos deveres profissionais e a última incidindo em aspectos estruturais e ligados à dignidade da função; assim, o Acórdão recorrido, ao não considerar os critérios abstractos que levariam à aplicação da pena de suspensão, distinguindo-os dos da pena de inactividade, de acordo com o Estatuto Disciplinar carece de fundamentação bastante, vício gerador de nulidade.

10) Considerando-se como início do procedimento disciplinar a data de 28/06/1999 e sendo os factos do conhecimento da Procuradoria - Geral da República desde a data da apresentação do Relatório, datado de 11/08/1998, há muito se encontrava preenchido o prazo prescricional de curto prazo previsto no nº 2 do art. 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

11) Baseando-se o procedimento disciplinar em factos apurados no âmbito de inspecção extraordinária iniciada em 21 de Maio e concluída em 24 de Junho de 1998, cujo período abrangido é de 01/03/1995 a 28/02/1998, ao alargar o seu objecto para além de 21 de Maio de 1995, excedeu em 2 meses e 20 dias o prazo prescricional constante do nº 1 do art. 4º do mesmo Estatuto Disciplinar, nomeadamente, quando são imputados ao Recorrente a prática ou omissões de factos cuja verificação se deu para além dessa data e quando a apreciação do comportamento infractor se reporta também a período anterior àquela data.

12) Verifica-se, assim, o decurso dos prazos prescricionais previstos nos nºs 1 e 2 do art. 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aplicável «ex vi» do preceituado no art. 216º do Estatuto do Ministério Público, sendo o seu conhecimento de carácter oficioso e constituindo excepção peremptória cuja verificação conduz à extinção do procedimento disciplinar.

13) Na determinação da pena em processo disciplinar, deverá ser tomada em conta, além do mais, a conduta posterior ao facto, especialmente, quando esta seja destinada a reparar as suas consequências (cfr. art. 71º, nº 2, al. e) do Cód. Penal "ex vi" do art. 216º do Estatuto do Ministério Público); 14) Posteriormente à Inspecção que originou a sanção aplicada ao ora recorrente, foi o mesmo objecto de duas outras inspecções com a classificação respectivamente de SUFICIENTE e de BOM, facto que constitui elemento essencial a ponderar na determinação da pena a aplicar; 15) Ao decidir pela improcedência de todos os invocados vícios, o Acórdão recorrido violou o correcto entendimento e aplicação de todos os preceitos legais citados.

1.2. A autoridade recorrida não alegou.

1.3. O Exmº Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pelo improvimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. OS FACTOS No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: a) O Recorrente é magistrado do Ministério Público, tendo a categoria de procurador-adjunto b) Entre 1-3-95 e 28-2-98, o Recorrente exerceu funções no Tribunal Judicial de Abrantes.

    c) Em 1998, o serviço do Recorrente no referido Tribunal foi objecto da inspecção extraordinária n.º 5/98, ordenada pelo Conselho Superior do Ministério Público; d) Em 11-9-98, o Senhor Inspector do Ministério Público que efectuou a inspecção, elaborou o relatório cuja cópia que consta de fls. 38 a 133 do processo principal, cujo teor se dá como reproduzido, em que formulou as seguintes conclusões e proposta: O LIC. A… é um magistrado que dispõe de capacidades e de conhecimentos para um exercício normal do cargo de delegado do Procurador da República.

    Iniciou funções em Outubro de 1985 na comarca de Ponte de Sôr e em Janeiro de 1990, já nesta comarca de Abrantes, onde se encontrava desde Junho de 1988, o seu trabalho foi objecto de inspecção, na sequência da qual lhe foi atribuída a classificação de BOM.

    No entanto, como se verifica do relatório correspondente, o inspector adiou a conclusão dos trabalhos por três meses e meio, para lhe dar tempo para despachar os processos atrasados, também então em número avultado, e para assim "não o penalizarmos na proposta classificativa, pois globalmente lhe deparámos qualidades que haverá de pôr ao serviço da função, limando uma ou outra indecisão, desprezando um ou outro formalismo excessivo recomendando até que "a próxima inspecção fosse feita dentro de tempo não muito longo ".

    E o inspeccionado veio a ser escalado em inspecção extraordinária no plano de 1998, realizando-se os trabalhos a partir de 21 de Maio do mesmo ano, tendo em considerações o período compreendido entre 1 de Março de 1995 e 28 de Fevereiro de 1998.

    Nesta data o estado dos processos a seu cargo, de qualquer das áreas, era da mais generalizada das paralisações.

    Só com mais de um ano de atraso, não contabilizando, por isso, os processos com atraso de menos de um ano e mais de trinta dias, havia 141 processos de inquérito, representando por isso mais de 50 % dos pendentes e com processos autuados a partir do ano de 1988.

    Dentro destes havia um processo parado há mais de nove anos, outro há mais de oito anos, vinte e oito há mais de sete anos, dezassete há mais de seis anos, dezanove há mais de cinco anos e por aí adiante, conforme o mapa inserido na respectiva rubrica deste relatório.

    A situação era a mesma nos processos de instrução ou nos antigos de instrução preparatória, massivamente nos processos administrativos, nos processos da jurisdição de família e menores, nos processos de inventário e falência e nos processos do foro laboral.

    Estes processos vieram a ser recolocados em movimento entre a data limite fixada para a inspecção (28.02.98) e a sua execução, alguns mesmo nas antevéspera e véspera de serem presentes ao...

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