Acórdão nº 0562/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Novembro de 2005
Magistrado Responsável | PIMENTA DO VALE |
Data da Resolução | 02 de Novembro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - O Director-Geral dos Registos e Notariado, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que concedeu provimento ao recurso contencioso de anulação que a firma A... -, pessoa colectiva nº 500829993, com sede na Rua ..., torre ..., piso ..., letra ..., Lisboa, contra o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão de um acto de liquidação de emolumentos registrais, no montante de 5.862.000$00 (€ 29.239,53), dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1ª A sociedade "A..." interpôs o presente recurso contencioso invocando a ilegalidade da liquidação de emolumentos, consubstanciada na desconformidade da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, com o disposto no artigo 10º, alínea c) da Directiva n° 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, bem como a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
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Os emolumentos objecto do presente litígio, respeitantes ao registo de aumento de capital e à alteração do contrato, foram cobrados pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, em 27 de Maio de 1998 (Ap. 45), e resultam da aplicação do artigo 1º, nº 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, aprovada pela Portaria 883/89, de 13 de Outubro.
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A douta sentença recorrida julgou o pedido procedente anulando a liquidação de emolumentos impugnada, com fundamento na violação do citado normativo comunitário, e condenou a Administração na restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento até à emissão da respectiva nota de crédito.
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Ora, a anulação judicial de um acto de liquidação de emolumentos com fundamento na sua ilegalidade, para além do prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 102º do C.P.P.T., depende da verificação "in casu" dos pressupostos de aplicação do artigo 78°, n° 1 da LGT, na parte em que prevê a revisão oficiosa de actos tributários com fundamento em «erro imputável aos serviços».
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Para se colocar em causa os actos de liquidação, correm os prazos constantes na alínea a) do n° 1 do artigo 102° do C.P.P.T., ou seja, 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário dos emolumentos.
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Pois, se o que a Autora pretende é impugnar o acto de liquidação, então os únicos meios serão a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dos actos de liquidação. E tais procedimentos deveriam ter sido desencadeados em tempo útil, tendo em consideração o efeito directo da referida Directiva.
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De facto, de acordo com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento dos emolumentos em causa.
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Por seu turno o artigo 70º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que "a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no nº 1 do artigo 102º".
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Ora o prazo de 90 dias previsto no nº 1 do artigo 102º do CPPT não ofende o direito comunitário. De facto, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por acórdão proferido em 17 de Junho de 2004, no processo C-30/02 (... vs Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas), e que se junta como doc. n° 1, relativamente às questões prejudicais submetidas pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, decidiu que: 10ª «O princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.» 11ª Liminarmente, deverá referir-se que o artigo 78º da Lei Geral Tributária, distingue claramente entre a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou desencadeada por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da Administração Tributária.
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O legislador foi coerente a este respeito: o pedido de revisão dos actos tributários por iniciativa do contribuinte previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 78° da LGT não é mais do que uma reclamação graciosa (apesar da LGT a denominar como reclamação administrativa), pelo que o seu prazo é coincidente com o desta, bem como os fundamentos: "(...) qualquer ilegalidade".
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Tal é totalmente conforme com o regime de anulabilidade do acto, que impede que a liquidação em causa possa ser impugnada a todo o tempo, mas apenas no prazo previsto no n° 1 do artigo 102° do CPPT: 90 dias a contar da data do pagamento das liquidações impugnadas (cfr., por exemplo, Acórdão do STA de 20 de Março de 2002, referente ao processo n° 026774).
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Esse é um corolário do princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos actos de liquidação de tributos, pois, a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do acto tributário como meio de impugnação indirecta de actos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os actos da Administração praticados em violação de lei, mormente naqueles casos em que o tributo não tenha sido pago, em que a revisão se pode fazer a todo o tempo.
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Por seu lado, de acordo com a segunda parte do n° 1 do artigo 78°, a Administração Tributária, pode iniciar um procedimento de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável ao serviço.
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O procedimento de revisão oficiosa de iniciativa da Administração, mesmo entendendo-se que o particular o pode desencadear, não pode englobar juízos de legalidade ou ilegalidade da liquidação, limitando-se a Administração à apreciação e eventual correcção de erros materiais.
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De facto, uma análise atenta da natureza jurídica do acto de revisão revela a sua natureza de acto administrativo secundário do tipo rectificativo, enquanto subespécie dos actos modificativos, tendencialmente semelhante ao dispositivo normativo que consta do artigo 148° do Código do Procedimento Administrativo (CPA) nos termos do qual englobam-se na rectificação dos actos administrativos «os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos», os quais «podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto».
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Qualquer outro entendimento que se possa avançar é desequilibrado em sede de harmonia do sistema e um alargamento dos casos de aplicação do artigo 78° da L.G.T. às situações de erro de direito não só é totalmente contrário ao espírito da lei, como redundaria em total insegurança jurídica. Note-se que o erro de direito não integra - nem poderia integrar - o elenco das causas de rectificação dos actos administrativos previstas no artigo 148° do CPA e rectius no artigo 78° da LGT.
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Veja-se os termos restritos com que os n°s 3 e 4 do artigo 78°, estabelecem a intervenção do dirigente máximo do serviço na revisão da matéria tributável - erro muito manifesto e de correcção muito mais simplificada e justificada, que o erro alegado no caso sub judice. Neste caso, o dirigente máximo pode autorizar no prazo de 3 anos, excepcionalmente, a revisão, com fundamento em injustiça grave e notória. Não satisfeito com os termos restritos previstos no n° 3 o legislador sentiu a necessidade de restringir ainda mais os termos enquadrantes da decisão definindo que "[...] apenas se considera notória, a injustiça ostensiva e inequívoca, e grave, a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade [...]".
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O mesmo argumento é aplicável tomando em consideração o nº 5 do artigo 78°. Nesse número refere-se que "a revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta (causada por erro material, na esmagadora maioria das situações) pode efectuar-se, seja qual for fundamento, no prazo de quatro anos".
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Assim, e atendendo ao carácter excepcional das referidas situações, não fará sentido qualquer interpretação que advogue uma solução mais atentatória da estabilidade do acto tributário - logo do princípio da segurança jurídica - noutras situações do que nestes casos denominados excepcionais face à injustiça grave e notória manifestamente causada na esfera patrimonial do contribuinte. Tal interpretação, a efectuar-se, seria totalmente desfasada da realidade sistemática do...
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