Acórdão nº 0508/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução29 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A..., com melhor identificação nos autos, vem recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul (TCA), de 9.12.04, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs do despacho do Secretário de Estado da Justiça, de 26.11.01, que lhe impôs a sanção disciplinar de aposentação compulsiva.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: 1. O despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado da Justiça acompanhou as conclusões e propostas do Instrutor do processo, pelo que ao aderir e fazer seu, o relatório do Instrutor ficou a padecer dos mesmos vícios de que aquele está irremediavelmente inquinado.

  1. A acusação constitui a trave mestra do processo disciplinar porque é nela que, instruído, se imputam os factos puníveis.

  2. Daí que tais factos devam ser clara e expressamente enunciados, situados no tempo e no lugar onde ocorreram, com referência aos correspondentes preceitos legais e às penas aplicáveis, a fim de possibilitar aos arguidos a compreensão e realização da sua defesa assente em factos concretos.

  3. A acusação formulada contra a recorrente assenta, no geral, em imputações imprecisas e conclusivas, limitando-se a referenciar factos de modo genérico e a remeter, também de forma genérica, para um amontoado de milhares de papéis juntos ao processo disciplinar sem que se possa perceber, com rigor, qual o seu valor probatório.

  4. Não existe uma enumeração precisa e clara dos factos imputados, mas tão-só uma acusação vaga e genérica que se consubstancia numa atribuição de comportamentos não descritos factualmente.

  5. Esta irregularidade não pode ser suprida pela referência a peças do processo, porquanto é o Instrutor que deve articular os factos que constituem infracção disciplinar e não a arguida que os tenha de advinhar através da leitura e exame dos autos.

  6. Houve, assim, uma total impossibilidade da arguida se poder pronunciar sobre o objecto da acusação, o que cerceou e comprometeu de forma irremediável o seu inalienável direito de defesa, constitucionalmente garantido.

  7. A formulação da acusação, nos termos supra descritos, violou o direito de defesa da recorrente (n.º 4 do art.º 59° do Estatuto Disciplinar e n.º 3 do art.º 269° da Constituição da República Portuguesa), o que equivale à falta de audiência da arguida, geradora de nulidade insuprível, conforme dispõe o n.º 1 do art.º 42° do Estatuto Disciplinar, que não pode deixar de determinar a anulação do despacho punitivo.

  8. Por outro lado, ao não ter sido permitido à recorrente exercer o direito de audiência prévia, o despacho do Senhor Secretário de Estado violou o disposto nos artigos 100º e 103° do Código do Procedimento Administrativo e artigos 268°, n.º 4, e 269°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa pelo que, também com este fundamento, o despacho em causa deve ser anulado.

  9. Finalmente, e como resulta de tudo o que vem supra alegado, o Instrutor não deu cumprimento à parte final do n.º 2 do art.° 57° do Estatuto Disciplinar ao não referir a pena aplicável, em concreto, a cada uma das condutas que considerou averiguadas, e por não ter relacionado as circunstâncias agravantes com os respectivos artigos da acusação, pelo que o despacho recorrido padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, designadamente, por violação dos artigos 3°, 26°, 28°, 57° e 59° do Estatuto, devendo ser também anulado com este fundamento.

    Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, anulando-se o despacho recorrido, com todas as consequências legais, com o que Vossas Excelências farão seguramente JUSTIÇA.

    A autoridade recorrida concluiu assim a sua: a)- A acusação formulada contra a recorrente no processo disciplinar em que foi arguida é suficientemente clara e congruente, encontrando-se os factos por que vem aí acusada claramente enunciados, com as necessárias referências às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que se inserem, infracções por que é acusada e respectivos preceitos legais incriminadores.

    b)- Com efeito, o seu artigo 7° refere, desde logo, as importâncias em dinheiro ou em cheque de que a recorrente é acusada de se ter apropriado em proveito próprio, assinalando igualmente o período de tempo em que esse aproveitamento teve lugar , com remissão expressa para a prova colhida, constante dos autos do processo disciplinar.

    c)- Importâncias essas, que estão pormenorizadas nos artigos 8° a 15° da nota de culpa, explicitando o artigo 16° os casos em que se verificou a actuação ilícita da recorrente, descrita nos artigos 7° a 15°.

    d)- O douto Acórdão recorrido, de resto, e como se constata através da simples leitura da rubrica relativa à "Matéria de Facto", não se limitou a remeter para a prova produzida no p. d. descrevendo até à minúcia os factos com interesse para a decisão, considerados provados, o que amplamente demonstra, situando-os no tempo e no respectivo modo e lugar e amplamente documentados por referência à prova, quanto a eles produzida.

    e)- O que igualmente demonstra que o instrutor do processo disciplinar remeteu, em cada caso, para os documentos respectivos, escrituras de onde constam os interessados, registos efectuados sob rasura no respectivo livro de emolumentos e selo, duplicados de contas quando apresentados pelos utentes, declarações destes e autos de exame directo, sendo de resto, amplamente justificável a sua remissão para o mapa de fls. 1122 a 1129 dos autos do p. d, dada a grande extensão dos factos e a enormidade do processo.

    f)- A recorrente não poderia, consequentemente, deixar de compreender fácil e integralmente todo o conteúdo, sentido e alcance da nota de culpa, como decidiu e bem o douto acórdão ora impugnado, em nada resultando afectados os seus direitos de audiência e defesa.

    g)- De resto, é a própria recorrente que demonstra, sem margem para dúvidas, que compreendeu perfeitamente o conteúdo e alcance da acusação, uma vez que não teve qualquer dificuldade em organizar a sua defesa, em todas as sedes em que interveio, designadamente no presente recurso para o S.T.A.

    h)- E o mesmo sucedeu no que respeita ao conteúdo e alcance dos documentos juntos aos autos, de que foi oportunamente notificada e em relação aos quais teve toda a oportunidade de se pronunciar e defender.

    i)- Pelo que também, no que a este ponto concerne, improcede totalmente a alegada violação do seu direito de defesa, geradora de nulidade insuprível por desrespeito dos artigos 42°, 59° n° 4 e 3 e artigo 169° do C.R.P. que "in casu" não foram sequer beliscados.

    j)- A alegada falta de audiência prévia da recorrente enquanto arguida em processo disciplinar falece, igualmente e de forma total, como o douto acórdão recorrido também, e bem, entendeu porquanto tendo o p. d. norma própria, (o artigo 59° do E.D., sobre audiência do arguido), não se justificar a repetição dessa audiência, quando ela já foi realizada e em condições de maior garantia para a recorrente.

    l)- Aliás, o próprio E.D., como sublinha esse aresto, dispensa a audiência prévia quando os interessados já se tenham pronunciado no procedimento, pelo que não ocorreu "in casu" a menor violação das normas dos artigos 100° e 103° do C.P.A. e 268°, n.º 4 e 265° n.º 3 da C.R.P..

    m)- É incontornável que o artigo 47° da nota de culpa do p. d diz expressamente quais os deveres violados pela recorrente pelos factos descritos nos artigos 7° a 18°, 24° a 27°, 29° a 31°, 34°, 36°, 38, 40° a 42°, 45° e 46°, enquanto o artigo 48° faz o enquadramento das infracções cometidas pela recorrente, em violação dos seus deveres funcionais, por remissão para as disposições legais do E.D. que as tipificam.

    n)- Como entendeu e bem o douto acórdão recorrido, foi "in casu" indicada no p. d. a pena aplicável, por violação dos deveres de zelo, isenção e lealdade, a que a arguida estava obrigado no desempenho das suas funções no Cartório Notarial, como consta da matéria factícia provada (itens 35 a 41 e fls. 1716 e 1720 do P.D.).

    o) Não se verificando, consequentemente qualquer irregularidade na instrução do processo disciplinar, tendo sido adequada a pena de aposentação compulsiva que foi aplicada à recorrente e não...

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