Acórdão nº 0723/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…, magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador Adjunto, a exercer funções na comarca do …, vem intentar, contra o Conselho Superior do Ministério Público, acção administrativa especial de impugnação da deliberação de 30 de Abril de 2010, que indeferiu a reclamação da respectiva Secção Disciplinar, de 19 de Fevereiro 2010, e confirmou a aplicação, ao autor, da pena disciplinar de advertência.

Diz que o acto contenciosamente impugnado é inválido por (i) erro nos pressupostos de facto, por não estar demonstrada a materialidade que lhe é imputada; (ii) violação de lei, por inversão ilegal do ónus da prova; (iii) violação de lei, porque o comportamento censurado não tem relevo disciplinar, sendo mera ocorrência da sua vida privada; (iv) erro sobre os pressupostos de direito, porque o comportamento censurado não consubstancia a violação do dever de correcção; (v) preterição de diligências relevantes para a descoberta da verdade; (vi) violação de lei, porque a decisão punitiva foi proferida para além do prazo de 30 dias previsto no art. 55º/4 do Estatuto Disciplinar.

O Réu, na sua contestação, defende a legalidade do acto alegando que não ocorre qualquer dos vícios invocados pelo Autor.

Apenas o Réu alegou, reiterando a posição assumida na contestação.

Colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos, cumpre decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. OS FACTOS Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: 1. O autor é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, a exercer funções na comarca do …; 2. A Exmª Procuradora Geral Distrital de Lisboa, sob a referência “Of. nº 341” de 26.03.2009, oficiou ao Exmº Conselheiro Vice – Procurador – Geral da República, nos seguintes termos: “Tenho a honra de transmitir a V. Exª a participação anexa, vinda dos Serviços do Ministério Público da Comarca do …, com pedido de instauração de inquérito, nos termos do art. 211º, nº EMP”.

  2. Sobre esse ofício, o Exmº Vice – Procurador – Geral da República, lavrou o seguinte despacho: «Concordo com a proposta da Exa PGD de Lisboa.

    Designa-se para o efeito de proceder a inquérito o Exmº Inspector, Dr. B….

    DN.

    Lx. 07-04-09” 4. Datado de 29 de Junho de 2009, foi elaborado o relatório do inquérito, constante a fls. 117/130 do processo instrutor apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzido) e que o Sr. Inspector rematou do seguinte modo: “Os factos apurados consubstanciam comportamentos de menor respeito e de falta de consideração para com o agente da PSP C’… integrando, por isso, violação do dever geral de correcção e de respeito previsto no art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/2008 de 9 de Setembro, aqui aplicável por força do disposto no art. 216 do Estatuto do Ministério Público o que constitui a infracção disciplinar p.e p. nos arts. 163, 166, nº 1, al. b) e 181 da Lei nº 60/98 de 27/8, em consequência do que se propõe a conversão do presente inquérito em processo disciplinar nos termos do art. 214, nº 1 do mesmo diploma.” 5. A Secção do Conselho Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, na sua reunião de 14 de Julho de 2009, determinou o seguinte: “Acolhendo os fundamentos e a proposta, acordam na Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público em converter o presente inquérito em processo disciplinar, constituindo aquele a parte instrutória deste, nos termos previstos no nº 1, do art. 214º do Estatuto do Ministério Público”.

  3. No processo disciplinar, o respectivo instrutor, em 30 de Julho de 2009, deduziu a acusação, constante a fls. 150/153 do p.i, que passamos a transcrever: 1º O arguido, concluída a respectiva formação no Centro de Estudos Judiciários, foi nomeado Procurador Adjunto por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 99.5.26, publicada no DR de 99.6.14, encontrando-se colocado na comarca do … desde … (deliberação do mesmo Conselho de …, publicada no DR de 07.8.31) 2º No dia 27 de Fevereiro do corrente ano, os agentes da P.S.P. C… e D… encontravam-se no interior de um veículo policial na … em ... – …, em missão de fiscalização do trânsito, tendo-se apercebido da passagem de um veículo tipo jipe, com a matrícula …, cujo condutor, o arguido A…, segurava na mão um telemóvel com o qual fazia, ou atendia, um telefonema.

    1. Como tal acto configurasse a prática da contra-ordenação p.e p. pelo art. 84º, nºs 1 e 4 do Código da Estrada, seguiram atrás do mesmo no propósito de o interceptarem logo que possível, o que acabaria por acontecer na R. … na mesma localidade.

    2. Dirigiu-se então o agente C… ao arguido a quem solicitou a apresentação dos respectivos documentos que analisou, informando-o depois que iria proceder à sua autuação por ter feito uso indevido do telemóvel no exercício da condução automóvel, explicando-lhe as formas como poderia efectuar o pagamento da respectiva multa, pagamento que deveria ser feito no próprio momento sob pena de ficarem apreendidos os documentos da sua viatura.

    3. Reagindo manifestamente desagradado ao que lhe era referido pelo agente policial, o arguido respondeu, de imediato, e de modo exaltado, “eu não pago nada, apreenda-me tudo”.

    4. E acto contínuo, e de modo impulsivo, abriu a porta do veículo e saiu do mesmo dizendo de forma agressiva “caralho, estou-me a divorciar, já tenho problemas que cheguem”, acto que surpreendeu aquele agente que, temendo alguma reacção mais violenta do arguido, recuou no terreno alguns metros ao mesmo tempo que chamava o seu colega D… que aguardava junto ao veículo policial.

    5. Já com o colega ao seu lado, o agente C… aconselhou calma ao arguido que, sem razões que o justificassem, exibiu aos agentes o seu cartão de identificação profissional, ao mesmo tempo que dizia “eu não gosto nada de me identificar com este cartão, mas eu sou Procurador”, procurando com isso condicionar aquele agente no levantamento do auto de contra-ordenação.

    6. Mesmo assim o agente C… manteve a intenção de elaborar o respectivo auto e dirigiu-se para o efeito ao veículo policial para proceder à elaboração do respectivo expediente.

    7. No final, e quando o mesmo solicitou ao arguido que assinasse o auto de contra – ordenação nº … que elaborara, e uma vez mais lhe perguntou se pretendia pagar a respectiva multa naquele momento, o arguido repetiu que não pagava e recusou-se a assinar o auto como lhe era solicitado.

    8. E dirigiu-se ao agente C… solicitando-lhe a respectiva identificação pessoal e local de trabalho, referindo-lhe que aquele ainda ouviria falar de si.

    9. O arguido bem sabia ter cometido a contra-ordenação que lhe era imputada pelo agente da P.S.P. C…, e que este actuava, assim, no exercício das suas funções de agente da autoridade em missão de fiscalização de trânsito ao pretender levantar o respectivo auto de contra-ordenação, cabendo-lhe por isso assumir uma postura de maior respeito e consideração para com o referido agente fornecendo os elementos pedidos e tomando o devido conhecimento do auto de contra-ordenação levantado.

    10. Sem procurar criar quaisquer constrangimentos à actuação do mesmo agente, exibindo o seu cartão de identificação profissional a solicitando a identificação daquele com a ameaça velada de que não esqueceria aquela sua atitude.

    11. Os factos descritos integram violação do dever geral de correcção, sendo incompatíveis com o decoro e a dignidade exigíveis ao exercício de funções de magistrado do Ministério Público, integrando, por isso, a infracção disciplinar p. e p. 163, 166, nº 1 al. b) e 181 do E.M.P. e art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/09 de 9 de Setembro aqui aplicável por força do disposto no art. 216º do mesmo Estatuto (Lei nº 60/98 de 27.8).

  4. O arguido apresentou a sua defesa, a fls. 157- 185 do processo disciplinar apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzida) na qual requereu a junção de alguns documentos e a inquirição de várias testemunhas, devidamente identificadas.

  5. No dia 4 de Janeiro de 2010, o instrutor elaborou o relatório do processo disciplinar, que consta a fls. 262-276 do P.A, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que terminou com proposta que formulou assim: “Nos termos do art. 163 do Estatuto do Mº Pº “constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados do Ministério Público, com violação dos deveres profissionais e actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutem, incompatíveis com o decoro e a dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções”.

    Conforme o disposto no art. 216º do mesmo Estatuto, é subsidiariamente aplicável o disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado.

    De acordo com o art. 3º, nº 2, al., h) da Lei nº 58/2008 de 9 de Setembro que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, um dos deveres gerais dos funcionários e agentes, e consequentemente dos magistrados, é o dever de correcção, que o nº 10 do mesmo preceito refere consistir “… em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos”.

    Ora, o comportamento e expressões utilizadas pelo arguido que constam dos factos provados, objectivamente desconsideram a actuação legítima do agente da PSP C… e são de todo incompatíveis com o decoro e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções. Constituem, por isso violação do dever geral e profissional de correcção ou de urbanidade, o que configura a infracção disciplinar prevista no mesmo art. 163 do Estatuto do Mº Pº e no art. 3º, nº 2, alin. h) da Lei 58/2008, aplicável por força do disposto no art. 21/6 do referido Estatuto.

    À infracção em causa corresponde a pena de multa nos termos dos arts. 166, nº 1, alin. b), 168, 173 e 181 do mesmo Estatuto.

    Quanto à medida da pena, haverá que atender, nos termos do art. 185 do Estatuto do Mº Pº, à gravidade dos factos e culpa do agente, à sua...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT