Acórdão nº 00598/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelFrancisco Areal Rothes
Data da Resolução11 de Novembro de 2003
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (adiante RFP ou Recorrente) junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por JOSÉ AMARO ... e mulher, IRENE ... (adiante Recorridos, Contribuintes ou Impugnantes) contra as liquidações adicionais de IRS que lhes foram efectuadas com referência aos anos de 1996 e 1997, dos montantes de esc. 212.352$00 e 115.417$00, respectivamente, por a Administração tributária (AT) ter considerado que as quantias pagas ao Contribuinte marido naqueles anos pela respectiva entidade patronal a título ajudas de custo, dos montantes de esc. 964.599$00 e 948.473$00, também respectivamente, integram o conceito de rendimentos de trabalho dependente, enquadráveis no art. 2.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) Todas as referências ao CIRS reportam-se à versão anterior à revisão operada pelo DL nº 198/2003. de 3 de Julhoe, por isso, sujeitas à incidência deste imposto. Tal entendimento assenta no facto de o Contribuinte marido ter sido contratado pela sua entidade patronal para executar o seu trabalho no estrangeiro, motivo por que «não estão reunidas as condições legais para atribuição de "ajudas de custo" (verbas destinadas à compensação de custos incorridos pela deslocação do local normal de trabalho ao serviço da empresa)» As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.

    .

    1.2 Na petição inicial os Impugnantes pediram a anulação das referidas liquidações com os fundamentos que, em síntese, se seguem: - as liquidações impugnadas «resultaram de correcção efectuada pelos Serviços com o fundamento de que o sujeito passivo auferiu nesses anos "complementos de ordenado" a título de Ajudas de Custo pagas por sua entidade patronal S.M.E. - Serviços de Manutenção e Engenharia, Lda.

    »; - nos referidos anos de 1996 e 1997 o Impugnante marido trabalhou no estrangeiro para a referida empresa, que tem sede em Portugal, onde foi celebrado o contrato de trabalho; - porque o trabalho no estrangeiro era temporário, os Impugnantes mantiveram a sua residência em Portugal, donde apenas se ausentou o marido; - durante o mesmo período «o impugnante marido teve de suportar despesas com a sua estadia, designadamente para satisfação de suas necessidades de alimentação e alojamento», «para além das despesas normais de manutenção da sua habitação em Portugal, onde permaneceu o seu agregado familiar» e onde, «como é notório, não podia deslocar-se diariamente»; - as verbas recebidas pelo Impugnante marido da sua entidade patronal a título de ajudas de custo destinaram-se a fazer face às despesas com alimentação e alojamento que este teve que suportar no estrangeiro; - assim, «a verba recebida a título de ajudas de custo preenche todos os requisitos necessários a tal qualificação, à luz da lei tributária (nº 3, al. e) do art. 2º. do CIRS)», como «satisfaz inteiramente o conceito dado pelo lei laboral (art. 87º. da Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo DL 49.408, de 24/11/1969 [...])».

    1.3 Na sentença recorrida julgou-se a impugnação procedente e, em consequência, anularam-se as liquidações. Para tanto, e em síntese, considerou o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto que o entendimento da AT subjacente às liquidações impugnadas - de que, por ter sido contratado para trabalhar no estrangeiro, o trabalhador não tem direito a ajudas de custo pelas despesas com alojamento e alimentação aí efectuadas - «salvo melhor opinião não tem qualquer fundamento legal», sendo «perfeitamente natural que, por se ter de trabalhar longe do local onde habitualmente se reside, seja acordado ao celebrar o contrato de trabalho o pagamento de ajudas de custo».

    Assim, concluiu, porque não se verifica situação algum das previstas no art. 66.º, n.º 2, do CIRS, que autorizaria a Direcção-Geral dos Impostos a fixar os rendimentos líquidos, «o acto tributário impugnado é ilegal, porquanto enferma de erro de facto nos pressupostos, isto é, do vício de violação de lei», o que determina a anulação das liquidações impugnadas.

    1.4 Inconformado com a sentença, o RFP dela interpôs recurso, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    1.5 O Recorrente alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: « 1. Diversamente do decidido, as verbas de 964.599$00 e 948.473$00, abonadas a título de ajudas de custo, não preenchem o respectivo conceito.

  2. As ajudas de custo têm natureza compensatória e não remuneratória.

  3. Destinam-se a compensar, indemnizar ou reembolsar o trabalhador por despesas por si efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal.

  4. Estas despesas referem-se a deslocações do trabalhador enquanto tal e que, portanto, tenham como ponto de partida o seu local habitual de trabalho.

  5. No presente caso, o contrato de trabalho estabelecia que o local de trabalho era no estrangeiro (na Alemanha). Sendo inócuos o local da sede da entidade patronal ou o local de residência habitual do trabalhador.

  6. Nestes termos, não é relevante, para efeito de ajudas de custo, qualquer despesa de deslocação, alojamento ou alimentação incorrida pelo trabalhador, por não se ter dado como provado que este se ausentou do seu próprio local habitual de trabalho.

  7. Acresce que, o facto de esta verba estar contratualmente estipulada, ser processada no recibo de vencimento, ser de montante bastante elevado, excedendo em cerca de 50% a remuneração declarada, e ter carácter regular e periódico, são elementos que configuram uma verdadeira remuneração acessória, sujeita, por isso, a tributação em sede de Categoria A.

  8. Por um lado, a situação concreta do trabalhador não era suficiente para que auferisse ajudas de custo.

  9. Por outro lado, as características inerentes a estes montantes reconduzem a remunerações acessórias, sujeitas a tributação.

  10. Assim, não se verifica qualquer erro de facto nos pressupostos na actuação da Administração Tributária e as liquidações impugnadas devem manter-se, porque respeitam a ordem jurídica.

  11. Na medida em que, as verbas aqui em causa têm única e exclusivamente natureza remuneratória, aferível de forma objectiva.

  12. E os montantes apurados resultam de fiscalização efectuada à entidade pagadora, e operaram através de meras correcções técnicas previstas no n.º 1 do Art.º 66º do CIRS.

  13. Na douta sentença são violados o n.º 2 e a alínea a) do n.º 1, ambos do Art.º 2º do CIRS.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

    1.6 Os Recorridos apresentaram contra alegação, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

    1.7 O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que as alegações de recurso foram apresentadas para além do termo do prazo legal para o efeito, uma vez que o despacho que admitiu o recurso foi notificado ao RFP em 12 de Março de 2003 e as alegações foram apresentadas no dia 27 do mesmo mês, depois de esgotado o prazo de 15 dias que a lei concede para o efeito, motivo por que o recurso deve ser julgado deserto, tudo nos termos do art. 282.º, n.ºs 2, 3 e 4, do CPPT, e dos arts. 145.º, n.º 3 e 291.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), este aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.

    1.8 Notificado da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o Recorrente veio sustentar que «as Alegações foram entregues no último dia de que a recorrente dispunha para o fazer. Pois como resulta da lei (art. 145º, nº 5 do CPCivil) as partes esgotado o prazo normal para o fazer dispõem de mais três dias úteis».

    1.9 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    1.10 As questões que cumpre apreciar e decidir são: - saber se as alegações de recurso foram ou não apresentadas em tempo, atenta a posição assumida nos processo pelo Representante do Ministério Público, que considera que o recurso deve ser julgado deserto por as alegações de recurso terem sido apresentadas para além do termo do prazo para o efeito; - saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por ter considerado que a liquidação...

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