Acórdão nº 00792/02-PORTO de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDr. Carlos Lu
Data da Resolução02 de Junho de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO D…, identificado devidamente nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto – 1º Juízo, datada de 20/09/2004, que, com fundamento na irrecorribilidade do acto, rejeitou liminarmente o recurso contencioso instaurado pelo mesmo, com o qual pretendia a anulação do acto administrativo que o sancionou com a pena disciplinar de multa de € 500 suspensa na sua execução por um ano, que foi proferido, em 12/06/2002, pelo ente recorrido “INSPECTORA-GERAL DE SAÚDE”.

Formula, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões (cfr. fls. 114 e segs. dos autos): “(…) A.- Foi decidido na sentença em apreço que a competência da Recorrida, apesar de própria, não era exclusiva, pois não bastaria “a atribuição de autonomia administrativa a um serviço personalizado para que seja legítimo concluir pela exclusividade da respectiva competência”.

B.- Em nome da eficácia e produtividade, há uma tendência em retirar certos órgãos do poder de direcção dos membros do Governo, atribuindo-lhes autonomia administrativa.

C.- Foi o que sucedeu no presente caso com a Inspecção-Geral da Saúde que, de acordo com o art. 1º do DL 291/93 de 24/8, é um serviços central do Ministério da Saúde, dotado de autonomia administrativa.

D- Competindo ao Inspector-Geral da Saúde aplicar as penas referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do art. 11º do estatuto Disciplinar, nos processos instruídos ou avocados pela Inspecção-Geral de Saúde (art. 5º, al. j) do mesmo diploma legal).

E.- Não fazendo este diploma legal nenhuma referência à necessidade de recurso hierárquico para o órgão superior, neste caso, o Ministro da Saúde.

F.- Não há dúvidas, que sendo estes poderes conferidos directamente por lei a este órgão, trata-se de uma competência própria.

G.- Acresce que após a revisão constitucional de 1989, o art. 268º passou a omitir qualquer referência à necessidade de o recurso contencioso ser interposto contra actos definitivos e executórios, passando a tónica para o conceito de lesividade de posições subjectivas dos particulares legalmente protegidas.

H.- Entendemos que os actos administrativos desde que lesivos dos particulares podem ser impugnados contenciosamente.

I.- Inconstitucionalidade esta que decorre das seguintes razões (seguimos de perto a posição de VASCO PEREIRA DA SILVA na obra supra citada): - da violação do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art. 268º nº 4 CRP), pois a inadmissibilidade do recurso contencioso, por não ter existido previamente recurso hierárquico necessário, equivale, para todos os efeitos, a uma verdadeira negação do direito fundamental de recurso contencioso; - violação do princípio constitucional da separação entre a Administração e a Justiça (arts. 114º, 205º e ss, 266º e ss CRP), por fazer precludir o direito de acesso ao tribunal em caso de não utilização de um meio administrativo (que não poderá ser outra coisa senão facultativo); - violação do princípio constitucional da desconcentração administrativa (art. 267º, nº 2 da CRP), que implica a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da lógica do modelo hierárquico de organização administrativa, pois o superior continua a dispor de competência revogatória (art. 142º do CPA); - violação do princípio da efectividade da tutela (art. 268º nº 4 CRP), em razão da preclusão da possibilidade de recurso contencioso, no caso de não interposição prévia de recurso hierárquico , no prazo de um mês, o qual, por ser manifestamente curto, poderia equivaler, na prática, à inutilização prática da possibilidade de exercício do direito.

J.- Mas ainda que se considere não inconstitucional a exigência de recurso hierárquico necessário, não se poderá deixar de entender que é imediatamente recorrível a decisão de um órgão subalterno praticada ao abrigo de uma competência própria.

L.- Se o legislador atribui a um órgão subalterno uma competência a título próprio e não faz nenhuma ressalva a necessidade de interposição de recurso hierárquico sobre estas matérias, é porque se considera que o órgão subalterno pode ficar com a responsabilidade desta decisão, sem que haja necessidade que os órgãos máximos se pronunciem sobre a matéria.

M.- Vigora entre nós um princípio de desconcentração administrativa (art. 267º nº 2 CRP).

N.- Pelo que a interpretação do douto julgador a quo de que “a competência das entidades e órgãos colocados nos degraus intermédios (…) é, em princípio, uma competência própria mas não exclusiva” (cfr. fls. 103 dos autos) viola este princípio constitucional.

O.- A regra é precisamente a oposta: salvo disposição legal expressa em contrário, as competências próprias dos órgãos subordinados são exclusivas.

P.- Por outro lado, a Inspecção-Geral da Saúde é um serviço central do Ministério da Saúde, dotado de autonomia administrativa.

Q.- A outorga de autonomia administrativa a um determinado serviço público ou órgão só pode ter como significado a intenção do legislador em permitir que os seus órgãos dirigentes pratiquem actos administrativos definitivos na área da respectiva competência; competência esta que será própria e exclusiva.

R.- E não é o facto de o art. 75º do ED prever que “da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência do Governo, cabe recurso hierárquico necessário” (se se entender que tal norma não é inconstitucional) que se possa concluir que não é exclusiva a competência atribuída à Recorrida na aplicação de penas disciplinares.

S.- Sendo tal disposição uma norma geral, não pode revogar ou sobrepor-se às disposições especiais do DL 291/93 (que regula as competências da Inspecção-Geral da Saúde), nomeadamente às que conferem autonomia administrativa a este órgão do Ministério da Saúde.

T.- Esta norma não impede que os serviços dotados de autonomia administrativa possam praticar actos definitivos, sendo apenas aplicável aos casos em que por lei não foram atribuídas competências próprias e exclusivas.

U.- Foram violados os arts. 268º/4, 114º, 205º e ss. , 266º e ss., 267º/2 da CRP e os arts. 1º e 5º/j do DL 291/93 de 24/8.

(…).” Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida.

O ente recorrido, decorrido o respectivo prazo legal, não veio a apresentar quaisquer contra-alegações (cfr. fls. 125 e segs.

).

Recebidos os autos neste Tribunal foi dada vista ao Digno Magistrado do Ministério Público junto do mesmo tendo aquele emitido parecer no sentido do improvimento do recurso (cfr. fls. 142/146).

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

*2.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.ºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 102º da LPTA.

A questão suscitada reconduz-se, em suma, em determinar se ocorreu ou não violação dos normativos legais invocados pelo recorrente por parte da decisão jurisdicional objecto de impugnação quando esta decidiu rejeitar liminarmente o recurso contencioso deduzido com fundamento na irrecorribilidade do acto administrativo em questão por o mesmo não ser lesivo visto no caso haver lugar a recurso hierárquico necessário.

*3.

FUNDAMENTOS 3.1.

DE FACTO Da decisão recorrida e considerando os documentos juntos aos autos têm-se como provados com interesse para a decisão os seguintes factos: I) Na sequência de despacho do Inspector-Geral da Saúde de 28/12/2001 foi determinada a instauração de processo disciplinar ao ora recorrente; II) No âmbito do aludido processo foi deduzida acusação nos termos que contam de fls. 19 a 25 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido; III) Em 15/04/2002 foi elaborado relatório final tal como consta de fls. 336-347 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que em tal relatório foi aposto, em 12/06/2002, o seguinte despacho pela entidade recorrida: “Concordo. Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito constantes do presente relatório e ao abrigo do art. 5º al. j) do D.L. 291/93, de 24-08, decido: a) aplicar ao Dr. D… a pena de multa, que graduo em € 500 (quinhentos euros); b) suspender a execução da pena pelo período de 1 ano.” IV) O recorrente foi notificado da decisão id. em III) através de ofício 02754 de 25/06/2002; V) Tal como consta de fls. 359-359-C o ora recorrente interpôs recurso hierárquico dirigido em 11/07/2002 ao Sr. Ministro da Saúde; VI) Na sequência de parecer que consta de fls. 367-377 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido foi proferido despacho em 07/10/2002 pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde que negou provimento ao recurso id. em V) nos termos e pelos fundamentos do aludido parecer; VII) O recorrente intentou o presente recurso em 17/09/2002.

3.2.

DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise das várias questões suscitadas para se concluir pela procedência ou improcedência da argumentação desenvolvida pelo recorrente no recurso jurisdicional “sub judice”.

3.2.1.

Diga-se, desde já, que quanto às conclusões insertas sob as alíneas A), B), C) e D), por as mesmas serem descritivas (da decisão judicial recorrida ou de normativos legais em questão), em nada contendem com a decisão judicial em crise, termos em que, nessa medida, nada cumpre decidir e apreciar.

3.2.2.

Entrando, agora, na análise do fundamento de recurso vertido sob as alíneas G), H), I) e U) (violação do arts. 268º, n.º 4, 114º, 205º e segs., 266º e segs., 267º, n.º 2 todos da CRP), ou seja, da inconstitucionalidade do entendimento estribado no art. 25º, n.º 1 da LPTA e 75º do ED da necessidade de interposição de recurso hierárquico necessário como condicionante da...

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